Policial

Mais temido criminoso do país, Marcola deve deixar a prisão em três anos

mais temido do BR


20/01/2014



Há uma incômoda contagem regressiva no sistema penitenciário paulista: dentro de aproximadamente três anos, o mais temido criminoso do país, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do Primeiro Comando da Capital (PCC), completa 30 anos de prisão e, em tese, pode ganhar a liberdade.Ele lembra que mesmo em circunstânciaa em que cabia a manutenção do preso em regime fechado por medida de segurança, foi o caso de João Acácio Pereira, o famoso Bandido da Luz Vermelha, em 1992, o judiciário acabou concedendo a liberdade. Pereira foi morto no ano seguinte pelo pai de uma adolescente que ele assediou sexualmente, confirmando o diagnóstico de problemas mentais que havia sido liberado antes de deixar a prisão.

“Esse não é o caso do Marcola. Ele é lúcido (não cabe medida de segurança) e há quase 30 anos vem comandando o crime da cadeia. Dentro ou fora, dá na mesma”, afirma Maierovitch. Ex-juiz de execuções penais, ele acha que o governo e o judiciário paulista estarão num dilema kafkiano, já que os advogados de Marcola terão todo o amparo para pleitear a extinção da pena.

“Não conheço o caso, mas a lei deve ser observada para todos. Não há mecanismo legal para impedir a liberdade de quem quer que seja. Pode ser o Marcola ou um ladrão de galinhas”, diz, na mesma linha, o jurista Luiz Flávio D’Urso, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.

Polêmica à vista

“O caso vai, sim, gerar uma grande polêmica”, admite o promotor Everton Zanella, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o órgão que apresentou, no final do ano passado, o mais completo raio-X do PCC e de seu líder máximo.

A controvérsia se estabelecerá em torno de uma questão central: o tempo de condenação num novo processo ampliaria a pena para mais 30 anos ou não?

Marcola está condenado atualmente a 232 anos, 11 meses e 4 dias, pena que só se extinguiria no dia 23 de março de 2221, mas que pela Constituição e pela Lei de Execuções Penais cessa daqui a três anos.

O problema é que ele responde a outros processos e pode ser condenado a novas penas antes e depois de completados os 30 anos. O Ministério Público acha que o tempo de cada nova condenação vai estendendo o limite, sempre para 30 anos, independentemente do tempo que já tenha cumprido.

“A cúpula do PCC (Marcola e mais sete) está condenada a mais de 200 anos de prisão. Cada nova condenação é somada e volta a elevar o tempo mínimo para 30 anos”, sustenta Zanella. O Ministério Público não admite a hipótese de ver Marcola nas ruas porque sabe que, se preso ele fez o que faz, solto representaria um risco ainda maior.

De menor infrator a líder de facção
Aos 46 anos de idade, Marcola passou mais tempo atrás das grades do que em liberdade. Tornou-se infrator adolescente, mas foi no caos penitenciário que se “formou” como criminoso respeitado no sistema e temido pelos órgãos estatais. Organizou o PCC e, desde 2006, ao afastar outros líderes, assumiu o posto de comandante da organização que hoje se esparramou pelo país e países fronteiriços, como Paraguai e Bolívia.

Seu discurso tem várias facetas: rebeldia contra a opressão estatal, a união interna para controlar as cadeias e uma forte estrutura externa para a execução de crimes contra o patrimônio nas ruas. Solidificou seu prestígio e liderança à frente da facção designando seus “homens de confiança” para compor com ele, o primeiro escalão da organização criminosa. São sete homens, todos recolhidos na Penitenciária II, de Presidente Venceslau.

A galinha dos ovos de ouro do PCC é o tráfico de cocaína que, do atacado ao varejo, é comandado em estilo semelhante aos tradicionais cartéis. Maierovitch acha que a organização, com controle social e territorial, tem uma estrutura pré-mafiosa e seu líder, ainda que esteja preso (o que torna o cenário surreal e insólito quando se constata a fragilidade do Estado) tem um comportamento parecido com o de célebres dirigentes de cartéis da droga, como o lendário colombiano Pablo Escobar.

