Paraíba

José Loureiro avalia novos Desafios da Educação diante das dúvidas da sociedade

PROFESSOR DA UFPB


25/09/2017



O professor Doutor José Loureiro Lopes, ex-Reitor do UNIPÊ e atual membro do Conselho Federal de Educação avalia em Artigo publicado no Portal WSCOM de forma crítica a conjuntura social brasileira diante a importância cada vez maior da Educação na formação das diversas gerações.

Para Loureiro, "é fundamental que a base do processo educativo seja formada pela ciência (conhecimento), competências e habilidades".

Eis, a seguir, a integra de sua reflexão:

EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE MODERNA

 

  José Loureiro Lopes*

 Em nossos dias, são grandes as expectativas dirigidas à educação. Muitos discursos a contemplam como solução universal para os problemas atuais: superação das desigualdades sociais, crescimento econômico, aumento da competitividade internacional do país, preparação do indivíduo para a sociedade do conhecimento, fortalecimento da democracia, preservação e defesa do meio ambiente, contribuição para o processo de humanização – entre outros. Será que o sistema educacional realmente oferece as respostas para esses desafios? E, sobretudo, o que é uma boa educação nos tempos da sociedade moderna?

 Indivíduo e Sociedade

 A educação é, geralmente, entendida como a transmissão intencional de conhecimentos, de competências, de valores culturais e morais e de normas de conduta, por meio de um processo de aprendizagem. Esse processo pode ser conceitualizado a partir da sociedade (reprodução das estruturas) ou a partir do indivíduo (construção da identidade). Portanto, as necessidades e expectativas vinculadas à educação como atividade intencional dependem da conceptualização da relação entre indivíduo e sociedade ou, no dizer da teoria sistêmica, da relação entre sistema social e sistema psíquico.
 

 O entendimento sobre as relações entre sujeito, educação e sociedade sofreu mudanças substanciais no percurso da história. A paideia (παιδεία) da Grécia Antiga, a ideia normativa da civiltà romana no contexto educacional, o neo-humanismo europeu no século XIX e, finalmente, a visão moderna da educação como um subsistema da sociedade com múltiplas funções, são apenas algumas das numerosas facetas conhecidas.

 Atualmente, estão em foco a igualdade, a liberdade, a emancipação e a autodeterminação do indivíduo. No entanto, nas sociedades “meritocratas”, orientadas em critérios de performance e certificados, a educação não é apenas um espaço sociocultural para o desenvolvimento da subjetividade, mas também um instrumento de seleção de indivíduos para determinadas posições na sociedade, um meio de ascensão social, de acesso a recursos econômicos e realizações pessoais. Pobreza educacional seria também pobreza social e econômica, e, sem competências básicas, as opções atuais e futuras são limitadas, tanto para o individuo quanto para a sociedade como um todo.
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 * Doutor em Educação, Professor da UFPB e do UNIPÊ

 Educação – uma ferramenta universal?

 Há um consenso quase unânime no âmbito internacional referente à importância fundamental da educação na sociedade moderna, como base da cidadania, da participação social e da inserção do indivíduo no mercado de trabalho e, simultaneamente, como base do desenvolvimento de uma sociedade socialmente justa, economicamente competitiva e culturalmente pluralista. Estudiosos do processo de desenvolvimento salientam, a esse respeito, que a educação não é, em si mesma, alavanca dessa mudança social, porém tal mudança não pode ocorrer, sob qualquer hipótese, sem o concurso do processo educativo¹.

A imagem da educação, como uma fórmula mágica para todos os problemas do mundo, leva, sem dúvida, a uma sobrecarga do sistema, mas ela pode ser, como declarou o Relatório Delors, uma importante ferramenta para um amplo e harmônico desenvolvimento humano. A Declaração Mundial sobre EDUCAÇÃO PARA TODOS, assinada por mais de 150 nações na Conferência de Jomtien, Tailândia, em 1990, enfatizou mais uma vez que “a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional”.

