Futebol

Joel Santana critica o inglês no Brasil

Autocrítica


18/09/2013



 Joel Santana está de bem com a vida. Afastado do futebol desde maio, quando foi demitido do Bahia, vem ganhando a vida como garoto-propaganda. Ideia de uma companhia de produtos de higiene e limpeza que soube explorar o carisma e o vocabulário em “inglês” deste carioca de 64 anos. Mas, para aqueles que se perguntam se os dias de “papai Joel” nos estádios de futebol estão acabados, ele mesmo responde: “não sou artista, sou técnico”.

Ao iG Esporte , o treinador falou sobre o momento “pop star” impulsionado pelas participações em propagandas. Apesar de levar na esportiva as brincadeiras com relação ao seu nível na língua inglesa, fruto de uma entrevista concedida quando trabalhava na África do Sul em 2009, ele fez uma crítica à educação do Brasil: “esse é o inglês ensinado nas escolas”.

Santana rebateu também o rótulo de técnico ultrapassado ao afirmar que acompanha futebol “o dia inteiro”. E deixou claro que trocaria toda a fama proporcionada pelas aparições em propagandas pela oportunidade de dirigir uma seleção na Copa do Mundo de 2014 após bater na trave na há quatro anos.

Porque, para Joel, por mais gratificante que seja gravar comerciais, encerrar a vida fazendo o que sabe melhor, como treinador de futebol, é ainda melhor. Mas, acostumado a salvar clubes do rebaixamento, não é qualquer proposta que ele irá aceitar. Confira abaixo a entrevista:

iG Esporte: De onde veio a ideia de entrar na área artística?

Joel Santana: A ideia veio pela disponibilidade de tempo. Isso já aconteceu antes com uma outra companhia (Pepsi), que fez um belo comercial também. Esse comercial foi eleito o melhor do ano e, com isso, surgiu a outra companhia (P&G) que se interessou. A ideia surgiu de repente, não foi uma coisa programada. Mas eu quero falar para você: eu não sou artista, sou técnico de futebol. Mas foi surgindo essa abertura. Eu vejo tantos artistas, principalmente americanos, que fazem outro tipo de atividade sem ser a principal deles. Eu acho que é normal e natural em qualquer ramo de trabalho. Basta ter competência e as pessoas certas no momento certo. A princípio eu tava “assim”, mas depois eu relaxei.

iG Esporte: Você acha que a boa recepção dessas propagandas se deu por causa do seu carisma?

Joel Santana: Olha, pode ser. Porque eu realmente fiquei surpreso por ter 21 milhões de acessos. Você sabe o que são 21 milhões de acessos? E essa outra já tem sete milhões. Na realidade eu não sei nem como explicar. Quando eu saio na rua é um sucesso geral com todo mundo que gostou. Senhoras, rapazes, crianças… Outro dia mesmo eu estava almoçando e veio um grupo de quatro garotinhos querendo bater fotografia e falaram “poxa, tio, tu tá legal naquela propaganda”. É uma coisa totalmente diferente do meu ramo. Ontem eu vi o resultado final. Posso até não ser muito bom, mas o que eu vivo é do resultado nos 90 minutos e surgiu uma oportunidade dessa. E torce aí pra continuar por muito e muito tempo.

iG Esporte: Você disse que é técnico de futebol. Pretende ainda seguir a carreira, então?

Joel Santana: Eu já recebi propostas, muitas propostas, mas não achei coisa dentro daquilo que eu estou programando. Na realidade, os últimos clubes eu peguei foi para tirar de alguma situação de dificuldade. “E lá vai Papai Joel e me salva isso aí”. Pô, vem dando certo, mas um dia não vai dar certo. E aí, o que eu faço? Vou ficar como bandido e quem saiu vai ser o mocinho, como aconteceu em muitos clubes que eu trabalhei. Até a última rodada todo mundo me cobrando a classificação e quem saiu, saiu numa boa, tranquilo. Graças a Deus, todas as vezes que eu entrei a coisa funcionou, deu certo. Principalmente os clubes que eu conheço. Me perguntaram se eu acho que o Muricy vai dar certo no São Paulo. Claro que vai dar certo. Quem conhece melhor o São Paulo do que o Muricy, não é verdade? Fica mais fácil da pessoa trabalhar, das pessoas se entenderem. Então, eu estou voltando. Mas estou voltando daqui a pouco, é só questão de tempo.

iG Esporte: Todas essas propagandas surgiram por causa da entrevista em inglês que você deu em 2009 como técnico da África do Sul. Em algum momento você se sentiu discriminado por causa do seu nível de inglês?

