Artes

Jaloo brilha em ‘Paraíso perdido’, filme que ganha o espectador ao seguir a trilha da sofrência popular


05/06/2018



É difícil acreditar que o cantor que há duas semanas fez o público carioca dançar, ao apresentar o show da turnê Mestiço pela primeira vez na cidade do Rio de Janeiro (RJ), seja também o ator que está sendo visto desde quinta-feira, 31 de maio, na pele da drag queen cantora Imã, uma das personagens da galeria afetuosa de loosers de Paraíso perdido, primeiro filme dirigido por Monique Gardenberg desde Ó paí ó(2007), exibido há onze anos.

Mas, sim, trata-se da mesma pessoa. No caso, de Jaime Melo, cantor, compositor e (a partir de agora) ator nascido há quase 31 anos na cidade paraense de Castanhal (PA). Com o nome artístico de Jaloo, este cantor que emergiu nos presentes anos 2010 na cena tecnobrega de Belém (PA) brilha como ator nesse longa-metragem que segue o tom melodramático da canção popular de cepa mais sentimental. Em bom português, da música caracterizada como brega no dicionário da elite cultural do Brasil.

Em cena, Jaloo – em foto de Fábio Braga – também canta, pois Imã é uma das atrações musicais da boate Paraíso perdido, cenário que concentra a maior parte da ações deste filme que também traz no elenco outros cantores que se saem bem no papel de atores. São os casos de Seu Jorge e de Erasmo Carlos, que estava afastado do cinema desde 1984.

A canção popular romântica do Brasil dos anos 1970 e 1980 é, de certa forma, a personagem central deste filme, conduzindo a trama ambientada nos dias de hoje. Fundamental para criar a empatia do espectador com a história, a trilha sonora foi construída sob direção musical de Zeca Baleiro, cantor e compositor maranhense que sempre direcionou olhar afetivo para a produção autoral de cantores e compositores populares como Odair José, Reginaldo Rossi (1944 – 2013) e Márcio Greyck.

Do repertório de Greyck, aliás, Jaloo – ou melhor, Imã – dá voz à balada Impossível acreditar que perdi você (Márcio Greyck e Cobel, 1971), clássico da sofrência que, a rigor, é a mesma sofrência que reverbera na recente canção Say goodbye, lançada por Jaloo em março como primeiro aperitivo do segundo álbum do artista, ft., previsto para o segundo semestre deste ano de 2018.

Julia Konrad, Erasmo Carlos e Jaloo no filme 'Paraíso perdido' (Foto: Divulgação / Fábio Braga)Julia Konrad, Erasmo Carlos e Jaloo no filme 'Paraíso perdido' (Foto: Divulgação / Fábio Braga)

Julia Konrad, Erasmo Carlos e Jaloo no filme ‘Paraíso perdido’ (Foto: Divulgação / Fábio Braga)

Ao longo do filme, cuja trilha incidental foi orquestrada pelo compositor e músico Lourenço Rebetez, outras (belas) canções do mesmo estilo popular são interpretadas no palco da boate Paraíso perdido pelos atores do longa-metragem. Um exemplo é o maior sucesso da carreira do cantor pernambucano Augusto César, Escalada (Jorge Silva e Carlos Sérgio, 1987), que ganha a voz de Júlio Andrade, ator excepcional que encarna Angelo, filho do patriarca José, vivido por Erasmo Carlos. Merece, a propósito, menção honrosa a cena em que Angelo dubla a gravação original de Minha coisas (Rossini Pinto, 1970), canção celebrizada na voz do goiano Odair José, ídolo da canção popular brasileira da década de 1970. Todos amam (e todos sofrem) na trama.

Cerca de 20 músicas do gênero aparecem ao longo do filme, muitas na voz de Jaloo que, na pele da fictícia Imã, mostra uma segurança vocal que ainda não havia sobressaído nas gravações feitas pelo artista na vida real. É Jaloo quem canta De que vale ter tudo na vida (José Augusto, Miguel Plopschi, Marcelo, Salim) – canção que alavancou em 1973 a carreira do cantor carioca José Augusto – e Não diga nada (Leonardo Sullivan, 1981), hit na voz do cantor Gilliard. Jaloo segue trilha que desemboca em Amor marginal (2012), música do cantor e compositor Johnny Hooker, seguidor das tradições sentimentais da canção popular. Com a voz aveludada de timbre acariciante, Seu Jorge também brilha, revivendo Doce pecado, música do cantor e compositor Fernando Mendes lançada na voz de Reginaldo Rossi, ícone desse gênero de canção celebrado no filme.

Poster do filme 'Paraíso perdido' (Foto: Divulgação)Poster do filme 'Paraíso perdido' (Foto: Divulgação)

Poster do filme ‘Paraíso perdido’ (Foto: Divulgação)

Um dos méritos da trilha sonora – e da direção musical de Zeca Baleiro – é ter ido além dos maiores clássicos do cancioneiro sentimental brasileiro. Há evidentemente alguns standards, como o bolero Tortura de amor(Waldick Soriano, 1962). Mas há também músicas menos ouvidas e regravadas. Voz dominante no roteiro musical, Jaloo canta uma delas, Jamais estive tão segura de mim mesma, música da lavra popular de Raul Seixas (1945 – 1989) lançada na voz da cantora Núbia Lafayette (1937 – 2007).

Outra – Não creio em mais nada (Totó, 1970), sucesso do cantor capixaba Paulo Sérgio (1944 – 1980) – é interpretada por Júlio Andrade. E há, ainda, a ousadia estilística de incluir na trilha sonora um sucesso de Roberto Carlos composto com o parceiro Erasmo, 120…150…200 Km por hora, ouvido na gravação original feita pelo Rei da sofrência para álbum lançado em 1970, mas também cantarolada por personagens como o gentil José, vivido pelo gigante Erasmo.

Com essa seleção musical e esse elenco, o filme Paraíso perdido ganha o espectador porque, mesmo minimizada na bibliografia musical brasileira, a antiga canção popula romântica nacional ecoa na memória afetiva do país, atravessando modismos e gerações.



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