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PINA: Dançar, Dançar & Dançar!


10/04/2012

 “A obra de arte é o maior de todos os enigmas, mas o ser humano é a solução”(Joseph Beuys)

O que Pina Bausch conta no palco e na plateia é um teatro que liberta todas as inibições, é festa, jogo, sonho, símbolo, recordação, antecipação, cerimônia. É um conforto que se destrói doce e insidiosamente, porque o que a gente quer é que toda essa harmonia, toda essa leveza, todo esse encantamento não acabe jamais e que a vida seja assim. (Federico Fellini)

Ouvi falar em Pina Bausch lá pela década de 70, mas era somente um nome que me seduzia lá longe. Como gostava e gosto até hoje de dança, seu nome me chegou assim como um cometa dançante que passa no céu. Somente na década seguinte, através da minha amiga e minha professora de dança Angela (Inha) Navarro, que fiquei sabendo quem era Pina Bausch. Sua revolução na Dança, seu expressionismo, e sua dança orgânica, onde não interessava como você se movimentava, mas o que levava você a se movimentar. Tínhamos um grupo maravilhoso de “dançarinos”: Eu, Vitória Lima, Márca Lucena, Luciano Klosterman, Sarita, Gualberto, só para citar alguns. E na sala da casa de Inha, tentávamos investigar o que desejávamos e o que nos movia. Bolas, panos, despreendimentos, e alguns exercícios, levitávamos.

Ontem, finalmente, e sem 3D, para meu desgosto, fui ver o documentário Pina, de Wim Wenders. Documentário que levou-o primeiramente a fazer sobre a Cia Wuppertal e registrar assim, o processo de criação dessa coreógrafa maravilhosa, mas que, com sua morte repentina, desistiu de tudo, sofreu o luto, e mais tarde mudando o motivo de Sobre para Para, continuar o trabalho, resultando num registro transcendental de dança, teatro, cor, plasticidade, música e espanto – Para Pina Bausch, pois!

Pina Bausch , uma mulher franzina, cabelos escorridos, olhar triste, magérrima, e com o dom da observação da alma humana. A subjetividade do ser e do movimento lhe interessava. Os bailarinos antigos e novos, aparecem tristes e despedaçados, a olhar no infinito primeiramente, para logo em seguida fixar à câmera e resumir o que Pina havia lhes ensinado. “Você é frágil, mas sua fragilidade é sua força”, disse para uma oriental igualmente franzina.

“Estou triste, você parece ter medo de mim? O que te fiz?”,indagou à uma outra mexicana, talvez, sobre sua timidez diante da mestra. “Dance bonito, mas não só. Desconcerte-me”, ordenou a um outro. “Seja lindo! Me assuste e faça minha cabeça girar!”

No filme, suas coreografias, seu corpo em repetição à exaustão, seus cenários, trilha, escolha de figurinos, me fez querer falar alemão, morar no seu lugarejo, andar de metrô pendurado de superfície, e passear pelo bosque, ou tomar banho nos riachos da Floresta Negra, talvez.

Sua trupe, um caldeirão de nacionalidades. Pina já exercia a multi-culturalidade e expressões diversas. A dança dos alemães mais simétricas, duras, enquanto os orientais mais fluidos e samurais. E tudo misturado. Ela dizia que sua companhia não era alemã, mas uma colcha de retalhos: “Nosso trabalho não se prende a fronteiras, antes rompe todas as fronteiras. É como as nuvens, como o Sol. Na Índia inventei para mim uma frase : Se eu fosse um pássaro, seria então um pássaro alemão?” Confesso que por várias vezes as lágrimas escorreram. Lágrimas de sensações fortes, talvez em conexão com o que movia aqueles bailarinos e suas coreografias. “Leãozinho” de Caetano, em movimentos pequenos, diminutos e espartanos. Como não fazer referência à dança de Fred Astaire, numa cena do documentário: “Nós que aqui estamos por vós esperamos”, quando sua dança vaporosa se mescla com as pernas tortas de Garrincha, numa fusão de dança e futebol, para Maracanã nenhum botar defeito. Ou ainda de Isadora Ducan, e seus véus e pés descalços; ou até mesmo Nijinsky com sua L’Aprés-Midi d’un Faune,, para o horror das mudanças do início do Século XX.

Na dança de Pina, a interpretação é mais importante que a representação. "A mim não interessa como as pessoas se movem, mas o que as move", costumava falar sobre sua investigação coreográfica, em que os bailarinos, vindos de várias partes do mundo, incorporavam as próprias associações, pensamentos e lembranças aos números: “Quando fiquei perdida e sem direção, lembrei da dança que me puxava os cabelos.” confessava uma bailarina. Numa entrevista à Folha de São Paulo (27/08/2000), disse: “Estou interessada principalmente no não dizer. A maior parte do tempo, eu não digo…Na dança, o que se vai dizer não está sempre no que se vai dizer…”

O filme começa com uma coreografia das Estações, e nos gestos mínimos a expressão da primavera, verão, outono e Winter! Folhas, grama e um teatro vazio. Despejos de muita terra para compor o cenário da Sagração da Primavera de Stravinksy (Adoração da Terra e Sacrifício). Um vestido vermelho solitário à espera do sacrifício. Os elementos de Pina: Terra, ar, água. “Devemos enlouquecer mais”! Dizia. E um bailarino atesta que PINA é uma pintora, e eles, os dançantes/ tintas para pintar.

