Geral

Diferente, Sim!


22/11/2011



 No colégio, ela se via diferente. Mais magra, mais cumprida, mas desengonçada, com menos peito, menos atirada, menos convidada, mais encabulada, mas calma, enfim…tantas coisas.

Depois, quando fez quinze anos, não quis festa. Não gostava de debutante, nem de fru-fru, nem de saltinho, nem de babados. Gostava de uma calça jeans rasgada, umas sandálias hippies, e umas camisas folgadas. Pelo jeito não era muito feminina para os padrões. Mas sonhava com um vestido que não sabia explicar. Anos depois viu que era um Pucci, estampado, tipo Kaftan, anos 60´s. Queria mangas bufantes, despojamento. Sua mãe não entendia que moda era essa, e as duas, perdidas nas lojas Armazém do Norte, não se entendiam. Até que teve um vestido trapézio, caseiro, mas serviu de exemplo para o que queria. Só entenderia seu gosto mesmo quando, anos depois, se viu diante de hippies em London London, em Soho, ou em Greenwich Village em Nova York, ou até mesmo na feira hippie carioca. Sua identidade do vestir havia encontrado. Balangandãs!

De presente pelo adeus à vida de menina moça, ao invés da formalidade da apresentação à sociedade local, ganhou de presente uma viagem ao Rio de Janeiro, onde ficou um mês como a princesinha do mar. Sentia-se cidadã do mundo. E não sentia saudades da terra natal, como é de costume dos compatriotas. Se culpava e se excluía. Que coisa! Não tinha a menor saudade de feijão verde com carne de sol. Não come carne. E o sol? Ah! Esse tem em todo lugar, pensava. Sempre gostou dos ares cosmopolitas das cidades grandes. Comentavam que sua pupila dilatava ao cruzar Goiana rumo a Recife….E a Lagoa e o Ponto de Cem Réis lhe pareciam pequeno para os saltos que queria dar. Seu trampolim ainda não era o do Clube Astréia . Embora mais velha, tenha compreendido que a maior viagem é sempre aquela que se faz da janela, leu isso em algum lugar. Ou que, se queres ser universal, dê a volta em casa…coisas assim. Mas quando se é jovem demais, o quarteirão é alhures.

Mais tarde outras diferenças. Não tinha como sonho o casamento, nem tão pouco a maternidade. Achava inimaginável passar a vida inteira com um homem só. Como saber que aquele tal homem é o homem da sua vida. Viu essa pergunta depois no cinema na comédia romântica, Simplesmente Amor. Casou porque amou. E toda forma de amor valia a pena. Não se usava amar e não casar. Mas não quis filhos logo. Achava que teria toda a vida para aquela empreitada. Sim, não se via mãe. Era uma menina que amava os Beatles e os Rolling Stones; que forçava a barra para ter cabelos naturalmente encaracolados; pintava as unhas de cores diferentes; e se maquiava com delineador e rímel. Queria ser correspondente do mundo. Não de guerra. Mas da Arte.

Imaginou-se assim quando fez um curso de datilografia e estenografia, será que alguém ainda sabe o que é isso? Tinha máquina de escrever da Remington e entendia de garranchos. Decifrava códigos. Traduzia. Estudou nos primórdios da Cultura Inglesa e sonhava com o Big Ben badalando a passagem do tempo, já se anunciando fã ardorosa de Mrs. Dalloway. Quando lá chegou um dia, teve um troço! Mergulhou em Piccadilly Circus com tanta intimidade, que parecia ter nascido ali. Uma estrangeira aculturada! Transitava em Portobello Road , por entre tantos indianos e outros gringos de Minha Adorável Lavanderia, como se de lá nunca tivesse saído, e quando viu o filme Notting Hill chorou copiosamente. Queria ter ficado ali for ever. De preferência sentada num daqueles bancos dos parques; o de St. James, no inverno , com o fog no ar e os postes centenários também . Que menina mais esquisita! Pensava. Tanta coisa tropical para se identificar, e gostava tanto assim do Countryside Britânico. Culpa de Mr. Barlow! E nem era afeita aos reis e rainhas.., mas ao visitar os palácios, sentia frio na barriga, como se fosse realmente uma Cinderela. Mas, gostava mesmo era dos chorões dos Backyards de Cambridge, que lhe davam um certo charme cinematográfico. Eram os seus Jardins de Noviça Rebelde Out of Áustria! E desde os tempos do Cine Plaza e Municipal, que estava sempre a sonhar com esses lugares longínquos e enevoados.

