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Funcionário da Kiss alertou Kiko sobre superlotação, diz inquérito

Tragédia da Kiss


23/03/2013



A superlotação da boate Kiss na noite do incêndio que vitimou 241 jovens em Santa Maria foi um dos fatores apontados pela Polícia Civil como causadores da tragédia e do grande número de mortes na casa noturna. Mesmo com o fim da investigação, não se sabe o número exato de pessoas que estavam na boate na madrugada de 27 de janeiro, apenas a indicação de um número mínimo, apontado pelos delegados como 864. Leia a íntegra do relatório do inquérito.

Diversas testemunhas, no entanto, afirmam que havia um número maior. Segundo o inquérito divulgado nesta sexta-feira (22), 125 disseram que havia mais de 1 mil pessoas e outras 17 contaram que havia entre 1 mil e 2 mil. A lotação máxima para atender às exigências legais na casa noturna, conforme perícia do IGP-RS, era de 740 pessoas nas áreas de público e 29 nas áreas de apoio, totalizando 769 pessoas.

Números bem diferentes dos apresentados pelo proprietário e funcionários da Kiss. Em seu depoimento, Elissandro Spohr, sócio da boate, afirmou que a capacidade máxima seria de mil pessoas. Em outra ocasião, disse que o local comportava 1,4 mil. Na investigação, foram ouvidos também o caixa, o promoter, o DJ e a ex-relações públicas da casa noturna. Os números apresentados variavam de 1 mil a 1,3 mil pessoas.

Segundo um dos depoimentos transcritos no inquérito, um dos funcionários alertou Elissandro Spohr sobre o excesso de pessoas no local. O aviso, no entanto, foi ignorado por Kiko. Rodrigo Moura Rouso trabalhava há dois anos na manutenção, na técnica de som e como segurança da boate. Conforme o funcionário, a noite do incêndio foi uma das festas que mais recebeu público. Cerca de 1h30 antes do início da tragédia, Rodrigo percebeu o excesso de pessoas que já estavam dentro da Kiss e que seguiam entrando.

"Olha meu, não cabe mais niguém. Se der uma briga, como vamos fazer para apartar?", disse a Kiko, que respondeu: "Não dá bola para isso. Cuida do teu serviço".

Posição da defesa de Kiko

O advogado Jader Marques analisa o depoimento do funcionário como isolado, e por isso, em seu entendimento, não pode ser tomado como verdade. "Pegar depoimentos isolados, como se fosse a verdade, é um exagero. Seria como pegar denúncias feitas contra um delegado e tomá-las como verdadeiras", compara.

Ao MP caberá possivelmente avaliar se a tentativa de encontrar um número excessivo de pessoas dentro da casa foi objetivo da polícia desde o início do inquérito. Temos certeza que isso não se confirmará, porque não havia", completa. Ainda segundo o advogado, Kiko disse que a festa foi organizada por uma turma da faculdade que não conseguiu fazer a venda dos ingressos antecipadamente. "A venda foi fraca", diz.

Já o tratamento de Kiko com o funcionário da casa, pedindo para que ele cuidasse do próprio serviço, é contestado por Marques. "É óbvio que o dono da casa não trataria essa situação com um funcionário dessa maneira", resume.

Nas conclusões do inquérito, as evidências e provas quanto à superlotação da boate na noite do incêndio são consideradas flagrantes. Para a investigação, os proprietários e gerentes da Kiss "se preocupavam com o lucro e não com a segurança e bem estar de seus clientes e funcionários".

No total, 28 pessoas foram apontadas pelo inquérito policial como responsáveis pela tragédia. Além dos sócios da boate e dos integrantes da banda, estão o prefeito da cidade, Cezar Schirmer, e o comandante do Corpo de Bombeiros da região, tenente-coronel Moisés Fuchs. Eles poderão ser investigados por responsabilidade na tragédia.

O indiciamento significa que a polícia acredita que há indícios de autoria dos crimes por parte dos suspeitos. Já entregue à Justiça, o inquérito será encaminhado para vista do Ministério Pùblico (MP). A partir disso, o MP tem prazo de cinco a 10 dias para oferecer ou não a denúncia contra todos ou parte dos envolvidos, além de mudar o enquadramento dos crimes, se julgar necessário.

Se o MP apresentar a denúncia, os indiciados viram acusados. E se a peça for recebida pelo Judiciário, viram réus em processo criminal. O caso do prefeito de Santa Maria, que tem foro privilegiado, será analisado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Alguns casos de bombeiros também irão para a Justiça Militar.

A lista dos indiciados

241 homicídios com dolo eventual qualificado e 623 tentativas de homicídio

1- Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista da banda Gurizada Fandangueira)
2 – Luciano Augusto Bonilha Leão (produtor da banda Gurizada Fandangueira)
3 – Elissandro Callegaro Spohr (sócio-proprietário da Kiss)
4 – Mauro Londero Hoffman (sócio-proprietário da Kiss)
5- Ricardo de Castro Pasche (gerente da Kiss)
6 – Ângela Aurelia Callegaro (irmã de Kiko, proprietária da boate no papel)
7 – Marlene Teresinha Callegaro (mãe de Kiko, proprietária da boate no papel)
8 – Gilson Martins Dias (bombeiro que vistoriou a boate)
9 – Vagner Guimarães Coelho (bombeiro que vistoriou a boate)
Indiciados por 241 homicídios culposos*
10 – Miguel Caetano Passini (secretário de Mobilidade Urbana)
11 – Luiz Alberto Carvalho Junior (secretário do Meio Ambiente)
12 – Beloyannes Orengo de Pietro Júnior (chefe da fiscalização da Secretaria de Mobilidade Urbana)
13- Marcus Vinicius Bittencourt Biermann (funcionário da Secretaria de Finanças que emitiu o Alvará de Localização da boate)
* Denúncias por crime de lesões corporais depende de representação das vítimas
Indiciados por fraude processual
14 – Gerson da Rosa Pereira (major dos bombeiros que incluiu documentos na pasta referente ao alvará da boate após a tragédia)
15 – Renan Severo Berleze (sargento dos bombeiros que incluiu documentos na pasta referente ao alvará da boate após a tragédia)
16 – Elton Cristiano Uroda (ex-sócio da boate Kiss, que deu falso testemunho).



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