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Estudante agredido por PM em Goiânia melhora e não corre risco de morte

EM PROTESTO


02/05/2017



O estudante Mateus Ferreira da Silva, de 33 anos, agredido durante um protesto em Goiânia, apresentou uma melhora clínica, não está mais sedado e não corre risco de morrer, conforme boletim médico divulgado pelo Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), no final da manhã desta terça-feira (2). Apesar de estável, o quadro dele segue grave.

Mateus, que se mudou se São Paulo para Goiânia para cursar ciências sociais, foi agredido com um cassetete durante um protesto organizado por centrais sindicais na Praça do Bandeirante, no centro de Goiânia, na última sexta-feira (28). Um vídeo mostra em detalhes o momento em que ele leva o golpe no rosto.

Na ocasião, mascarados entraram em confronto com policiais militares, momento em que o estudante foi atingido e ficou caído no chão. O capitão saiu correndo. Já o rapaz recebeu os primeiros socorros de outros manifestantes.

Antes da agressão, as imagens mostram que o estudante estava sem camisa perto dos policiais. Momentos depois, ele aparece com uma camiseta cobrindo parte do rosto, junto a um grupo de manifestantes mascarados.

Apesar disso, amigos do Mateus disseram que o estudante não participou de nenhum ato de vandalismo durante o protesto. Os colegas ressaltam que ele não estava mascarado."Não é o rosto todo, é a boca e o nariz. Por que a boca tampada? Para proteger do gás", explicou o estudante Leandro Pereira.

A mãe de Mateus, a cabeleireira Suzethe Alves, de 49 anos, repreendeu a conduta do policial. “Ele [Mateus] não é bandido e, mesmo que fosse, a polícia não tem o direito de bater em ninguém, é um ser humano, gente, é um ser humano”, disse em entrevista à TV Anhanguera.

Desde a agressão, Mateus está internado na Unidade de Terapia Intensiva do Hugo. Ele sofreu traumatismo cranioencefálico (TCE) e múltiplas fraturas. Até esta terça-feia, o paciente segue intubado.

Os parentes de Mateus estão focados na recuperação do estudante. “A gente nunca espera que vá acontecer algo assim com quem a gente ama. A nossa prioridade agora é a recuperação dele. Ele passou por uma cirurgia de reconstrução facial e foi um sucesso. Mas agora ele apresenta um quadro de pneumonia e insuficiência renal. Os médicos estão fazendo as intervenções necessárias”, disse ao G1 a gerente administrativa Heloísa Ferreira da Silva, de 28 anos, irmã de Mateus.

A mãe contou que, segundo os médicos, as reações do filho ao trauma têm sido dentro do esperado. "O médico falou que essa hemodiálise, essa parte da pressão que está abaixando, a parte do pulmão, isso tudo foi devido ao trauma que ele teve. Então se a pessoa tem um trauma, logicamente, o corpo vai sentir", explicou.

Ainda conforme a mãe, o estudante precisará colocar uma prótese feita por uma impressora 3D. "Ele está sem osso na parte frontal [testa], os ossos foram destruídos. Na parte esquerda, em baixo do olho, vai precisar colocar um pino para o osso se juntar. O ortopedista vai precisar fazer uma cirurgia na clavícula", completou.

Apoio

Amigos do estudante fazem uma vigília na frente do Hugo para acompanhar novidades sobre o estado de saúde dele. Alguns até fizeram uma campanha na internet para arrecadar doações para ajudar a família de Mateus a se manter em Goiânia enquanto ele se recupera.

"A intenção é solidariedade, mostrar que a família e o Mateus não estão sozinhos", disse a estudante Aryadne Rodrigues Moreira.

A irmã do estudante destaca que o apoio da família e dos amigos de Mateus tem sido fundamental para lidar com o momento delicado que passam.

“Ele era muito querido por todos. É um momento muito doloroso e todas as manifestações de afeto nos ajudam, tanto de quem o conhecia ou não. Estamos emocionados com o jeito que os amigos o resgataram e cuidaram dele”, agradeceu Heloísa.

Sonho de ser cientista social

Mateus já havia se formado em ciências da computação e trabalhava desde os 14 anos, segundo contou a família ao G1. Ele se mudou de São Paulo para a capital goiana no início de 2016 para realizar o sonho de cursar ciências sociais.

No começo, Mateus trabalhava de dia e estudava à noite na Universidade Federal de Goiás (UFG). Depois, ao passar no exame para ser monitor de ciências políticas, ele passou a se dedicar exclusivamente ao estudo.

