Futebol

Perigos da bola: psiquiatra cita falso poder de atletas e influência negativa

Perigos


02/05/2013

O episódio protagonizado por Bernardo – que, segundo a investigação policial, também envolveu Charles, do Palmeiras, e Wellington Silva, do Fluminense – é apenas mais um que mistura futebol, situação de risco e noticiário policial. Outros nomes como Bruno, Julio Cesar, Edinho (filho de Pelé), Adriano, Romário, Jorginho (beach soccer) e Vagner Love também já tiveram seus nomes envolvidos em situações do mundo proibido. As polêmicas podem causar entre crianças e jovens o efeito de dupla mensagem, quando o exemplo do que é bom e ruim, certo ou errado, se confunde diante das atitudes do ídolo. O sucesso repentino, a rápida mudança de status econômico e a sensação de falso poder são alguns dos motivos apontados por especialista para tentar explicar a síndrome de “sou ídolo, posso tudo”.

Essa é a avaliação do psiquiatra Marcelo Migon, membro da Associação Internacional de Psiquiatria Esportiva e especialista em dependência química da Universidade Federal de São Paulo.

– Um cidadão qualquer, que não tem esse apelo social, que não aparece tanto na mídia, tanto faz se ele vai na favela ou não. Mas o jogador aparecer entrando em campo de mão dada com a criança, com uma criança no colo, e no dia seguinte estar na primeira página do jornal porque apanhou do traficante, isso passa uma dupla mensagem para criança: “Então, se eu for igual ao Bernardo, eu vou poder ir à favela, apanhar ou não, fazer isso ou não?!”. Não tem limite essa imagem que o atleta passa para a criança – afirmou o psiquiatra.

Marcelo Migon aponta alguns fatores que podem servir como gatilho para atitudes que não condizem com a postura de um atleta:

– Alguns têm inteligência limítrofe que faz com achem que a realidade deles é outra, o que chamamos de desenvolvimento mental incompleto. Somado ao que o falso poder dá a ele: “Sou jogador de futebol, sou ídolo, nada vai me acontecer”. Você não vê isso: “Ah, sou o Zé Mayer, vou entrar na favela”. Além disso, os jogadores têm mudança de status econômico da noite para o dia, às vezes não têm laços familiares muito fortes, abandonam a família muito cedo para se dedicar à carreira. E uma série de aproveitadores que logo colam neles. O meio faz a ocasião, e vice-versa.

Resistência a acompanhamento médico

Pelos clubes do Brasil é possível perceber a resistência de jogadores a recorrer a acompanhamento com psicólogo ou psiquiatra. No ano passado, uma das condições para Adriano permanecer no Flamengo era ir a consultas com um médico indicado pelo clube. O atacante prometeu que procuraria o médico, mas não apareceu em nenhuma sessão.

– Ainda colocam o médico psiquiatra como se fosse um monstro, algo de outro planeta. A seleção inglesa de ciclismo colocou um psiquiatra antes das Olimpíadas de Pequim (2008) e foi a edição na qual mais ganharam medalhas de ouro até então. Existe resistência (ao tratamento). É preciso que diretoria e departamento médico dos clubes quebrem esse estigma. Há muito tempo, o psiquiatra não trata louco, aquele louco no meio da rua que diz ser Napoleão. Psiquiatra faz terapia, trata transtorno de ansiedade, doenças menores que não a esquizofrenia – destacou Marcelo Migon.

O membro da Associação Internacional de Psiquiatria Esportiva diz que, em muitos casos, o fato de o jogador ter que recorrer ao acompanhamento médico é encarado como uma estranha novidade.

O psiquiatra Marcelo Migon lembra de uma conversa que teve com Dorival Júnior quando ele ainda treinava o Flamengo, a qual comprova a resistência a novos métodos:

– Ele contou de uma experiência dele no Santos, que tinha fechado uma parceria com um curso de inglês e colocou professores dentro do clube para darem aula. Na primeira, só havia três ou quatro jogadores. Na segunda, só tinha a comissão técnica. Ele estava explicando que em toda novidade implementada, os primeiros a recusarem são os próprios jogadores. O jogador é funcionário do clube, que tem que ditar as regras.