 No entanto, na hora da realização concreta das estruturas do sistema educacional, diferentes posições, interesses e ideologias se confrontam especificamente quando se trata da educação escolar e sua relação com a educação familiar. A educação parece, cada vez mais, um campo de batalha de ideias, visões e teorias opostas: acumulação de conhecimentos e competências ou evolução da autonomia do sujeito? bem público ou bem privado? qualificação para o mercado de trabalho ou emancipação individual? princípios éticos vinculativos ou multiculturalismo aberto? reprodução ou inovação das estruturas sociais?

 Existe uma posição racional além dessas controvérsias ou, em outros termos, o que é, hoje em dia, uma “boa” educação? Quais são e quais deveriam ser as funções, os conteúdos, os objetivos, os métodos da educação? A dificuldade em responder a estas indagações consiste no caráter múltiplo e complexo do fenômeno, com seus inúmeros vínculos com os demais setores da sociedade e com as políticas estatais. As empresas, o estado, a igreja, os pais, e, last not least, o próprio educando têm suas próprias demandas e expectativas no que se refere aos processos educativos. Assim, os atores responsáveis, em primeiro lugar os educadores, se encontram permanentemente no centro de um fogo cruzado dos mais diversos interesses.
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¹ Ver LOPES, J. L. Desenvolvimento e subdesenvolvimento na atualidade. 3. Ed. João Pessoa: UNIPÊ Editora, 2009.

 Para chegar a esse campo tão complexo e controvertido, é fundamental que a base do processo educativo seja formada pela ciência (conhecimento), competências e habilidades. Com efeito, na sociedade moderna, uma boa educação deve fundar-se no saber verdadeiro, que é representado pela ciência. No entanto, parâmetros e implicações normativos e outras formas de saberes (religiosos, filosóficos, ideológicos) que ultrapassam o conhecimento científico, estão onipresentes na prática pedagógica. Estes conteúdos exigem reflexões profundas e justificativas racionais, porque, como enfatizou Max Weber, apenas do conhecimento cientifico não se podem derivar ações na prática que incluam dimensões normativas.

 Uma pequena equação, aqui proposta, pode elucidar melhor esse conjunto de fatores. Seria o seguinte:

Educação (E) = Conhecimento (C) + Valores (V)

 No que concerne ao conhecimento, seus elementos essenciais estão contidos nas referências acima apresentadas. Quanto aos valores, convém referir aqueles da cidadania, da moral e da religião. Os valores da cidadania estão contidos na Constituição Federal e normas de regência. Os valores morais têm como parâmetro a consciência do indivíduo, cujas ações são pautadas pela ética. Os valores religiosos têm como referência a Fé.

 Não cabe dúvida de que o processo educativo deve preparar também o indivíduo para as exigências da sociedade em que vive. E aí estão presentes, com destaque, as exigências do mercado de trabalho. No entanto, esse processo inclui igualmente as dimensões culturais, morais e individuais e ultrapassa a função de preparar mão de obra para o mercado. A sociedade, por seu turno, não é estática. Ela se transforma permanentemente pela ação das pessoas e pela força das circunstâncias, e o desenvolvimento social produz mudanças que exigem a reconfiguração das expectativas e adequação às novas exigências. Nesse sentido, uma boa educação é aquela que abre horizonte de opções com alternativas concretas ao educando e o capacita a escolher de forma racional o caminho a seguir.

 Aprender o quê?

 Uma reflexão acerca das funções da educação leva, inevitavelmente, ao seguinte questionamento: que conhecimentos, ou, para usar um termo moderno, que competências devem ser adquiridas pelos alunos? Assim, para o Barão von Humboldt, o grande reformador do sistema educacional da Prússia, no século XIX, o currículo é o ponto referencial de cada política educacional, e o aprender a aprender é seu objetivo central. Não é por acaso que um currículo fraco e fragmentado, com muitas disciplinas, sem inter-relação entre si, é apontado pelos especialistas da área como causa principal da baixa qualidade do Ensino Médio no Brasil. Até hoje, o Brasil ainda não possui um currículo escolar unificado, que determine o que e em que momento os conteúdos devam ser ministrados aos estudantes da educação básica. Ao mesmo tempo, avaliações nacionais cobram conhecimentos supostamente transmitidos. Só recentemente, enfim, a elaboração de um core curriculum (núcleo curricular) nacional entrou em pauta. Trata-se da proposta preliminar para discussão da Base Nacional Comum Curricular, apresentada pelo Ministério da Educação, em setembro de 2015. É um esforço de se ouvir a sociedade sobre um currículo mínimo que seria adotado por todos os alunos das escolas de Educação Básica do país. Ou, como formulou von Humboldt, duzentos anos atrás: “A aprendizagem na escola deve ter um único fundamento comum”.