"Sempre foi trabalhador, começou a trabalhar com 14 anos. Onde ele trabalhou teve dificuldade de entrar porque tinha que ser excelente aluno, só podia ter notas dez. Essa foi a primeira vitória dele. Meu filho veio para esse estado realizar o sonho dele e simplesmente eu vejo pela televisão, pela mídia, o sangue dele derramado da na calçada. Um sangue inocente. […] Acredito que todos nós, hoje, somos Mateus", disse o pai do estudante, emocionado.

PM afastado

Apontado como o autor da agressão ao estudante, o capitão da Polícia Militar de Goiás Augusto Sampaio de Oliveira Neto foi afastado das ruas pela corporação. O comandante geral da PM-GO, coronel Divino Alves de Oliveira, explicou que o capitão ficará exercendo apenas atividades administrativas enquanto o Inquérito Policial Militar que investiga a conduta dele não é concluído.

Em nota, a corporação explicou que instaurou o procedimento na última sexta-feira “diante das imagens que circulam em redes sociais, quando da intervenção policial militar, que mostram a clara agressão sofrida” pelo estudante.

O inquérito tem um prazo de 30 dias para ficar pronto. De acordo com a nota divulgada pela PM, na ocasião, a investigação tem o “objetivo de individualizar condutas e apurar responsabilidades”.

“Houve excesso, não há como fugir a esta situação, houve o excesso na ação praticada por esse policial militar e, em decorrência disso, o comando da instituição instaurou o inquérito policial militar que irá apurar as responsabilidade”, disse o coronel à TV Anhanguera.

Sampaio está na corporação há 12 anos e acumula, na ficha funcional, 34 elogios. Ainda segundo as notações no documento, ele nunca recebeu uma punição, mas já se envolveu em outras ocorrências de agressão, inclusive contra menores em situação de rua. Os casos ocorreram entre 2008 e 2010.

Em nota, o comando da PM já havia destacado que “condena veementemente todo e qualquer tipo agressão praticada por policias militares no exercício de sua função, não compactuando com atos que possam afrontar os princípios da ética, moral e legalidade”.

O secretário de segurança pública de Goiás, Ricardo Balestreri, se posicionou por meio de uma rede social criticando a ação de Sampaio. Ele declarou que todo PM sabe que não deve atingir ninguém na cabeça durante tentativa de imobilização. O secretário também reconheceu que a PM nem sempre recebe os equipamentos e treinamentos necessários para progressão da força.

Durante o ato, segundo a corporação, quatro policiais militares foram feridos e foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) para serem submetidos a exames de corpo de delito. No Boletim de Ocorrência registrado por um deles, o militar alega que usou o cassetete para conter manifestantes mascarados que estavam agredindo dois homens.

Inquérito policial

Em nota, a Polícia Civil informou que vai aguardar a formalização dos procedimentos da Polícia Militar para, em seguida, requerer acesso aos autos e avaliar a necessidade da instauração de inquérito policial.

Essa análise será feita pelo delegado Isaías Pinheiro, titular da 1º Delegacia Distrital de Goiânia, unidade que cuida da região central da capital, onde ocorreu o protesto e a agressão a Mateus. A avaliação será para concluir se houve crime comum ou militar.

Repúdio

O reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Orlando Amaral, esteve no hospital no sábado (29) em busca de informações sobre o estado de saúde do estudante. Horas antes, a UFG, onde Mateus cursa o 3º período de ciências sociais, já tinha divulgado uma nota repudiando a agressão.

No hospital, o reitor voltou a criticar a postura da PM. “Ele estava lá junto com dezenas, centenas, milhares de outros estudantes, professores, a comunidade, a população em geral, e não se justifica uma atitude como essa, uma violência tão desproporcional, em uma situação que obviamente demandava uma postura diferente da polícia, que é o que nós esperamos”, disse o reitor.

A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seção Goiás (OAB-GO) conversou com a família na segunda-feira (1º). Representante do grupo, Allan Ferreira afirmou à TV Anhanguera que o órgão busca garantir que os responsáveis sejam punidos.

"O nosso papel enquanto OAB é cobrar que essa investigação seja feita, que esses agentes sejam processados", afirmou.

A Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (SSPAP) informou que condena as agressões sofridas por Mateus e que atos como este "ferem a ética da corporação e das demais forças que compõem a Segurança Pública, cuja missão é proteger vidas e jamais atentar contra qualquer cidadão".

O comunicado destaca ainda que a "exigência de imobilização de eventuais manifestantes nunca justificará a transgressão de limites". Por fim, pontua que, se confirmado autoria, a SSPAP será "rigorosa na punição administrativa e no encaminhamento para a esfera judiciária".
 


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