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Júri de PMs acusados por mortes no Carandiru entra no segundo dia

Réus


16/04/2013

{arquivo}O julgamento dos 26 policiais militares que participaram do massacre do Carandiru entra na manhã desta terça-feira (16) no seu segundo dia, no Fórum da Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo. Deverão depor as testemunhas de defesa. Nesta segunda-feira (15), dois ex-detentos e um presidiário sobreviventes relataram suas versões sobre as execuções. O diretor da divisão de segurança e disciplina do presídio e um perito criminal também depuseram como testemunhas de acusação

Nesta etapa do julgamento do massacre são julgados 26 dos 79 policiais militares acusados de participarem da invasão à Casa de Detenção, em 2 de outubro de 1992, para conter a rebelião de presos. Cento e onze detentos foram mortos. Os 26 réus respondem em liberdade pela morte de 15 deles no1º andar do Pavilhão 9.

Primeiro dia
Nesta segunda-feira, o júri foi suspenso por volta das 22h. Durante o dia, os três sobreviventes do Carandiru, além de um agente carcerário e um perito criminal, afirmaram que tropas da Polícia Militar invadiram o segundo pavimento do Pavilhão 9 e executaram presos. As testemunhas relataram também alteração do local para atrapalhar a perícia e impedimento no socorro às vítimas.

A testemunha de acusação Antonio Carlos Dias foi a primeira a ser ouvida. Ele contou que a rebelião começou com uma briga entre detentos. Segundo ele, não foram feitas barricadas para impedir a entrada dos policiais na unidade prisional.

Antonio Dias disse que a ação da polícia dentro da penitenciária durou mais de uma hora. "A gente só ouvia barulho de metralhadora", disse. "Passamos por cima dos corpos para chegar ao pátio. Tivemos que escalar os corpos para sair do segundo andar e chegar ao pátio. Se caíssemos sobre os corpos, os PMs atiravam e matavam", declarou a testemunha.

O juiz José Augusto Nardy Marzagão perguntou ao sobrevivente como foi a reação dos detentos após a entrada da PM. "Não foi uma simples invasão, eles entraram atirando e matando", respondeu Dias.

A segunda testemunha da acusação ouvida foi o ex-detento Marco Antônio de Moura, que cumpria pena de 5 anos e 4 meses por roubo e tentativa de homicídio. Ele afirmou que alguns dos presos foram mortos com golpes de marreta.

"Fui me arrastando no chão até chegar à gaiola. Próximo da gaiola, tinha um policial. Ele contava: um, dois. No terceiro ele dava uma marretada. Esse cara matou muita gente no poço do elevador, a marretadas."

Ele afirmou ter se fingido de morto para sobreviver. "Fiquei no pátio muitas horas deitado. Um policial disse: quem está ferido, erga a mão. Parece que um anjo disse para eu não fazer isso. Quem levantava a mão era levado e nunca mais foi visto", afirmou Moura. "Os policiais diziam: Deus cria, a Rota mata e viva o Choque", segundo o ex-detento.

O agente penitenciário Moacir dos Santos, diretor da divisão de segurança e disciplina, relatou que houve diversos excessos por parte dos PMs. "No momento que iam atirando, iam gritando que nem índio descendo o morro", contou.

A quinta testemunha foi o perito criminal Osvaldo Negrini Neto, que à época trabalhava no Instituto de Criminalística. Ele diz que pediu para que o local não fosse mexido, mas o pedido não foi atendido. "Ficou claro para mim que não queriam que fosse feita a perícia", afirmou Osvaldo Negrini Neto.

O perito afirmou aos jurados que há compatibilidade entre o número de mortos nas celas e o número de buracos de balas encontrados. Ele afirmou que não há qualquer indício de que os presos estivessem armados e reagido à invasão. "É absoluta a certeza de que não houve disparo contra os atiradores", diz o perito.

Estratégias da defesa e acusação
Durante a tarde de julgamento, tanto os membros do júri (composto por seis homens e uma mulher) quanto os réus não mostraram reações aos testemunhos. A advogada dos PMs, Ieda Ribeiro de Souza, buscou achar contradições nos depoimentos das testemunhas.

Em dado momento, a promotoria demonstrou desagrado com o excesso de perguntas hipotéticas da advogada. A advogada de defesa respondeu de forma irônica que a promotoria também fez perguntas hipotéticas e, com o consentimento do juíz, prosseguiu com as perguntas. Entretanto, ela chegou a ser repreendida pelo juiz por interromper as testemunhas.

A promotoria, que havia listado 14 testemunhas de acusação, resolveu dispensar 9 testemunhas. A decisão foi anunciada após a sequência de depoimentos de ex-presos e do agente carcerário.

600 disparos
Após o julgamento, o perito Osvaldo Negrini Neto disse aos jornalistas que foram contabilizados pela perícia mais de 600 tiros, entre projéteis retirados dos corpos e os vestígios encontrados nas paredes. De acordo com ele, 95% dos tiros estavam no interior das celas. "Apesar de terem desmanchados vários vestígios, as paredes contaram a história", afirmou.

Segundo ele, no dia do massacre houve movimentos contra o trabalho da perícia, mas as investigações não foram cerceadas pelo governo. "No dia, a própria PM tentava evitava que a perícia fosse feita. Depois que o laudo saiu, a transparência do governo foi completa", disse.

O agente carcerário aposentado Moacir dos Santos afirmou que o julgamento não tem validade, porque faltam laudos periciais.

Ele culpa o comandante da operação pelo massacre. "Quem deveria estar preso é o coronel Ubiratan porque foi quem cometeu o erro de estratégia", disse, se referindo ao fato de ele ter colocado a Rota para entrar no presídio.



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