Política

Do Forte de Copacabana ao Estado Novo: lembre como Vargas usou as anistias como manobras para se manter no poder


27/05/2025

Paulo Nascimento



Durante o turbulento período da história brasileira que vai da crise da Primeira República à redemocratização pós-Estado Novo, as anistias políticas deixaram de ser apenas instrumentos legais de perdão e se tornaram verdadeiras estratégias de manutenção de poder. Esse é o entendimento do historiador Francisco Menezes, que analisou para nossa reportagem o papel crucial das anistias na trajetória de Getúlio Vargas — um líder que, segundo ele, soube “morder e depois assoprar” como poucos na história do Brasil.

A semente da insatisfação

No fim da Primeira República (1889–1930), o Brasil viu emergir uma geração de jovens militares insatisfeitos com a corrupção e o clientelismo das oligarquias do “Café com Leite”. Esses oficiais deram origem ao movimento tenentista, que buscava uma república mais justa e centralizada.

Entre os episódios mais marcantes estão:

  • 18 do Forte de Copacabana (1922): Um pequeno grupo de militares marchou pelo Rio de Janeiro em protesto contra a República Velha.

  • Revolta Paulista de 1924: Combates urbanos intensos e a repressão violenta marcaram São Paulo.

  • Coluna Prestes (1925–1927): Liderada por Luís Carlos Prestes, percorreu cerca de 25 mil km pelo interior do Brasil, denunciando desigualdades e clamando por justiça social.

Esses levantes, embora fracassados militarmente, deixaram marcas profundas e sinalizaram a decadência do sistema oligárquico.

Oportunidade e pacificação: Vargas e as primeiras anistias

Com a Revolução de 1930, Vargas assume o poder e encerra a Primeira República. De imediato, inicia uma política de aproximação com setores militares e civis que antes eram seus adversários. “Getúlio precisava das anistias para sobreviver politicamente. Seu governo se mantinha com apoio de elites burguesas distintas do eixo Minas-São Paulo, e de entidades de classe”, explica Menezes.

A anistia decretada em 8 de novembro de 1930 (Decreto n.º 19.395) concedeu perdão a civis e militares envolvidos em levantes anteriores. Muitos tenentistas foram reintegrados ao Exército ou passaram a ocupar cargos no governo.

Após a Revolução Constitucionalista de 1932, Vargas novamente recorre à anistia como gesto político: anistiou os derrotados paulistas para evitar um isolamento político que ameaçava sua legitimidade.

“O que se viu naquele período foi a tentativa de Vargas de se apresentar como alguém disposto ao diálogo com a sociedade civil, ainda que de forma calculada”, completa o historiador.

Estado Novo: repressão e silêncio

Se nas primeiras fases Vargas procurou acomodar os dissidentes, o cenário mudou radicalmente com o golpe de 1937, que instituiu o Estado Novo — uma ditadura com forte centralização do poder, fechamento do Congresso e censura à imprensa.

Os alvos principais da repressão foram comunistas, sindicalistas e intelectuais de esquerda. Luís Carlos Prestes, ex-líder da Coluna, foi preso em 1936 após a Intentona Comunista. Sua companheira, Olga Benário, foi deportada grávida para a Alemanha nazista e morreu em um campo de concentração — um dos episódios mais cruéis do regime varguista.

“O Estado Novo prendeu mais de 600 opositores. A repressão era intensa e sistemática. As anistias, nesse momento, deixaram de existir. O regime endureceu ao máximo”, comenta Menezes.

Anistia de 1945: derrota do fascismo, vitória da pressão popular

O cenário internacional, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota do nazi-fascismo, somado às mobilizações internas por liberdade, obrigou Vargas a recuar. Em 18 de abril de 1945, decretou a anistia geral. Entre os beneficiados estavam Prestes, Carlos Marighella, Jorge Amado, Agildo Barata e outros nomes ligados ao PCB.

“A anistia de 1945 teve um caráter diferente. Ela foi imposta por pressões internas — como os comitês populares pró-anistia, que fugiram ao controle do governo — e externas, como a vitória da URSS sobre o nazismo”, afirma o historiador.

No entanto, o decreto deixava de fora crimes comuns e limitava o retorno de militares e civis às suas funções anteriores, dependendo de pareceres de comissões designadas pelo próprio Vargas. Também vedava o ressarcimento de salários dos funcionários públicos punidos pelo regime.

A construção do mito

O gesto da anistia foi visto por muitos como uma tentativa de Vargas de reconfigurar sua imagem pública após anos de repressão. Para Menezes, “ele queria parecer um conciliador, um homem justo, para apagar a imagem de déspota”. Mas o historiador é taxativo: “Vargas foi um estrategista. Fez uso das anistias para reorganizar suas alianças e se manter no centro do jogo político.”

A reintegração de Prestes ao cenário político foi simbólica. Condenado a 30 anos de prisão, foi eleito senador pelo Distrito Federal após ser libertado. Seu retorno simbolizava não só o enfraquecimento do regime autoritário, mas também a ascensão de uma esquerda que, naquele momento, parecia ganhar espaço no Brasil democrático.

Vargas um conciliador

As anistias promovidas por Vargas, em especial as de 1930 e 1945, não foram simples gestos de perdão. Foram ferramentas políticas, habilmente utilizadas por um governante que dominava como poucos a arte de manter o poder.

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A transição do Brasil de uma república oligárquica para uma ditadura e, depois, para a redemocratização, teve nas anistias momentos-chave — ora como estratégia de pacificação, ora como maquiagem para uma repressão brutal, essa transição você pode acompanhar na próxima reportagem sobre anistias. E, nas palavras de Menezes, Vargas foi, ao mesmo tempo, “um conciliador aparente e um dominador absoluto da vida política, econômica e social do país”.



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