E a maternidade? Todas as amigas, casavam e ficavam grávidas logo. Ela não. Queria acordar tarde, ter o dia todo seu, estudar, fugir, se perder, ainda não sabia nada da vida, e não se via com a barriga grande. Não pela estética, mas pela responsabilidade. Mas claro, isso lhe angustiava, pois todos lhe perguntavam o óbvio. E de repente se sentiu doente. Doente porque a barriga não crescia. A pressão era tanta! Tantas perguntas que não sabia responder. Amava e queria ser livre; queria ser mãe, mas somente um dia, não naquela hora. Uma equação difícil de resolver. As más línguas inventavam, especulavam, as maledicências vis de uma cidade provinciana não lhe davam crédito. Seria uma mulher seca? Seria uma mulher não mãe? Uma mulher sozinha? Não abenhsonhada? Quanto modelo e padrão para se encaixar! Não cabia em nenhum. Mas tinha certeza dos moldes todos dela. Sabia que, em algum lugar existia tudo que lhe via à cabeça. Talvez num filme . E o cinema bem que contribuiu para tirar toda e qualquer caraminhola da sua cabeça. Ou botar ainda mais…

Ah! Mas os anos se foram, e a vida não espera. Um dia, se viu sem filhos, sem marido e com toda a dor do mundo. Ou a liberdade suprema de fazer o que quisesse, se quisesse, quando assim quisesse. Entendeu que a liberdade era azul! Se viu novamente nas encruzilhadas das Roads Not Taken, e da irreversibilidade das escolhas. E veio ano, vieram outros, amores brutos, frágeis, amores; veio ela mesma, e já começou a se entender melhor e encontrar um vestido aqui e outro ali que lhe fizesse sentir o corpo como feitura, dentro de uma máscara que lhe coubesse. Uma mulher que não ia com as outras. Tinha querência. E ousava por em práticas seus gostos.

E diante da imensidão da vida, teve filhos, amou outros, escolheu errado, certo, mais ou menos, e sonha até hoje em ir ao Nepal com uma mochila nas costas e comendo arroz integral. Não não não, hoje é menos natureza, e gosta muito mesmo é da vida urbana e da contemporaneidade. Adora vilarejos, esquinas, bancos de praça, becos, bares, e butiques. Tudo na terra. Mas pode ser longing to the sea, que nem A Mulher do Tenente Francês. Não tem mas tanta dúvida quanto às compras, nem aos vestidos, e, entendeu que, saber o que usar é sim, saber se situar no mundo. A moda sempre foi seu meio de expressão também. E continua sem gostar de cintura de pilão, até porque nunca teve, mas gosta de saia rodada. Saias. Saia comprida. Saião. Com jeans e camiseta ainda se sente poderosa, e ao ouvir Danuza Leão dizer que agora só se veste de Steve Jobbs, ou seja, de jeans, camiseta Hering e All Star, se identificou. Usa esse uniforme desde menina, e pelo jeito, enfrentará às próximas idades assim meia volta, volver!

Hoje, diferente? Não tanto. Entendeu que de perto ninguém é normal, e que ela tem sim seus gostos mais excêntricos como um sapato Luiz XV que está na sala de visita, ou uma bolsinha da ex-sogra que ainda faz vistas nas festas mais soirées. Só vê que tudo é verdade quando chega numa festa e todas as mulheres estão com o cabelo passado a ferro, vestidos de brocado, e salto agulha. Tudo Igual. Não gosta desse time. Prefere as loucas, as fora de moda ou mesmo as destoantes, são mais alegres e se divertem. E como!

Tem pensado nessa idade, que de melhor não tem nada. E tem um sonho. Ou muitos ainda. Queria poder ficar em trânsito um ano. Perambulando. Por lugares legais, bonitos, que possam oferecer paz e novidades. Não precisa ser Londres ou Nova York mais, mas, poderia ser uma vila portuguesa com certeza; um lugarzinho na Andaluzia para ensaiar uns passos de dança Flamenga e ouvir Paco de Lucia; ou ainda uma praça na Toscana, com pinheiros, vinho Chianti, e sardelas com pão fresco. E aprendendo françês ou italiano, as línguas mais lindas. Português também é, mas essa já fala. Mal e com erros de crase e concordância. Mas um dia acerta, com a ajuda do professor Chico Viana, bien sur! Quanto aos vestidos Pucci, já que não deu, se diverti com os das lojas de departamento Summer collection… . Mas entendeu muito mais nessa vida que de vestidos, embora continue adorando os tecidos e o esvoaçar da vida; entendeu o poema Ensinamento de Adélia Prado e que a coisa mais fina do mundo é o sentimento.

E até agora vive um dia de cada vez. Lá e Cá. Com e Sem. Se sonha? E Como sonha! Acordada!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 21 de novembro, 2011



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