Lá pelas tantas Ela própria atesta a importância do olhar frente ao movimento. Cada olhar, um sentimento certo. Ou único. E tudo muda. Cada detalhe ? uma possibilidade. “É preciso fechar os olhos para ver e ouvir”, dizia. Em uma de suas coreografias mais famosas, Café Muller, muitas cadeiras, tropeços e o abrir caminhos. Caminhos inusitados. Equilíbrios desconcertantes. Volume. Aí Um sapateado e um cachorro que late. Um bailarino a define: “Pina é igual à uma casa com um sótão! E cheia de casas dentro.” Bachelard fala de casas, espaços poéticos e sótãos. A magia dos espaços, dos cantos, das margens, e dos vazios e cheios, preenchem essas criaturas quase divinas.

Uma noiva no trem. E as costas musculosas de Pina. “Essa é a maravilha da dança: que o corpo seja uma realidade pela qual se atravessa”!. Um Travesseiro. Como não associar ao travesseiro do artista cearense, Leonilson, com um bordado escrito: “Ninguém!”

O documentário é sempre entrecortado por maquetes, palcos, recursos usados para fazer a fronteira entre o que é documento, projeção, fílmico. O longe e o perto; o tangível, o diminuto, o palco, o olhar. E tudo acontece numa outra dimensão. Ficção x realidade. O palco como o lado de lá. Sentir o que tá dentro. “Queria sentir a dor dela. Sua força, sua solidão”!. E de repente um vestido vaporoso se faz bouquet – Uma oferenda! Uma Elegia!

A água corre. As Àguas: Águas Claras, Festivas, Mornas, Místicas, Águas que vinculam. Devemos falar do dia, para que sejamos humanos. Demasiado Humano! Virginia Woolf também dizia que tudo acontece em Um dia! (Mrs. Dalloway).

O Tempo : um velho e/ou criança; os olhos transformam. Um Trem-vamos! movimento! Woolf também escreveu sobre personagem em um texto: “Mr. Bennet e Mrs. Brown”, e um trem que segue. E La Nave Vá! Nino Rota me põe a cantar!

Os settings? lugares comuns: estação, parque, sinal de trânsito, encruzilhadas, pistas, ruas, porto, córrego, trem suspenso, jardins que não são da Babilônia. A Dança é igual a algo do cotidiano Pessoas nadam, acordam, olham. Sapatilha de ponta; rodopios ; tudo se contrapõe à aridez do lugar, às flores, à suavidade da música.

Em algum momento, todos os bailarinos estão nos seus lugares no palco, e um fotógrafo faz flashes azuis, para congelar a imagem dos casais, mesclando com os depoimentos. Blues, Banzo e saudades. Veludo Azul! Plasmar o instante. Quanto mais frágil mais força! Andar com os paus pelo corpo. O peso leve da travessia: com quantos paus se faz uma jangada? Sonhos. O ginasta. O Narciso, veste e tira as calças para às mulheres. A agonia de se exibir. Cada gesto? Uma honestidade;

Uma pedra no meio do caminho. O mito de Sísifo. Repetir. Repetir. Um obstáculo, uma moça vestida de Rosa se coça. Tímida e com medo. Brinca com a água. Procura, busca, onde? Qual a direção? Um Pendulo, ao som de um violoncelo. Lua Cheia – Alegria Alegria. Caetano. Um vestido amarelo, uma caixa branca de vidro enorme, uma prisão, Andréeeeeeee – Luna de Margarida. Sonhar contigo. Um aspirador no Bosque, um estranhamento, uma re-significação do objeto. Marcel Duchamp!

Pina – ainda não sonhei com você!

Pina – um rinoceronte! Work work work. Como fazer para corresponder? Medo, assombro. Resistência. Um iceberg. Um abismo. Uma vertigem. Uma imensidão. Uma paisagem. Um risco. Até onde posso ir? Uma barreira! Um penhasco. Dance! E no meio da cena, uma mulher toma chuva – Anita Ekberg? La Doce Vida, Fellini!
Pina – está em cada um de nós! Ou o contrário!

Pina, o sagrado; Pina, o profano; Pina, uma epifania; Pina, um rosário de amargura. Pina, a princesa austro-húngara cega de La Nave Vá, de Fellini.

Adeus.

A cortina sobe

A celebração final: Requebro, quebro, re-faço, re-vejo,

Tem artistas que são únicos e ponto. Pina foi um desses. E quando esses artistas morrem, eu choro despudoradamente. Foi assim com Fellini, com Mastroiani, com Elis, Cássia, e até mesmo Marylin, que chorei sem ter a consciência ainda da sua figura mítica. Com Pina, não foi diferente. Nunca a vi dançar pessoalmente. Contentei-me com o filme de Almodóvar: “Fale com ela”, e aquele Prólogo e Epílogo com a própria Pina dançando a solidão e o silêncio no primeiro e a voz e a alegria no segundo.

Dançar é preciso! uma música, uma cadeira, um sofrimento, uma cidade, uma chuva, uma lua, um depoimento, um trabalho, uma emoção, uma sensação, um rodopio, muitas nacionalidades, um arrepio, um êxtase, um Leãozinho, uma mulher, uma repetição, muitas repetições, um metrô, um hipopótamo, uma casa de vidro, uma lágrima, uma dor, um vento, um vestido, TUDO!

Dance Dance Dance, senão estamos perdidos!
(disse-lhe uma garotinha cigana quando Pina visitava um acampamento na Grécia)

Referências:
Cypriano Fabio : Pina Bausch.São Paulo : Cosaf & Naif, 2005
Folha de São Paulo, Caderno Mais, São Paulo, Ago, 21, 2000.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 1 de Abril, 2012



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