Curiosidade por favela e imagem do jogador em risco

No caso de Bernardo, suas incursões no Complexo da Maré se tornaram corriqueiras nos últimos tempos. Nascido em Sorocaba (SP), o jogador não tinha contato com favelas.

A curiosidade por uma outra realidade aparece como uma das explicações. E rompe as barreiras do futebol no Rio de Janeiro.

– Não vejo isso como questão específica do jogador de futebol, mas sim como uma curiosidade que muitos jovens têm de conhecer a outra realidade da cidade. Você vê bailes funks com grande parcela de meninas e rapazes de classe média e alta. Conhecer esse outro lado do Rio de Janeiro não é questão inerente ao jogador. Mas, diferente de outros jovens, ele deveria ter compromisso maior com o corpo, com a saúde, dormir cedo. Muitos têm contrato de imagem e não prezam por isso. Choca – completou Marcelo Migon.

Nesta segunda-feira, o técnico Paulo Autuori destacou que o futebol é parte integrante da sociedade e citou o risco do desperdício de talento no caso de Bernardo.

– O futebol não está numa redoma fora da sociedade. Na vida a gente vê tantos casos de desperdício de talento. Só espero que o Bernardo não seja mais um – disse o treinador do Vasco.

Segundo investigações da polícia, o meia do Vasco teria sido agredido por causa de suposto envolvimento com Dayana Rodrigues, apontada como namorada do traficante Menor P e que foi atingida por sete tiros no complexo de favelas da Maré. Nesta quinta, ao deixar o hospital após passar por uma cirurgia no joelho esquerdo, o meia falou em vida nova.

O jogador prestou depoimento na segunda-feira e disse que sofreu ameaças, com terror psicologico, mas sem agressão.

Segundo reportagem da Revista Veja, Bernardo teria rodado com os bandidos durante uma hora com uma arma apontada para sua cabeça.

Em imagens divulgadas pelo "Fantástico" em março de 2010, Vagner Love apareceu em um baile funk na favela da Rocinha, Zona Sul do Rio, escoltado por traficantes armados. Na ocasião, o jogador negou que tivesse envolvimento com os homens que aparecem na imagem, mas disse que não se arrependia de ter ido ao local. Love passou a ter de responder publicamente por suposto envolvimento com traficantes, após ter sido flagrado entre eles. O atacante chegou na favela em um carro importado preto e, na entrada do baile, um traficante armado com um fuzil seguiu na frente e outro, também armado, chegou atrás e o acompanhou até a quadra onde ocorria a festa.

Algumas polêmicas de Adriano

Em 5 de março de 2010, após Adriano faltar a um treino do Flamengo, o então vice de futebol rubro-negro Marcos Braz informou que o jogador estava ausente por problemas “conhecidos e notórios”. Pouco depois, veio à tona que o Imperador havia protagonizado uma confusão na favela da Chatuba (Zona Norte do Rio). Acompanhado por alguns jogadores, o atleta participou de um baile funk em uma quadra poliesportiva na comunidade. Porém, eles não contavam com a presença de Joana Machado, ex-noiva do atacante. Alterada, ela ofendeu os atletas e chegou a atirar pedras no carro de Adriano e de outros três jogadores. O episódio, na época, afastou o atacante das partidas contra Resende, pelo Campeonato Carioca, e Caracas, pela Libertadores.

Pouco mais de dois meses depois, o jogador voltou a ter o nome envolvido em confusão. Adriano foi intimado a falar sobre um suposto envolvimento com a quadrilha de Fabiano Atanásio, o FB, chefe do tráfico da Vila Cruzeiro, no subúrbio do Rio de Janeiro. O promotor de Justiça Alexandre Temístocles chegou a dizer em nota, inclusive, que era favorável ao pedido de quebra de dados cadastrais da linha telefônica e do sigilo bancário do jogador.

