Futebol

Portuguesa aceita derrocada e já sonha se reerguer a partir da Série C

Série C


28/10/2014



 “Não há nada menos vazio do que um estádio vazio. Não há nada menos mudo do que as arquibancadas sem ninguém”. Foi o que ensinou, na crônica "O Estádio", o escritor uruguaio Eduardo Galeano. Talvez ainda lhe falte conhecer o Canindé. Na última sexta-feira, alguns raros torcedores ocupavam as arquibancadas de cimento do estádio. Poucos, definitivamente não estavam mudos. Eram gritos de revolta, mas que não preenchiam o vazio que se tornou a Portuguesa, que nesta terça pode cair para a Série C se perder para o Oeste, em Itápolis.

Alguém mais paciente poderia contar, uma a uma, as testemunhas que deixaram suas casas para acompanhar mais um capítulo da triste rotina que tomou o tradicional clube paulista nesta temporada. A derrota para o Icasa, por 2 a 1, nem de longe surpreende – foi a 17ª na Série B, em 32 jogos. Eram apenas 435 torcedores, o pior público do torneio. Retrato fiel da equipe quase centenária, afundada em uma crise sem precedentes – até para quem já está acostumado a elas.

– É o pior momento da nossa história – resume o presidente do Conselho Deliberativo da Lusa, Marco Antonio Teixeira Duarte, agora também presidente em exercício do clube, já que o eleito, Ilídio Lico, foi suspenso pela Justiça Desportiva, e o vice, Roberto dos Santos, que acumulava a função, entregou o cargo na última semana.

A derrocada lusitana não começou no tribunal que lhe tirou quatro pontos pela escalação irregular de um atleta, no fim de 2013, mas a decisão que custou a vaga na elite do futebol brasileiro e derrubou o time para a segunda divisão é um marco desse caminho ladeira abaixo que culminará, em breve, em uma inédita queda para a Série C – e não há perspectivas claras de que termine por aí.

O TAPETÃO

No dia 27 de dezembro de 2013, dois depois do Natal, os auditores do Pleno do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) negaram recurso da equipe paulista e mantiveram a punição aplicada em primeira instância: perda de quatro pontos pela escalação do atacante Héverton no empate em 0 a 0 com o Grêmio, na rodada final do Brasileiro, quando ele ainda deveria cumprir uma suspensão imposta pelo tribunal. A pena colocou a Portuguesa na zona de rebaixamento e tirou o Fluminense de lá, salvando os cariocas da degola.

Um golpe fatal nos cofres rubro-verdes, já bastante debilitados à época. Quebrado, o clube buscava empréstimos no mercado, mas repetidamente ouvia recusas. O antigo mandatário, Manuel da Lupa, passou a tomar dinheiro em seu nome com o Banif, velho parceiro da equipe, para repassar à Portuguesa – o banco cobra mais de R$ 40 milhões. Parte desse dinheiro, cerca de R$ 600 mil, nunca teve seu destino comprovado, o que levou o Ministério Público, que também investiga os motivos que fizeram Héverton ser escalado naquela tarde de domingo, a instaurar um inquérito civil, ainda em andamento, para investigar uma suposta fraude. Da Lupa, que deixou a presidência em janeiro, após oito anos como principal cartola do clube, enfrenta também um processo no Conselho que pede sua expulsão.

A principal fonte de renda da Lusa caiu vertiginosamente: a arrecadação com direitos de TV passou de R$ 21 milhões, em 2013, para R$ 2,7 milhões neste ano. Ao assumir, a atual diretoria descobriu ainda que praticamente todas as receitas previstas para 2014 já haviam sido adiantadas. Restavam R$ 600 mil, da cota a que o clube tinha direito pelo Campeonato Paulista. Em busca de dinheiro, fez acordo com a DL Tablets, que ocupa o principal espaço de patrocínio na camisa da Lusa, para que a empresa pagasse à vista o valor relativo ao contrato válido pelo ano todo. Para isso, ofereceu desconto sobre o R$ 1,2 milhão acertado – só R$ 900 mil foram depositados. O remédio teve efeito curto, e o rombo nas contas lusas aumenta entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões por mês.

– Descemos ao fundo do poço, temos que passar a Portuguesa a limpo e recomeçar do zero – afirma Teixeira Duarte, filho de Oswaldo Teixeira Duarte, ex-dirigente que dá nome ao estádio do Canindé.

BANCO QUENTE

O rebaixamento fora de campo manteve o técnico Guto Ferreira no banco da equipe no início de 2014. O começo ruim no Paulista, sob risco de nova queda, causou a primeira de uma série de troca de comandos na Portuguesa. Argel Fucks, Marcelo Veiga, Silas e Vagner Benazzi também tentaram salvar o time e não tiveram sucesso. Sem esperanças, a diretoria decidiu manter na função o interino José Augusto até o final do ano.

Argel conseguiu evitar a degola no Estadual, mas não resistiu na Série B. Era ele quem dirigia a equipe na estreia da segunda divisão, em Joinville, quando os atletas deixaram o campo aos 17 minutos do primeiro tempo a mando do presidente Ilídio Lico. O dirigente dizia cumprir uma liminar, concedida a um torcedor que ingressou na Justiça comum para que o clube recuperasse um lugar na Série A.

