Religião
Messianismo: como a religião moldou os primeiros passos da República no Brasil
11/06/2025

Reprodução
Paulo Nascimento
A relação entre religião e política no Brasil tem raízes profundas. A religião já interferiu na política desde do Brasil colônia por meio de movimentos como, por exemplo, o Sebastianismo, uma crença que nasceu em Portugal e criou força no Nordeste brasileiro.
Antes da fé se tornar tema de debate e plataforma de campanha nas eleições contemporâneas, a crença messianista já servia como catapulta de resistência. Nos primeiros anos da República, no fim do século XIX e no início do século XX, o Brasil viveu uma série de rebeliões religiosas que questionaram a ordem e colocaram em evidência o poder político do messianismo.
Sebastianismo
Com o surgimento em Portugal após o desaparecimento do rei Dom Sebastião, em 4 de agosto de 1578, na Batalha de Alcácer-Quibir, o seu corpo não foi encontrado, então se espalhou um mito no imaginário da população pobre de que o rei retornaria em tempos de crise para restaurar a glória da nação.
No Nordeste do Brasil, em especial no sertão e na zona rural de Pernambuco, essa crença ganhou contornos intensos, foi o impulso de movimentos violentos, como os ocorridos em 1819-1820 na Serra do Rodeador onde um massacre motivado pela crença causou quase cem mortes e centenas de feridos, e também do Reino Encantado de Pedra Bonita (1836–1838), com sacrifícios humanos, motivados pela esperança no retorno do “rei encoberto”.
Esses movimentos, mesmo antes da República, anteciparam uma lógica de fé como uma resistência política, que legitimava as lideranças carismáticas e criava precedentes para novas revoltas.
Canudos
No sertão baiano, o Arraial de Canudos, que era conduzido por Antônio Conselheiro, teve uma ascensão na comunidade religiosa crítica da República, na qual era considerada por seus seguidores como o “reino do Anticristo”. Chamado de profeta, o líder reunia milhares em torno de uma visão de justiça divina e rejeitava o casamento civil, a separação entre Igreja e Estado.
A comunidade cresceu até chegar a mobilizar tropas federais, quatro expedições militares resultaram na destruição de Canudos em 1897 e na morte de milhares. Tal conflito traçou a linha mestra da resposta estatal e a revoltas religiosas populares: uso da força federal sem negociação.
Guerra do Contestado
No sul do país, a construção de estradas de ferro estrangeiras levou à expropriação de terras e à miséria regional. Entre 1912 e 1916, camponeses se organizaram ao redor de monges como José Maria, acreditando na instauração de um “reino divino na Terra” — uma unificação de utopismo religioso e protesto social.
A guerra foi brutal, mais de 10 mil pessoas morreram em confrontos com o Estado, o fato reforçou a convicção estatal de combater com mais rigor os movimentos religiosos com potencial de mobilização.
Siga o canal do WSCOM no Whatsapp
Juazeiro (1914)
No Ceará, o Padre Cícero Romão Batista adotou uma abordagem distinta. Em 1914, orientou um grupo armado que invadiu Fortaleza e depôs o governador, episódio conhecido como Sedição de Juazeiro. Apesar de manter vínculos com a Igreja, Cícero dependia de camponeses organizados religiosamente, admitindo sua liderança como guia providencial, embora não com caráter milenarista estrito.
Por meio do chamado “Pacto dos Coronéis”, ele institucionalizou um modelo de poder regional em que a religiosidade popular e a elite agrária se entrelaçaram — inaugurando, assim, o coronelismo religioso na política nordestina.
Fé como ferramenta política
Esses movimentos religiosos não foram simples manifestações de fanatismo, mas foram reações a exclusão econômica, um abandono estatal e uma crise identitária. A historiadora Maria Isaura Pereira de Queiroz destacou em entrevista para o Memorial da Democracia que o messianismo emergiu como resposta coletiva às “crises de ordem social”.
O Estado, por sua vez, repetiu o padrão de escolha: quem duvidasse da ordem instituída seria esmagado pela força militar. Assim, líderes como Padre Cícero ofereceram um contraponto: solução política que uniam a fé e pactos com a elite local.
Legado para a política brasileira
Essas rebeliões ajudaram a consolidar:
- Legitimação da força federal como um instrumento de controle;
- Definição clara dos limites entre religião e política institucional;
- Gênese do modelo de liderança carismática, capaz de influenciar eleições e mobilizações.
Por tanto, os movimentos de Canudos, Contestado e Juazeiro demonstram que, no Brasil, a fé foi e continua importante alicerce político e social, expressando tanto a insurgência contra a exclusão quanto a construção de poder por influência simbólica.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.