Adriano teve que prestar depoimentos em diversas ocasiões. Além de frequentar a Vila Cruzeiro, onde nasceu, o Imperador também marcava presença em outras favelas do Rio, algumas delas sem estarem pacificadas pela polícia.

Prisão e casos pitorescos de Bruno

A passagem de Bruno pelo Flamengo entre 2006 e 2010 guarda casos pitorescos e culminou com envolvimento em caso de assassinato. Cenas como o goleiro correndo nu pela Praia da Barra para comemorar um título ou o passeio de jegue pela favela da Chatuba retratam a síndrome "sou ídolo, posso tudo".
Em 2010, Bruno foi preso acusado de envolvimento na morte da ex-amante Eliza Samudio. Recentemente, ele foi condenado há 22 anos de prisão. O goleiro também tinha trânsito livre na Rocinha e em outras favelas cariocas.
Confusão no sítio

Em 2008, os então rubro-negros Bruno, Marcinho, Diego Tardelli e Paulo Victor se envolveram em uma confusão com oito garotas de programa depois de uma orgia no sítio do jogador, em Belo Horizonte. A confusão aconteceu porque Marcinho teria se desentendido com uma das meninas e a agredido. Duas prostitutas prestaram queixa contra o jogador e fizeram exame no IML. O motivo: Marcinho, a exemplo de Bruno, queria transar com uma das garotas sem camisinha. Com o “não” da garota de programa, o jogador perdeu o controle.

Romário, Julio Cesar e Bem-Te-Vi

Em 2005, contatos entre jogadores de clubes do Rio e o traficante Bem-Te-Vi, então líder do tráfico da Rocinha, foram intermediados pelo advogado Marcelo Santoro, irmão da modelo Mônica Santoro e ex-cunhado de Romário.

Um deles foi o goleiro Julio César. Em escutas telefônicas, o jogador relatava um assalto a carro próximo a Rocinha e ouviu um conselho.

– Quando for assim, tem que entrar pro morro, vem pro morro (…) que aqui é tranquilo, que aí já pega logo e passa fogo – diz Bem-Te-Vi.

Jorginho, do Beach Soccer, foi outro envolvido no escândalo.

Romário, que na época jogava pelo Vasco, era citado em gravações que envolviam dois traficantes: Bem-Te-Vi, da Rocinha, e Edmilson Ferreira dos Santos, o Sassá, chefe do tráfico no Complexo da Maré (mesma do episódio com Bernardo). Um taxista, que fora até a Rocinha entregar três fuzis de Sassá para Bem-Te-Vi, contou ter visto Romário numa festa promovida por traficantes.

– Mermão, tinha que ver a festinha que tava lá, parceiro! – surpreendeu-se o taxista.

– Romário e o caramba, né? – retruca Tadeu Nascimento Silva, o Bola, gerente do tráfico de drogas na Vila dos Pinheiros, na Maré.

– Tava Romário e vários amigos lá, pesadão, várias gatas, várias louras.

Romário teve que depor e afirmou à polícia que o traficante Bem-Te-Vi não apenas esteve presente na pelada “beneficente”, como jogou por dez minutos no seu time.

Filho de Pelé e tráfico de drogas

Em 2005, o filho de Pelé e ex-goleiro do Santos, Edinho, foi preso em São Paulo, acusado de tráfico de drogas. Essa ação penal foi anulada, mas o filho do Rei também foi acusado de lavar dinheiro para um grupo de traficantes e passou sete meses preso.

Na época, Pelé assumiu responsabilidade e disse que foi um pai ausente. Durante os vários meses por trás das grades. Quando solto, Edinho retomou sua vida profissional no esporte. Em 2007, foi chamado para trabalhar na comissão técnica do Santos, então chefiada por Vanderlei Luxemburgo.

 


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