Joel Santana: Mas o nível de inglês é o do povo brasileiro! O nível ensinado nas escolas é muito baixo. E eu sempre trabalhei com isso. Não comecei a trabalhar agora não, amigo. Comecei a trabalhar em 1981, quando fui para os Emirados Árabes. Passei quatro anos conversando com crianças e ganhando títulos. É só olhar meu currículo. Trabalhei seis anos na Arábia Saudita e em quatro clubes consegui resultados. Trabalhei no Japão, na África do Sul. Trabalhei por esse mundo afora. E não sei se você sentiu, mas aquele episódio deu até um incentivo, o que eu acho legal, pras pessoas procurarem a falar o inglês correto. Agora sabe por quê? Porque em nosso país existe uma diferença muito grande. O técnico da Rússia hoje, que foi técnico da Inglaterra na Copa na África do Sul, o Capello, ele é italiano. E o inglês dele é parecido com o meu. E aí a Inglaterra, e o povo inglês é burro pra caramba, né, chegou pra ele e disse “Capello, nós não estamos preocupados se você vai falar certo ou errado. A gente se vira, procura te entender. O que nós queremos é ver seu sentimento naquilo que você está tentando explicar”. A maior situação da minha dificuldade é que quando fui para a África do Sul eu tinha uma intérprete brasileira que falava muito bem inglês e estava no país. Apesar de não entender muito de futebol, conseguia encontrar com ela a melhor hora de dar entrevista. Com jogador não tinha intérprete, nunca tive. Não tive no Japão, pô! (risos). Você fala japonês?

iG Esporte: Não.

Joel Santana: Eu também não, mas me entendia com eles. E aí o que aconteceu foi que por um motivo particular lá da África do Sul tiraram a menina e botaram uma pessoa de um país de lá que fala português, mas português de Portugal. É diferente, né? É parecido, mas não é igual. Essa pessoa nunca tinha falado de futebol na vida e falava o inglês parecido com o meu, usando poucos verbos. Então isso dava uma agonia em mim, que passava as coisas pra ela, e na imprensa, que não entendia porcaria nenhuma. E depois da minha entrevista algumas pessoas queriam vinham conversar até que um dia eu me empolguei e soltei e foi. Só sei que agora eu me divirto bastante, não tenho nenhum tipo de problema. Isso não discrimina nada. Acho que a vida é assim, nos traz muita experiência. E essa é só mais uma das muitas histórias que eu vou colocar no meu livro.

iG Esporte: Você trocaria esse momento que está vivendo por uma oportunidade de trabalho cheio de dinheiro em algum clube do Oriente Médio, por exemplo?

Joel Santana: Meu amigo, quase que eu fui agora. Bateu na trave. Tinha um monte de empresário me procurando e eu achava que estava certo. Mas como eu conheço aquele mundo de lá, você só está certo depois que assinou o contrato e recebeu o dinheiro. E as coisas pareceram que iam acontecer, mas não aconteceram. Eu cheguei num momento da minha vida que duas coisas: eu fui além do que eu poderia conquistar. Eu sou o maior conquistador de títulos do Rio de Janeiro, por quatro clubes, isso não existe. Andei por esse mundo afora. Trabalhei no Corinthians, não deu certo porque eu entrei nessa fase de setembro, outubro para tirar o time da confusão. Trabalhei no Internacional, no Guarani. Fui campeão da Bahia quatro ou cinco vezes. Trabalhei aqui no América-RJ, Olaria, time pequeno. Eu tenho uma história de títulos conquistados. E eu tenho de ter muito cuidado quando me comunico para não deixar as coisas caírem pro outro lado. Eu sou procurado para conversar, bater papo, falar sobre experiência.

