Paraíba

OPINIÃO: Em novo artigo, professor Paulo Amilton comenta sobre “A verdade e a política”

O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Portal WSCOM e o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba.


02/01/2020

Na imagem, o chefe do Departamento de Economia da UFPB, Paulo Amilton

A verdade e a política
Por Paulo Amilton Maia Leite Filho

 

Em 1960 o Tenente Coronel Nazista Otto Adolf Eichmann foi preso na Argentina pelo serviço secreto de Israel (MOSSAD). Este foi encarregado durante o período do governo Nazista da gerência da logística das deportações em massa de judeus para os campos de concentração Nazista. Por conta disto, foi considerado criminoso de guerra e enforcado em Israel em 1962. No período de seu processo, a mídia enviou vários jornalistas e, entre eles, estava a filosofa Hannah Arendt, que representou a revista americana The New Yorker. Em 1963 ela publicou um livro chamado “Eichmann em Jerusalém”. Neste livro Hannah Arendt, além de descrever o julgamento em si, traça um perfil do homem Eichmann.

 

Naquele perfil, o acusado aparece como um homem comum. Uma pessoa que não apresentava nenhum traço de antissemitismo nem caráter diabólico. Para ela, Eichmann era funcionário público normal que estava apenas cumprindo ordens emanadas por seus superiores hierárquicos. Por isso ela emprega o termo “A Banalidade do Mal” para descrever a situação em que indivíduos normais agem para cumprir ordens de superiores com mentalidade distorcida e diabólica.

 

Por conta deste livro, a autora passou a sofrer uma série de críticas avassaladoras por parte do establishment político que ansiava pela demonização de qualquer personagem que estivesse ligada de algum modo ao período Nazista. Como ela descreveu um personagem Nazista como um ser normal, passou a ser muito malvista nas hostis políticas da época.

 

Para responder as críticas, Hannah Arendt escreveu o ensaio “Verdade e Política”. Ela escreveu para se contrapor a grande quantidade de mentiras que foram publicadas a respeita da obra e da pessoa de Hannah Arendt. Neste a autora coloca a seguinte questão, “é legítimo dizer sempre a verdade?”.

 

No ensaio ela descreve algumas verdades. Existe a verdade religiosa, que não precisa de lógica para ser aceita, apenas a fé nos dogmas fundamentais da religião e cujo outro lado é a heresia, que é a não aceitação desses dogmas. Existe a verdade histórica, cuja antítese é a falsificação histórica. Também existe a verdade científica, cujo extremo é a fraude. Por fim, temos a verdade factual, que tem como oposto a mentira. É justamente sobre esta verdade que o ensaio se debruça mais atentamente.

 

A mentira é a manipulação dos fatos, é uma forma de reorganizá-los de acordo com uma perspectiva específica. Pessoas e grupos podem empregar até a violência como forma de persuasão para que uma dada manipulação dos fatos seja aceita como verdadeira. A política é o campo em que a manipulação dos fatos encontra maior espaço. Um político mentir é a coisa mais normal do mundo. A mentira política confunde-se com a verdade e o mentiroso perde a noção dos limites, pois ele próprio passa a acreditar na mentira que apregoa.

 

Na política sobressai os interesses particulares, que precisam da áurea do bem-comum. Parte do establishment político da década de 60 queria que todo personagem ligado ao período Nazista fosse crucificado como uma maneira de convencer o público de que aventuras autoritárias não fossem mais aceitas. Para obter isto, que era o que tinha de maior bem-comum na época, valia mentir à vontade e destruir reputações era apenas um subproduto para se obter um bem-comum maior.

 

Traga isto, meus oito leitores, para nossa época. As formas de destruir as reputações no mundo atual são muito maiores do que àquelas existentes na década de 60 do século passado. Mentira agora tem nome sofisticado, chama-se Fake News. Mas do que nunca o quarto poder de uma república, que é a impressa, deve ser e se manter vigorosamente livre. Um protótipo de ditador pede logo para seus seguidores combaterem algum veículo de comunicação que o retrata de forma que não lhe agrade. A verdade para ele é aquela que o agrade, não aquela que tem os fatos como base. Eu desejo para o ano de 2020, que começou ontem, que a impressa brasileira livre consiga sobreviver e trazer ao seu distinto público a verdade factual dos acontecimentos. Um grande abraço ao público que lê esse escriba e desejo a todos um 2020 melhor e com mais paz.

 

*O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Portal WSCOM e o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Paulo Amilton Maia Leite Filhoa é professor na Universidade Federal da Bahia.



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