Geral

Olé Madrid Olé


07/08/2012



En las tardes azules de verano iré por los senderos
Picoteando por el trigo, a pisar la hierbe menuda:
Soñador, sentiré su frescura em mis pies.
Dejaré que el viento bane mi cabeza desnuda

(Rimbaud – Sensation)

Chegar em Madrid de trem bala. Velocidade máxima. A do trem e a minha própria. Excitação. Primeiro impacto – Estação Puerta de Atoche. Imensidão . Arquitetura arrojada, esteiras, jovens, mochilas viajantes, calor escaldante de deserto. Os garçons chamam Òla, Que tal? Meninas cantam na Plaza Mayor. Pombos voam. A polícia faz a ronda. O cheiro de calamares e de Paella. A Puerta Del Sol. O café Del Príncipe – Jamon Jamon!

Fui à Madri na década de 70 , depois de dois meses viajando. Peso demais das malas, notícias de menos (sem fone, nem internet, isolada do mundo); olhos cansados de tanta informação. Subestimei a Puerta Del Sol. Lembrava de muito pouca coisa. Somente de um certo hotel Carlos V, das lojas El Corte Inglês, e de muitas avenidas largas e verdes, do Museu do Prado, e de um touro em sofrimento.

Desta vez, por sete dias, tive à mão, esta cidade acalorada e maravilhosa, para dedilhá-la a pé, ou através dos meus olhos incrédulos e assanhados. Primeiro, uma visão panorâmica da cidade, Double Deck e City Tour com música Flamenga ao fundo, digo aos ouvidos. Desce-se e sobe-se onde dá. Jardins (o do Retiro), Palácios, Praças – Sibelle, Estádio Real Madri (Kaká está nas páginas das revistas), esculturas vivas pelas ruas. No museu do Prado, a exposição “O Último Raphael”. E mais Rubens, Goya, El Greco, “As Meninas” de Velazquez, Ticiano, Tintoretto, Rembrandt, Caravaggio, e zonza com tantas e tantas Madonas. Cartões lindos nas lojas, cafés, e nos jardins – O Chapeleiro, de Alice no País das Maravilhas, me dizia: Não troque nunca!? Um músico dedilhava seu flamengo pessoal e vendia seu disco por entre as sombras.

No café do Prado, almoço. Uma Coreana jovem me aborda com seu tablet e mapas me pedindo orientação. Conversamos em inglês e dividimos nossa ignorância. Compartilhamos nossa solidão. Nas ruas dos labirintos que desembocam na Puerta Del Sol, muita gente – um formigueiro; várias passeatas contra El Gobierno e palavras de ordem. Acompanhei algumas, sob o olhar atento de um helicóptero rondando nas nuvens. Ruas enfeitadas. El Corte Inglês e Zara em todas esquinas; as lojas inglesas H & M, e mais Sphera, Séphora, tudo liquidando – Rebajas! Há algo de estranho no Brasil. Somos roubados a toda hora, pois aqui tudo é caríssimo. No café, Spaghetti ao Pesto, montadito de Brie com morango, sangria. Perambulando pelas ruas, o bar James Joyce, Dubliners e Guiness. I Love Madrid! Dançarinas! Tapas! Leques! Marrafas! Lenços! Paco de Lucia!

Museu Reina Sofia, next stop. La guerra hay terminado? De La Revuelta a La Posmodernidad. Revolution Feminista. Videos, e depois das mujeres, a arte nunca mais foi a mesma! Estava escrito! E uma pichação: “O impedimento para a criatividade? É o bom gosto!” Leio em algum lugar. A guerra civil espanhola, mulheres cantam, dançam. O som da guerra. Os desenhos de Picasso. Suas mulheres disformes. E eis que me atenho aos títulos: muitos títulos sobre o sofrimento das mulheres. Picasso denunciava que, na guerra, as mulheres e as crianças, choravam impotentes com seus ninos. As Perdas. A guerra é masculina! Rose Marie Muraro e seu texto: “Por uma nova ordem simbólica”. E eis que por entre arcos, me deparo com A Guernica, (Vi esse quadro emblemático em 1977, no Museu de Arte Moderna de Nova York, já que fora deportado da Espanha de Franco). Revê-lo agora na sua casa de origem e de direito, me deu arrepios. Em silêncio, faço minha reverência. Uma mãe inglesa, explicava para seus dois filhos pequenos a grandiosidade daqueles “rabiscos”, ao olhar atento e curioso das crianças. Gente do mundo inteiro em estado de perplexidade diante dos traços da guerra. Todos os sketchs dessa obra prima fotografados por Dora Moor, sua musa re-desenhada.

Um outro susto, uma instalação de Helio Oiticica – Trópicos, sabiás solitários. Poemas sobre a solidão. Solidão mata. Morrer sozinho. Como não lembrar do conto The Canary, de Katherine Mansfield!

Nas lojas dos museus? A reprodutibilidade da Arte de Walter Benjamim: cópias & cópias! E eu compro meus copos e minhas camisetas. Fotos de Man Ray e Buñel, e todos os citados, referidos, e homenageados – Meia Noite em Paris! Touros e touros touradas. E a música de Rosário Flores. Sapateados e lamentos.
Bares – com chuvisco de vapor, para amenizar a vertigem do calor do deserto. Vejo Camelos e oásis! Dias longos . Anoitece à meia noite. Señor, por favor….Rapazes tocam e cantam Beatles. Mexicanos com seus sombreros enormes, cantam. Uma mulher-flor, um homem suspenso, todos fazem sua arte de rua por uma moeda. A crise.

No Palácio Real – ouço um violinista da Bulgária. Uma imagem me vem à cabeça e o filme “A Insustentável Leveza do Ser”. Vou à Gran Via, lojas de cinema! Fnac e todos os livros. Paula Fernandes está a tocar, e seus CDs enfileirados na vitrine. Outros ouvidos para a música sertaneja. Ghandi e Marylin Monroe nos grandes outdoors. Happy Birthday To You, cantarolo baixinho. Brincos & Brincos. A grife espanhola, Des-igual, é realmente diferenciada, e tantos pegadores pegando as roupas-patchwork! Outra grife local, a Custo Barcelona, linda e louca! Colônias Costa Brava, Águas de Parma, 4711, cheiros e maquiagem da MAC. Tantos tons, tantos lápis, batons, que quanto mais experimento, mais choro de dúvida! Women-´s Secret – roupas íntimas. Uma mulher de preto diz Òla e me pede esmola; outra em silêncio, escreveu numa placa – tengo hambre. E a música do violino continua, sob o olhar atento de tanta gente que descansa nas escadarias da Catedral. Silêncio. Sacralidade. Paisagem. Exuberância. Falo sozinha todo o tempo. Eu e minha mochila. Que não era Louis Vuitton…

No Mercado – Azafron! Azeitonas!Alcachofras frescas e gigantes! Jamon Jamon – Ibérico Serrado! Arroz negro! Cerejas! Figos! Fanton com Horchata! Ruas de Azulejo, Calle San Cristobal, café curto, café cortado, mantequeria, desayuno em Plaza Mayor. Oro Oro, compra-se Oro! Rebajes tudo em Rebajes! Sinos tocam. Por quem? Madrid se espreguiça. A siesta!

E eis que vou ao Museu Thyssen-Bornemisza e uma oportunidade raríssima e preciosa: uma exposição do pintor americano, Edward Hopper (1882-1967) – com sua moça no hotel. Solidão! Soir Blue, Dos Comicos, Barcos, Carreteros, casas, vagones, puentes, paisagens. La ciudad, vientos, casas cotidianas, Puritanos, Brisa de tierra, Cape Cod, Anoitecer, Amanhecer, e o posto de Gasolina, lembro do Grande Gatsby. Habitacion em N. York = Um homem lê jornal, uma mulher toca piano….Hopper soube pintar a falta de comunicação entre as pessoas, entre os colegas de trabalho, entre um homem e uma mulher…

O cinema presente nos quadros. Hopper era muito interessado no cinema, e fez da sétima arte um complexo diálogo de empréstimos e influências mútuas. Talvez por isso, nos seus últimos anos de vida, sua pintura, gradualmente lançou um foco e ênfase na luz. Luz, câmera, ação!