Garantidor de paz
Nas poucas ocasiões em que foi flagrado ao telefone, Marcola aconselha um interlocutor a não procurá-lo, mas deixa claros sinais da liderança: "… Rapaz, eu tô com 50 homicídios e sumariando, se liga… Acabou, mataram eu em vida, mas deixa eu te falar, o problema é eu levar problema pra você e eu acho que eu levo… Não tem sentido a gente ficar se expondo"…

O comparsa então, massageia o ego de Marcola: "sabia que esses caras (estado) tem que te agradecer, porque você (Marcola) deixou a maior paz aí, já pensou se tivesse crack, esses negócios na cadeia".

Marcola então afirma que ajudou a derrubar até os índices de homicídios em Sã Paulo: "ô irmão, sabe o pior que é? É que há dez anos todo mundo matava todo mundo por nada… Hoje pra matar alguém é a maior burocracia (estatuto do PCC determinou mudanças nas condutas dos preso), então quer dizer, os homicídios caíram não sei quantos por cento, aí eu vejo o governador chegar lá e falar que foi ele".

“As investigações demonstram que o PCC se articulou de uma forma assustadora. Eles estão muito fortes. O Estado jamais conseguirá controlar quem está nas ruas, mas tem de tomar a frente para controlar as prisões”, diz Zanella. Estima-se que mais de 1.800 criminosos soltos trabalhem pelo PCC na periferia de São Paulo como se fossem militantes de uma causa. Nas cadeias, paulista, 90% delas controladas pela organização, seus filiados “de carteirinha” somam quase 6 mil.

Só em rifas, o lucro mensal gira em torno de R$ 1,2 milhão, dinheiro canalizado para a compra de drogas, o grande negócio do PCC, e auxílio a famíliares de presos.

O balanço sobre as apreensões da Polícia Federal no ano passado mostra que das 35 toneladas, mais de 11 ocorreram em São Paulo e, deste volume, algo em torno de 80% pertenciam ao PCC. É como se a organização tivesse perdido investimentos de cerca R$ 80 milhões, um valor relativamente pequeno se comparado com o máximo apreendido pelas polícias no mundo inteiro, algo entre 3% a 5% do volume traficado, segundo Mairetovitch.

No ano passado a Polícia Federal apreendeu cerca de R$ 81 milhões em bens (dinheiro vivo, imóveis, automóveis, etc.) que estavam em poder das quadrilhas. Estima-se que boa parte estava nas mãos de integrantes do PCC. Mas há uma incalculável fortuna não localizada e que provavelmente foi camuflada. Nenhum desses valores foi vinculado a Marcola.

O Ministério Público não tem dúvidas de que parte desse dinheiro faça parte da reserva estratégica de caixa para custear algum plano espetacular.

Ao longo de centenas de páginas com a transcrição dos grampos que captaram as conversas da cúpula do PCC, há dezenas de referências cifradas sobre planos de fuga, que os criminosos tratam como “caminhada do cachorro quente”. Em todas as conversas a palavra final é frequentemente atribuída a Marcola.

Num trecho, um integrante do grupo, preocupado com o grampo e percebendo que a polícia estava chegando muito rápido às quadrilhas que agiam nas ruas, diz que Marcola mandava organizar “um time de administração” para gerenciar os negócios, sem depender das ordens emanadas das prisões. “A ordem é bem direta, tem que fazer a mudança”, escreve o Ministério Público.

Caos penitenciário
Os especialistas acham que o crescimento do PCC reflete o caos penitenciário, cujo combate só surtiria efeito através de uma ação nacional articulada. “Esse modelo está falido, não apenas no Maranhão, mas no país inteiro”, diz o advogado Luiz Flávio D’Urso.

Para Maierovitch, trata-se de uma questão de competência profissional, até agora não demonstrada pelo governo paulista, que preferiu usar a escuta telefônica como meio de investigação em vez de bloquear a entrada de telefones celulares nos presídios. Somente daqui a uma semana os presídios paulistas terão os sinais para celular interrompidos, num programa de instalação de equipamentos que começará por Presidente Venceslau.

O promotor Everton Zanella diz que o inquérito concluído pelo Ministério Público paulista é um alerta para se entender a estrutura do crime organizado nos presídios, um fenômeno brasileiro, segundo ele, e adotar um plano de combate envolvendo as instituições nacionais. No inquérito há indicativos de que a quadrilha pretende agir durante a Copa do Mundo.

“O Brasil não tem pena de morte ou prisão perpétua. É cláusula pétrea da Constituição. E está na Lei de Execuções Penais que o tempo máximo de prisão é de 30 anos”, afirma o juiz aposentado e ex-secretário nacional Anti-Drogas, Walter Fanganiello Maierovitch.

 



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