Eu quero exercer minha função talvez mais um, dois, três ou quatro anos, não sei ainda. Porque no ano passado o técnico do Bayern de Munique foi o maior conquistador do mundo com 68 anos. O treinador do Manchester United parou agora porque tava cansado. O que eu posso passar para você é que o nosso país as pessoas acham que quando você tem experiência você está ultrapassado. É o único lugar que acontece isso. Como é que pode você exercer a minha profissão da forma que eu exerço há 25, 30 anos, eu acompanho tudo, vejo futebol de manhã, de tarde e de noite, vejo todos os programas, tenho vontade de viajar para a Europa ver alguns trabalhos para pararem de falar isso. “Ah, o Joel está ultrapassado”. Pô, acabei de ganhar um título, em 2010. Eu tenho que ganhar título todo ano. Tem treinadores que nunca ganharam nada e “ele é o bom, é isso, é aquilo, porque ele fala assim”. O problema é se você produz bem. Eu hoje me sinto realizado. E quando pintou a propaganda me senti mais realizado ainda. Do limão pintou uma limonada, foi bacana pra caramba.

iG Esporte: E o que dá mais dinheiro, ser treinador ou garoto-propaganda?

Joel Santana: Os dois dão muito prazer. Dinheiro é complemento. Você pode ir pra um lugar muito bom e não ser realizado. Eu vivo de resultado, do público, da opinião pública, de você repórter que tem vontade de falar comigo. Eu já fui eleito o carioca do ano na página de esportes da revista Veja, já fui na Câmara dos Vereadores receber um título, já fui homenageado em quase todos os programas de televisão, Jô Soares, Altas Horas, sei lá. Eu já fiz tanta coisa que nem lembro mais. Eu sou igual a todo mundo. Isso que me dá prazer. Consegui transmitir para as pessoas uma maneira de ser que elas gostam.

iG Esporte: E você trocaria este momento que está vivendo pela chance de dirigir alguma seleção na Copa de 2014?

Joel Santana: Meu ramo é futebol. Ir para a Copa do Mundo eu estive perto e acabei não indo. É um momento diferente. Você dirigir uma equipe no exterior ou na Copa, você sobe um degrau dentro da sua vida profissional. E nenhum profissional abre mão disso. Ainda mais que está tão difícil o profissional brasileiro sair para o exterior, porque nós passamos um momento muito ruim no futebol e agora que estamos recuperando nosso prestígio internacional.

iG Esporte: O Brasil sempre exportou muitos jogadores. Por que o mesmo não ocorre com técnicos?

Joel Santana: Porque, de uma maneira geral, o futebol europeu tem uma opinião que temos aqui melhores jogadores do que técnicos. Mas na realidade eles fecham o mercado para nós. Porque lá para você conseguir ser treinador, como não é aqui no Brasil e é uma coisa que estamos começando a defender mais forte, você tem que se submeter a vários cursos de técnico. Aqui no Brasil não. Aqui o cara para de jogar e vira treinador. Às vezes o cara é preparador físico e no outro dia ele vira treinador. Aqui todo mundo vira treinador. A profissão mais fácil nesse país é ser treinador. Aí da uma sorte de pegar uma equipe arrumadinha, faz uma boa campanha e pronto, já começa a falar em voz alta. É o que eu falo pra você: treinador de ponta, por exemplo, Tite e Muricy. Você acha que eles precisam de empresário? Não. Não que eu seja contra empresário. Acho que os grandes artistas têm que ter empresário. Mas para você se comunicar com um treinador dessa qualidade, você tem que saber acima de tudo dividir essa porcentagem. Agora, para você empregar o Tite ele vai te dar 40, 50%? O que você acha?

iG Esporte: Que não.

Joel Santana: Mas do treinador que está começando ele cobra, né? É a mesma coisa com Joel Santana. É a mesma coisa que chamar o Joel Santana, que está ultrapassado, que às vezes falar a linguagem do futebol é legal, que filosofar é legal e você não sabe o que os caras querem. Então eu só tenho uma saída: ganhar, dar resultado. Senão as coisas não acontecem. Mas eu vou continuar minha vida no futebol. A minha vida eu comecei fazendo isso e vou terminar fazendo isso.



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