Internacional

Especialistas alertam para violência e violações de direitos humanos no Egito

Egito


05/07/2013

Dias após o exército egípcio anunciar o fim do governo de Mohamed Mursi, apoiado por manifestações populares e por lideranças religiosas cristãs e muçulmanas, crescem as preocupações dentro e fora do Egito sobre a situação política no país.

Especialistas ouvidos pela BBC Brasil alertaram para o risco de um retrocesso no processo democrático, denunciaram violações de direitos humanos e o aumento da violência entre grupos pró-Mursi e a oposição ao governo deposto.

Heba Morayef, diretora da Human Rights Watch (HRW) no Cairo, acredita que a situação é preocupante.

— É um começo muito ruim. Vi duas coisas preocupantes acontecerem logo após o anúncio dos militares: o fechamento de TVs aliadas ao governo Mursi e a prisão de líderes da Irmandade Muçulmana sem acusação clara. Isso é ilegal e irresponsável. São medidas clássicas da era [Hosni] Mubarak.

Segundo ela, a indicação do chefe da Corte Suprema Constitucional, Adli Mansour, como presidente interino do país mostra que "os militares parecem não querer permanecer no poder, mas é impossível saber ao certo".

Mursi tinha sido democraticamente eleito presidente do Egito em junho do ano passado, com pouco mais de 50% dos votos, pela Irmandade Muçulmana — maior partido do Egito, banido nos anos 1920. Foram as primeiras eleições livres do país após mais de 30 anos de governo Mubarak.

Após o golpe de quarta-feira (3), mais de 12 líderes do partido islamita foram detidos e Mursi foi mantido em prisão domiciliar. A mídia local informou que eles devem ser questionados em breve pela Justiça sob acusações de "insultar o Judiciário" e "incitar a violência".

Ao menos quatro canais de TV ligados à Irmandade Muçulmana ou considerados próximos do antigo regime foram invadidos pelos militares e tirados do ar. Jornalistas desses veículos foram presos e mais tarde liberados. Entre os alvos estava o canal Al Jazeera, que tem sede no Catar e operava no Egito desde 2011.

Violência

Diana Eltahawy, pesquisadora da Anistia Internacional no Egito, afirma que a situação é tensa e milhares de pessoas celebram a queda de Mursi.

— O apoio ao governo caiu muito nos últimos meses, mas a Irmandade ainda tem forte apoio popular.

Segundo ela, há um risco crescente de represália violenta a grupos pró-Mursi e confrontos com a oposição ao ex-governo.

— As forças de segurança não estão intervindo para conter a violência. Nem para impedir abusos sexuais a mulheres na praça Tahrir.

De acordo com o grupo Operação Anti Assédio Sexual (OpAntiSH, na sigla em inglês), organização egípcia que monitora a violência contra mulheres, cerca de 80 agressões sexuais e 2 estupros foram registrados na quarta-feira, enquanto milhões comemoravam a queda de Morsi. Entre as vítimas estavam idosas, mulheres com crianças e uma menina de 7 anos.

Eltahawy falou com a BBC Brasil por telefone do Cairo. Ela voltava de um hospital onde tinha visitado um homem vítima de agressão de manifestantes opositores durante um protesto pró-Mursi. Após ser esfaqueado, ele foi deixado na porta de uma delegacia, onde foi espancado por policiais após se identificar como partidário da Irmandade Muçulmana.

Desde quarta-feira, manifestantes pró-Mursi têm protestado contra o golpe militar na praça Rabaa al Adawiya, em Nasr City, no Cairo, e em outras cidades do país.

Na quinta-feira (4), um porta-voz da Irmandade Muçulmana anunciou que o partido irá boicotar o processo político e defendeu a não violência.

Reforma e união

Para Morayef, da HRW, desde o início da revolução no Egito, em 2012, as reformas no Judiciário e no aparato de segurança são urgentes.

— O marco legal da era Mubarak ainda está em vigor e o abuso da força pela polícia e pelo Exército são recorrentes.

Mohamed Zaree do Cairo Institute for Human Rights destacou que o momento deve ser de união e de vigilância.

— A única maneira de evitar um derramamento de sangue é a união em torno de um projeto político da oposição. Talvez se os militares não tivessem tomado o poder agora o Egito teria caído em uma guerra civil, porque os protestos contra Mursi e o autoritarismo da Irmandade cresciam há meses. Em 30 de junho havia o dobro de gente na rua comparado com as manifestações para derrubar Mubarak.

Segundo Zaree, muitos egípcios acreditavam que a Irmandade Muçulmana tinha sequestrado a revolução original de 2012.

— Neste ano que passou no poder, o partido não estava governando em prol do povo, mas sim em benefício próprio.

Para ele, a pressão externa agora também é crucial para assegurar a defesa dos direitos humanos no país.

— A comunidade internacional deve vigiar a situação no Egito e não questionar se vai lidar ou não com o novo governo, que subiu ao poder com apoio militar. Morsi já tinha perdido sua legitimidade para governar, com ou sem golpe. Agora há novos horizontes para o país, é uma grande chance de pressionar por uma retomada do processo democrático.

Na quinta-feira, durante discurso em Copenhague, na Dinamarca, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, expressou preocupação com a situação no Egito e pediu "um diálogo nacional inclusivo, que inclua representantes de todos os espectros da política egípcia".



Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //