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Ministros defendem decisão do STF e questionam revisão da Lei da Anistia

Anistia


10/12/2014

A posição da Comissão Nacional da Verdade em favor da revisão da Lei da Anistia, de 1969, de modo a permitir punição de agentes do Estado que cometeram violações aos direitos humanos durante a ditadura é objeto de questionamentos no meio jurídico.

O relatório final da comissão, divulgado nesta quarta-feira (10), defende a responsabilização criminal e a punição dos apontados como responsáveis, direta ou indiretamente, por torturas, mortes e desaparecimentos.

Em 2010, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou um pedido com esse propósito, sete ministros votaram contra e dois a favor, o que levou à rejeição da ação, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Consultados pelo G1, dois membros do STF que participaram do julgamento e votaram contra a revisão, novamente se manifestaram de forma contrária à punição dos militares.
Relator do caso à época, o ministro aposentado Eros Grau disse que uma alteração causaria insegurança jurídica e que o STF já deu a última palavra sobre o tema.

Já para o ministro Marco Aurélio Mello, a Lei da Anistia representou o “perdão” para os dois lados – militares e opositores – e permitiu a transição democrática pacífica. Rever esse acordo, diz ele, não é do interesse da sociedade, “que deve olhar para o futuro, não para o passado”.

Há vários anos, a revisão da Lei da Anistia é reivindicada principalmente por familiares de vítimas da perseguição política, muitos dos quais ficaram sem saber o paradeiro de parentes que desapareceram ou morreram em local desconhecido, com corpos também sumidos. Um dos argumentos da Comissão da Verdade em favor da punição é justamente dar a eles a oportunidade de saber o que houve com base no processo judicial.

No campo jurídico, a Comissão da Verdade adere ao entendimento de que crimes como desaparecimento forçado são imprescritíveis (não deixam de ser punidos após determinado período de tempo), porque, como a vítima nunca mais foi vista, é como se ainda estivesse ocorrendo. É, por exemplo, o que ocorre com o sequestro.

Outro argumento da Comissão é que a não punição dos crimes é fator que contribui para a continuidade de sua prática no Brasil.

Além disso, a CNV cita decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos – inclusive uma que condena o Brasil, posterior ao julgamento do STF – segundo a qual leis de anistia “constituem ilícito internacional; perpetuam a impunidade; e propiciam uma injustiça continuada, impedindo às vítimas e a seus familiares o acesso à justiça, em direta afronta ao dever do Estado de investigar, processar, julgar e reparar graves violações de direitos humanos”.
Questionado sobre algumas dessas teses, Eros Grau respondeu que cortes internacionais não se sobrepõem ao STF nem podem determinar que suas decisões sejam seguidas internamente.

“A decisão do Supremo é a última, não está sujeita a revisão. Só pode mudar se houver algum fato novo”, diz o ministro aposentado.

Uma alteração no entendimento do STF, argumenta, também causaria insegurança jurídica, isto é, colocaria em dúvida uma situação que a lei já havia resolvido, no caso, em favor dos militares.

“Ou a gente respeita [a decisão do STF] ou instala clima de absoluta insegurança jurídica. “Não pode examinar isso com nenhuma paixão, você perde a serenidade e a prudência”, afirma Eros Grau.

Para Marco Aurélio Mello, também não há instrumento jurídico apto a fazer a mudança. No caso da ação de 2010, a OAB apresentou recursos chamados “embargos de declaração”, que servem apenas para esclarecer obscuridades, contradições ou omissões.

“Haveria eficácia modificativa se se tivesse deixado de ter enfrentado certa matéria”, afirma o ministro. Para ele, a anistia é uma “página virada” na história do país. “A anistia bilateral foi negociada à época para se deixar o regime de exceção e partir-se para regime essencialmente democrático. A própria anistia foi um instrumento de paz quanto aos ânimos. Eu creio que de início não há interesse maior da sociedade brasileira na revisão desses fatos”, declarou.

Em relação à tese do crime continuado, Marco Aurélio rechaça que o desaparecimento ainda esteja em execução. “Nós devemos presumir o que normalmente ocorre. Se essas pessoas que sumiram foram sequestradas e estivessem vivas, teriam voltado ao convívio social com o regime democrático. Quem a estaria mantendo até aqui sequestrada? Fica sem resposta”.

Além dos recursos da OAB que ainda aguardam julgamento no STF, o assunto pode ser analisado em outra ação, proposta pelo partido PSOL com o mesmo objetivo. Os dois processos têm como relator o ministro Luiz Fux, que ainda não manifestou publicamente quando irá liberá-los para votação no plenário do tribunal.

Desde o julgamento do caso, em 2010, três ministros que votaram contra a revisão da Lei da Anistia já se aposentaram: além de Eros Grau, já deixaram a Corte Ellen Gracie e Cezar Peluso.


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