Cinema

Lúcio Villar: ‘A Paraíba tem raízes profundas no cinema que são pouco conhecidas’


04/08/2025

Lúcio Villar, crítico, documentarista e professor da UFPB | Foto: Gustavo Alcântara/Divulgação

Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Salas de aula e artigos acadêmicos são testemunhas do amor e do respeito que o professor da Universidade Federal da paraíba (UFPB) e documentarista Lúcio Villar nutre pela obra de Linduarte Noronha (1930-2012), realizador responsável pelo seminal “Aruanda” (1960), ao qual se atribui papel deflagrador do Cinema Novo. Suas imagens já instigaram múltiplas análises do educador paraibano, assim como inspiraram o título do festival que ele criou em João Pessoa, há duas décadas. O matrimônio intelectual entre o pesquisador e o patrimônio artístico que o instiga se estende agora ao precioso acervo de críticas publicadas por Linduarte na imprensa.

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As páginas de “Luz, Cinefilia… Crítica!” (Ed. A União) é um trabalho arqueológico de resgate de memória que reencontra (e revisita) textos publicados entre 1956-1967. Clássicos são tema de resenhas de tom poético nesses achados. Villar fala de Linduarte em filme também. O doc “O Homem Por Trás do Cinema Novo”, previsto para 2026, traz imagens rodadas na Serra Talhada, no sertão paraibano, que revivem a rodagem de “Aruanda”.

De que maneira pensar o legado de Linduarte Noronha na crítica é pensar o papel da literatura cinéfila (ou cinematográfica) do Brasil das últimas seis décadas?

Lúcio Villar: Revisitar os escritos de Linduarte Noronha é também revisitar a trajetória da crítica cinematográfica brasileira dos últimos sessenta anos. Mesmo distante dos grandes centros, em um Brasil ainda mais periférico, ele representa uma geração formada pela cinefilia de base — aquela que se construiu nos cineclubes, em meio à efervescência cultural dos anos 1950. Seu percurso é exemplar: um crítico forjado pela paixão pelo cinema, com olhar atento e comprometido, que antecipa debates e formas que viriam a marcar o pensamento crítico nacional. Comparado às novas gerações, moldadas pelo digital e pelas redes sociais, Linduarte emerge como um símbolo de um tempo em que a crítica era, antes de tudo, um ato de resistência ideológica e formação cultural, talvez resida aí seu maior diferencial.

De que maneira Linduarte se posiciona como um criador de imagens (e de pensamento) na cultura audiovisual do Nordeste?

Linduarte fez a travessia do papel à câmera, como outros grandes nomes que começaram como críticos e se tornaram cineastas — a exemplo de Godard, na França, ou Walter Lima Jr., no Brasil. Sua vivência no cineclubismo e sua condição de crítico de cinema do jornal “A União” foram fundamentais nessa transição. Com “Aruanda”, ele não apenas filma o sertão, mas inventa uma nova forma de vê-lo: uma linguagem que mistura o real com a ficção, o sol como luz dramática, a crueza como estética. Ele é, de fato, o primeiro que ousou filmar o chamado Brasil profundo – o sertão nordestino – usando o sol como aliado. Com isso, junto com seu fotógrafo Rucker Vieira, vão gerar uma fotografia e uma narrativa anticanônicas, por excelência, para as convenções do cinema documental até então instituídas. Inaugura, segundo Glauber Rocha, o moderno documentário brasileiro. “Aruanda” não é só um filme; é uma revolução visual e conceitual.

Seu livro celebra não apenas a obra de Linduarte, mas toda a cinefilia do Nordeste e a produção da região. Onde a Paraíba se posiciona nesse cenário? Que faróis hoje o estado acende nas telas?

A Paraíba tem raízes profundas no cinema que são pouco conhecidas. Muito antes de Linduarte, nos anos 1920, já havia Walfredo Rodriguez, pioneiro do documentário local e marco zero da cinematografia paraibana. Durante o século 20, o documentário foi a expressão maior do estado. A ficção só ganhou força mais recentemente, no século 21, com destaque para o que se nomeou de “primavera do cinema paraibano”, entre 2018 e 2019. Hoje, a ficção avança com consistência, mas o documentário permanece como uma espécie de DNA da produção local — ou, como dizia o saudoso Vladimir Carvalho, “segue na veia do paraibano”.

Como foi seu primeiro contato com Linduarte e de que forma ele permanece vivo nas potências audiovisuais da Paraíba?

Assisti “Aruanda” pela primeira vez no início dos anos 1980, na UFPB, e só fui conhecer Linduarte pessoalmente cerca de quinze anos depois, em 1999, como repórter cultural do jornal Correio da Paraíba (hoje extinto). Naquele encontro, me dei conta de que sua importância ia muito além do curta-metragem emblemático de 65 anos atrás. Ele permanece como uma referência incontornável. Ao entrevistar o cineasta Jorge Bodanzky, na semana passada, em São Paulo, para um filme que estou produzindo sobre Linduarte, ouvi dele uma frase marcante — “Não é possível falar de Cinema Novo sem passar por Linduarte Noronha”. Isso diz tudo, creio eu.

Que boas novas podemos esperar do Fest Aruanda para 2025?

O Fest Aruanda completa 20 anos em 2025 — uma marca que o consagra como o festival mais longevo da Paraíba. Estamos tratando essa edição como uma efeméride especial, e ela virá com uma série de novidades. Ainda em fase de gestação, começaremos a anunciar essas ações a partir do mês de agosto. O que posso adiantar é que será uma celebração à altura da trajetória que construímos até aqui.



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