 Assim, garantem-se a igualdade das chances e a equidade social, que são consideradas base de uma sociedade justa. Evidentemente, isso não impede que cada escola desenvolva um perfil próprio. Ao contrário, abre espaços para inovações didáticas, diversidade e ofertas específicas, em idiomas, ciências ou artes. Importante é um núcleo comum que garanta as mesmas chances de aprender a todos os estudantes; que assegure as bases necessárias em matemática, língua portuguesa, história, geografia e ciências.

O atraso na definição de um núcleo curricular comum no Brasil não se deve somente a controvérsias ideológicas e às resistências por parte de stakeholders importantes. Mas também, às incertezas, à volatilidade e às mudanças rápidas que caracterizam o momento presente, tornando-se difícil, senão impossível, a predição das competências atuais e futuras.

 Enfim, que conhecimentos, habilidades, atitudes e valores uma pessoa deve possuir hoje para enfrentar as exigências do mundo moderno? Convém salientar que a adoção de um core curriculum modernizan­te, em função de supostas exigências de uma nova ordem global, de novas tecnologias, formas de trabalho ou ideologias políticas corre o risco de se tornar obsoleta, antes mesmo de sua implementação. No clima de incerteza e imediatismo que caracteriza a economia e a política, desenvolver uma perspectiva educacional de longo prazo é tarefa difícil e complexa. Nessa situação, aumenta a tendência de se escapar dos conteúdos concretos e de se postularem competências e valores muito gerais (tolerância, reflexividade, responsabilidade) ou, até mesmo, de se recomendar o retorno às tradições “classistas” de formação geral, que incluem o resgate da ética e da filosofia.

 Socialização e Educação

 Em todas as reflexões sobre a função da educação, não se pode desconsiderar a diferença importante entre educação, como processo institucionalizado e intencional, e socialização, como processo de aprendizagem no sentido mais amplo da palavra, um processo permanente que começa na primeira infância e só termina com a morte da pessoa.

A nossa visão acerca da relação entre educação e sociedade muitas vezes se restringe aos sistemas educacionais formais, enquanto, na realidade, conteúdos, valores, imagens, ideias e modelos são difundidos por meio das modernas tecnologias da mídia: smartphones, internet e TV, por intermédio dos grupos de referência que são compostos pelas bandas favoritas, atores, atletas, super-heróis, etc. Esse fato preocupa, sem dúvida, os educadores, vez que limitam suas possibilidades de ensinar. Omitir ou minimizar a influência desses canais implica limitar as perspectivas de descrição e de compreensão do que se passa no campo educacional nos tempos modernos. Em todo caso, socialização sempre é, como sublinhou Luhmann na sua “teoria de sistema”, um processo de autossocialização e não simplesmente a incorporação de partículas de cultura ao sistema psíquico.

 Para concluir

 Nossa sociedade necessita de uma visão compartilhada e holística que contemple um sistema educacional capaz de lidar com as alternativas do presente e os desafios do futuro. Torna-se, portanto, indispensável uma análise sincera das potencialidades e limitações da nossa organização educativa, inclusive no que concerne ao uso das novas tecnologias em um universo de recursos limitados.

 Nessa moldura de controvérsias inevitáveis a respeito das questões educacionais, jamais podemos desconhecer que a educação é o verdadeiro tesouro do ser humano, de tal forma precioso que “… nem a traça, nem o caruncho corroem e onde os ladrões não arrombam nem roubam”. Mt. 6, 20.

“The beautiful thing about learning is nobody can take it away from you” (B. B. King), ou, para quem prefere os pensadores clássicos: “Litterarum radices amarae, fructus dulces sunt” (Aristóteles).



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