Política

Fim das doações privadas deve ser comemorado


03/09/2015

Embora não tenha caráter definitivo, pois no fim do processo será preciso realizar uma nova votação na Câmara dos Deputados, a decisão do Senado que aprovou o fim do financiamento eleitoral de empresas privadas merece ser celebrada.

A votação atende a uma necessidade urgente de eliminar a força do poder econômico sobre nosso sistema político, que permite às empresas formar bancadas de aluguel no Congresso e influenciar setores inteiros do Executivo.

Num regime onde a lei que diz cada homem=1 voto, temos um sistema que admite eleitores que valem R$ 1 bilhão.

Com a franqueza que só delatores costumam se permitir, Paulo Roberto Costa, antigo diretor de abastecimento da Petrobras, gosta de esclarecer que não há doações de campanha, mas sim "empréstimos a serem cobrados posteriormente a juros altos de beneficiários das contribuições no exercício dos cargos."

A decisão também poderá permitir ao país livrar-se de um caso de humilhação nacional. A necessidade de acabar com o financiamento de pessoas jurídicas já conta com apoio de 7 em cada 10 brasileiros, segundo o Datafolha. Também motivou uma campanha que reuniu mais de 7 milhões de assinaturas em apoio a uma emenda popular levada ao Supremo Tribunal Federal.

Mesmo contando com maioria de 6 votos no Supremo Tribunal Federal, suficientes para que seja aprovada ainda que todos os ministros que não votaram se pronunciem no sentido contrário, a emenda encontra-se paralisada desde abril de 2014, por decisão do ministro Gilmar Mendes, que interrompeu a votação com um pedido de vistas que se prolonga desde então.

Assim, uma medida que a população já disse que aprova — por todos os meios a seu alcance — permanece paralisada por decisão de um único juiz, beneficiado pela postura excessivamente compreensiva de colegas de plenário, que em teoria teriam o direito regimental de seguir na deliberação — mas preferem não afrontar Gilmar Mendes.

A decisão de ontem, se for encaminhada até o fim, resolve a situação — até porque, essencialmente, a tarefa constitucional de elaborar leis cabe ao Legislativo, enquanto ao Judiciário cabe a missão de julgar se estão sendo corretamente aplicadas.

Incluída pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) no projeto de reforma política, a decisão é devida, em grande parte, à persistência da senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM).

Vanessa teve disposição de apresentar uma emenda contra as doações de empresas numa conjuntura de ofensiva reacionária no Congresso, quando iniciativas de interesse para a democracia tem sido derrotadas sistematicamente, em particular na Câmara dos Deputados.

Alimentada pelo rolo compressor mobilizado por Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em fase pré-Lava Jato, em maio a Câmara aprovou um projeto que torna as doações de empresa matéria constitucional num ritual escandaloso.

Sem votos suficientes para vencer uma primeira vez — era preciso reunir uma maioria de dois terços — a emenda foi aprovada em segunda votação, num encaminhamento que violou as regras da Constituição que definem deliberações no Congresso, e que o Supremo Tribunal Federal preferiu não contrariar, apesar do erro flagrante.

Vitoriosa por 36 votos a 31, a emenda foi combatida pelos senadores da oposição, em particular PSDB e DEM. Em defesa das doações empresariais, o líder tucano, senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), disse que não há "problema algum" em doação de empresas "desde que não haja extorsão". "Eu já recebi doações de pessoas jurídicas, estão na minha prestação de contas." Nem por isso o meu mandato é meio mandato, é limitado, é vinculado, é tolhido."

Para comprovar a consistência das visões angelicais sobre contribuições de campanha, sugere-se a um eleitor de boa vontade para fazer um teste rápido, simples e barato. Não estou falando de troca de favores, muito menos de corrupção, mas do principal: acesso ao poder. Basta telefonar para o gabinete de um senador brasileiro — de qualquer partido –, dizer que é um cidadão comum que tem um problema urgente para resolver em seu Estado e contar os minutos que irá esperar até ser atendido. Em seguida, deve telefonar para o mesmo número, apresentar-se como um dos financiadores de campanha e contar os minutos que levará para ser atendido. Alguma dúvida?

Os números da votação tem outra notícia boa: mostram que o Senado dificilmente aprovaria uma emenda constitucional a favor das contribuições de empresas. Ali, pelas regras em vigor, uma PEC precisa de dois terços dos votos para ser aprovada. Isso quer dizer que a bancada contra as doações de empresas só precisa reunir 27 votos para impedir a aprovação da emenda constitucional que saiu da Câmara, e que será examinada em comissão na semana que vem.

O problema não está resolvido, como se vê. Mas depois de ontem, parece melhor encaminhado.



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