A atitude resultou em W.O., com vitória do Joinville por 3 a 0. O clube ia, novamente, para o tribunal. Lá, Lico foi suspenso por 240 dias. Argel, que no episódio demonstrou contrariedade com a decisão do cartola, recebeu quatro jogos de gancho.

– Fiz milagre no Paulista, mas aquilo foi a gota d’água para mim. Eu queria jogar. Passei vergonha para caramba no julgamento, poderia ter sido suspenso por um ano – diz o treinador, hoje no Figueirense, que reclama não ter recebido nenhum pagamento do período em que trabalhou na Lusa – mesma situação relatada por Silas e Marcelo Veiga.

O último ainda acusou um ex-diretor de exigir a escalação de um jogador.

– Ele queria que eu colocasse um garoto no banco contra o Oeste, e que isso se repetisse depois. Dizia que o pai do menino havia investido um dinheiro. Se eu não fizesse, seria demitido. Foi o aconteceu – conta Veiga, que deixou o time justamente após a partida contra o clube de Itápolis.

O mesmo cartola é citado por diferentes personagens como protagonista de uma história surreal: teria jogado no lixo, ao assumir, imagens de santos que adornavam seu escritório. Eram peças de Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora de Fátima. O clube, de raízes católicas, nega que isso tenha acontecido.

ATRASOS

Por causa desses atrasos em seus pagamentos, os técnicos que dirigiram o time neste ano engordam a lista de ações judiciais enfrentadas pela Portuguesa.

– Os processos despencam do céu no clube, dia a dia. Eram 48 ou 50 em 2013, já são 138 desde janeiro – calcula Marco Antonio Teixeira Duarte.

Entre o elenco, que recebeu mais de 50 atletas na temporada, a falta de pagamentos atinge apenas aqueles que treinam afastados, segundo o próprio clube admite. Os atletas que têm sido utilizados regularmente estão com os pagamentos em dia graças à ajuda de conselheiros – uma colaboração de R$ 400 mil mensais.

Na última semana, a crise também chegou aos funcionários que trabalham no Canindé. Sem receber, eles fizeram uma greve e pararam o estádio e a sede social da Lusa. A situação foi contornada pelo presidente, que pagou R$ 200 mil do próprio bolso para regularizar a folha de R$ 300 mil – o valor restante ele conseguiu ao adiantar, ainda em outubro, a venda de espaços para a tradicional Festa Junina do clube.

A perspectiva de receitas até dezembro é das mais pessimistas. O aluguel do ginásio e do estádio para eventos gera valores insuficientes, mas que ajudam. Em curto prazo, há a expectativa de receber cerca de R$ 1 milhão por ter sido o clube formador do volante Guilherme, negociado pelo Corinthians com a Udinese, da Itália, em julho. Depois disso, só incerteza.

Do futebol, os dirigentes preveem negociar um ou outro atleta jovem, das categorias de base. A bilheteria só amplia o saldo negativo, rodada a rodada: apenas o jogo contra o Vasco teve renda positiva (R$ 34.287,89). Em boa parte dos outros confrontos, o prejuízo superou os R$ 30 mil.

CULPADOS

Nas arquibancadas vazias do Canindé, o que não faltam são críticas aos apontados como culpados pela situação atual do clube.

– A CBF arrumou essa pra gente. Tirou a gente, que ganhou o jogo, do campeonato. O Fluminense perdeu em campo – afirma o marceneiro Antonio Dionísio, vestido com a camisa da "Barcelusa", apelido que ganhou o time de 2011, campeão desta mesma Série B com campanha irretocável.

– O time está muito ruim, mas o problema não é dos jogadores. É a diretoria que contrata mal. Uma diretoria que diz que não tem dinheiro e contrata 60 jogadores? – indaga a professora Fátima Figueiredo de Almeida.

Nem o Ministério Público escapa da ira dos torcedores portugueses. O órgão estadual, que assumiu uma investigação que prometia anular a decisão do STJD, até agora infrutífera, também é lembrado.

– Eles iludiram o presidente, que tirou o time de campo lá em Joinville. Depois o Argel saiu, ele que era um técnico melhor que os outros. Se tivesse ficado e montado um time para a Série B, não estava nisso aí – protesta o comerciante Fernando Augusto Leal.

"CADA JOGO É UM TORMENTO"

É preciso ser dono de um otimismo irracional para ainda nutrir esperanças de que a Portuguesa consiga se salvar do rebaixamento para a Série C. A equipe tem apenas três vitórias até aqui – a última, contra o Vila Nova, foi na rodada final do primeiro turno – e, com 21 pontos, está 14 atrás do Icasa, o primeiro fora da zona da degola. A queda pode ser sacramentada nesta terça-feira, em caso de derrota para o Oeste, em Itápolis – se empatar, torce por um tropeço dos cearenses contra o Náutico, no próximo sábado, para continuar respirando.

A comissão técnica já jogou a toalha. Depois do duelo de sexta-feira, o discurso de José Augusto foi o de manter a dignidade nas seis partidas que ainda restam.

– Digo aos jogadores que temos que levar as coisas a sério. A Portuguesa é muito grande. Eles têm que ter a consciência de que esse clube, com tantas glórias, não é merecedor deste momento.

Resignado, o treinador admite que conta as horas para encerrar a temporada.

– Queremos terminar com isso o mais rápido possível. Cada jogo é um tormento – conclui.

 



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