Na entrada da exposição, uma parada para ler Poemas de Rimbaud nas paredes: Sensation, e também, La Lune Blanche, de Paul Verlaine:

Um vasto tierno
Sosiego
Parece desunder
Del firmamiento
Que El asto irisa.
!Es La hora exquisita!

Das praias de Cape Cod e dos azuis infinitos de Hopper, subo ao café na cobertura do Museu, com vista panorâmica cinematográfica da cidade. E Degusto uma massa niegra, com gambas e queso. Hum Hum! Me belisco e rio sozinha….estoy feliz!

Mais tarde, continuando a ágape madrileña, e no Café Del Príncipe – Paella para degustação e vejo uma novia que chega displicentemente para fotos. E todos que passam gritam: Viva La Novia! Tiro fotos também daquele instante Vogue!

Um casal de franceses me oferecem o vinho que vão deixar pela metade. Um desperdício? E eu, que já tomara duas cervezas….aceito o “sobejo”. Nada se perde, para quem já viveu uma guerra. Se aqui fosse? Um desacato! Uma desculpa para um papo. “Sentir é estar distraído”, como falou Fernando Pessoa. E estava sozinha, alerta, portanto.

Cardamono – Tablado Flamengo. Jovens franceses bebem limonada e acham graça daquela cantoria entoada. Uma roda de desafios. Um lamento. Um dedilhar. Um olhar enfurecido. Sapatos que sapateiam. Palmas orquestradas. Uma mulher que parece um touro enfurecido; um homem pronto para o ataque. Babados, véus, lembro de Almodóvar e de Carlos Saura – Cria Cuervos. Venga Venga! Balle Balle! Os meninos franceses sucumbem à fúria, à luta, ao som dos sapatos. Emudecem…

Queria ser Hopper e descrever toda essa euforia de verão. Essa horda de gente.
Ouço a previsão do tempo: “Chove nos Pirineus”! Penso que estou na aula de geografia. O homem aranha, faz estripulias na Plaza Mayor. Visito o Tourist Office, faço amizade com Elisa, e envio mensagens para casa. Saudades!

Última imagem – aeroporto Barajas – propaganda do perfume de verão Calvin Klein. Houve uma vez um verão! Uma turista acidental, fez trançinhas no cabelo…, com um cansaço de tanto tanto mar. Não dá para ver tudo, comer tudo, nem trazer tudo na minha sacola vermelha de rodinhas. Rodo rodo para é e para cá. Duty Free: chocolates, vinhos, e iguarias. Uma caixa de Turrons – os melhores do mundo.

Mas no som do carro, ouço Paco, e Madredeus, para lembrar também dos dias em Lisboa, apertando a mão de Fernando Pessoa e Maria Teresa Horta, assunto para mais um texto viajante.

E, no aniversário da minha cidade das Felipéias, estou na contramão dos festejos. Pois afinal, nem sempre somos feitos da matéria do baião. Estoy estrangeira.Viajar é preciso!

E assim como o quadro de Hopper: Sol de La Mañana….me pergunto em que penso agora, ao retornar, a re-viver minhas imagens solitárias, de um encontro comigo mesma sozinha num quarto de um hotel qualquer, não sob o sol da Toscana, outro desejo, mas sob o sol de algumas manhãs of my own…perambulando como uma flaneur!

(Gracias às amigas pelas dicas e compartilhamentos: Ana Berenice Martorelli, Clélia Pereira, Cláudia Gato, Teresa Tavares, Marieta Tavares, Inger Mara, Andrea Ponte).

Ana Adelaide Peixoto, João Pessoa, 5 de agosto de 2012



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