Brasil & Mundo

Em Portugal, estudante paraibana relata retomada da vida quase normal pós-pandemia da Covid-19


19/05/2020

 Beatriz Meireles

Portal WSCOM

 Beatriz Meireles, filha do jornalista Giovanni Meireles, reside há três anos na Cidade do Porto, na região norte de Portugal. Ela conta em detalhes, no texto abaixo, como o pequeno país europeu conseguiu evitar um número elevado de mortes devido ao Coronavírus e também como as autoridades lusitanas estão reabrindo parques e escolas, por exemplo, no chamado “desconfinamento depois da calamidade”.

A crônica dela serve para nós, brasileiros, termos uma ideia de como deverá ser a nossa própria retomada ao estágio de vida “quase” normal após o declínio da atual curva ascendente de casos e óbitos por Covid-19, cujo pico da pandemia ainda estamos por atingir. Como será implantado pelos governos federal, estadual e municipal, no nosso país, o tal “desconfinamento” explicado por Beatriz? Lendo, dá pra imaginar como serão nossos próximos dias…

Leia:

‘Cá em Portugal estamos na segunda fase do plano desconfinamento do estado de calamidade. Desconfinamento: uma expressão que não existia em nosso vocabulário até pouco tempo atrás. A verdade é que, lembro-me como se fosse hoje, quando estive pela primeira vez em São Paulo. Estava no metrô e era inevitável não comparar aquilo com um formigueiro. Tantas pessoas a movimentarem-se muito rapidamente, todas ocupadas, com pressa, a andar e falar ao mesmo tempo. É nesse contexto que isolamento passou a ser a palavra de ordem. Logo nós, seres extremamente sociáveis, fomos proibidos de conviver.

Trabalho em Hotelaria e Turismo e, assim como o restante do Porto, vivemos e respiramos turismo, pois tudo gira à volta das pessoas que vem visitar-nos. Entretanto, em meados de março surgiu o burburinho acerca do coronavírus e na altura contactei meus amigos que vivem em Itália. A resposta sempre era “Ah, mas não é tão importante quanto parece”. Passado cerca de duas semanas, alguma tensão já havia sido instalada entre meus colegas de trabalho e mais alguns dias depois ficamos a saber que entraríamos em Estado de emergência.

Então foi assim que, de um dia para o outro, paramos de trabalhar, estudar, socializar, visitar parentes e amigos. As primeiras semanas de quarentena foram estressantes e assustadoras. Toda a gente não sabia exatamente como se portar, havia incerteza nas notícias e sobre o futuro. Com o passar dos dias houve uma corrida contra o tempo para as empresas adaptarem-se. Quem pôde, entrou em modo de teletrabalho (home-office), quem não pôde, entrou em lay-off através do governo. Em mais ou menos quinze dias, as instituições de ensino desenvolveram todo um conjunto de ferramentas para implementar o ensino à distância.

Toda uma rotina que era baseada na pressa, na falta de tempo, tornou-se uma rotina com excesso de tempo. É que as pessoas sequer sabiam como coexistir nesse novo formato. Não sabiam como gerir tanto tempo livre ou como se relacionar com as pessoas com quem vivem na própria casa. Quem antes não tinha tempo para ligar para um familiar, passou a fazê-lo com frequência. A tecnologia nunca foi tão popular. Passamos a valorizar as relações, o cuidado com os nossos. O distanciamento social passou a ser crucial para proteger-nos e cuidarmos uns dos outros.

No princípio, a mentalidade ainda era que o governo precipitou-se em estabelecer restrições com tão poucos casos de infecção. Experienciei a pandemia num país em que colocou interesses políticos e partidários de lado em prol da população. Um governo que impôs medidas rígidas logo no início, quando toda gente julgou precipitado e desnecessário. Ao mesmo tempo em que criava condições para as pessoas sobreviverem a esta situação, inclusive imigrantes. Foi graças à este posicionamento que possibilitou que ao cabo de dois meses os portugueses pudessem voltar às ruas, com números baixos de infecção e de óbitos comparados aos países vizinhos. Para que os doentes tivessem o direito à serem tratados e não houvesse escolha entre vidas.

Pouco a pouco vamos retomando a economia e aprendendo a conviver com um novo normal. Algumas coisas já abriram, mas com uma série de restrições e cuidados. Para aqueles que têm a possibilidade, o trabalho de casa e aulas online são incontestáveis. Ao mesmo tempo estamos a questionar o estilo de vida que temos e as nossas escolhas, aprendemos a viver numa realidade que não é nossa. Adaptar as coisas mais básicas num cenário que parece ter saído de um filme de ficção-científica.

O ser humano é o animal mais adaptável que existe no planeta. Com o tempo as coisas deixam de incomodar-nos e absorvemos aquilo com mais naturalidade e automaticidade. Pequenos números que antes assustavam, agora perderam-se em milhões e deixamos de nos importar tanto. As medidas afrouxam-se e com elas, os cuidados e a preocupação. Por isso, é preciso ter cautela e lembrar-nos que o vírus ainda existe e não podemos pôr tudo em causa a perder.

Diante desse panorama, cabe a nós ter fé em que dias melhores virão e no discernimento dos que tem poder para tomar boas decisões. É o momento de priorizar o essencial e deixar para trás todo o resto. Deixar o egoísmo de lado, pensando no bem coletivo. Refletir sobre as formas de governar e tomar consciência sobre como exploramos o nosso planeta. Principalmente, pensar na capacidade de nos reinventar, nos nossos hábitos e como vamos lidar daqui para frente com todas essas questões que ficaram escancaradas.

Beatriz Meireles
Estudante de Comunicação Audiovisual e Multimídia’



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