Cultura
Damião Ramos Cavalcanti analisa impacto da natureza sobre imaginário humano ao refletir sobre o mito da Cruviana
10/02/2025
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Secretário de Estado da Cultura, Damião Ramos Cavalcanti
Damião Ramos Cavalcanti
Hoje amanhecemos sob os estrondos do trovão que, quando crianças, nos amedrontava; parecia vir do céu, fazer tremer a terra, a casa e a cama. Protegíamo-nos com o cobertor, mas o frio entrava por qualquer brecha, como também aqueles estrondos, que toda a cidade, todos os bichos da mata escutavam. Turbonem em latim é trovão, a própria palavra assombra, é grossa, pesada, como se fosse no aumentativo. E quanto mais estrondoso, medo fazia… O raio pouco se via pelo vidro da janela, ele era veloz, mas inseparável do trovão, sendo mais rápida a sua luz do que o som do trovão. E mais perigoso, aquele raio que atinge o solo, proveniente de uma descarga entre uma nuvem Cumulo-nimbo e a terra; ao contrário do trovão, ele mata, o que tem acontecido com algum agricultor na plantação, já entusiasmado com as promessas da chegada das chuvas, sobretudo no seco sertão…
Imagino o temor de quem, na antiguidade ou entre os nossos nativos, sem a explicação desses fenômenos, passava por essas coisas que lhe eram estranhas. Logo atribuíam, aos céus ou ao Olimpo, o significado de manifestação sobrenatural. Ou diziam que o trovão era o próprio deus, reclamando ou nos defendendo de males piores. Até os nórdicos, valentes vikings, o denominavam, na sua mitologia, de uma poderosa divindade: Thor, deus também das tempestades, muito temido pelos navegantes e pelos agricultores que estivessem arando, ou, com medo, orando. Thor, também conhecido por Donar, que do alemão antigo derivou para donner, atualmente, trovão na língua germânica.
Antes deles, os antigos gregos, também na sua mitologia, achavam que o trovão descia do Olimpo, como sua principal divindade: Zeus, não só o deus grego do trovão, mas também do raio e dos céus; rei dos deuses e governante do Olimpo. Mais poderoso da mitologia grega; filho de Cronos e Reia, salvo pela mãe do temor do pai, que pretendia devorá-lo. O tempo, mesmo sem ter destruído Zeus, continua até hoje devorador… A Cruviana vem muito depois, como divindade do folclore do nosso Nordeste, considerada assim como Deusa dos Ventos ou das Ventanias, sobretudo lenda passada a gerações pelos indígenas do Piauí, ao Ceará, ao Rio Grande do Norte e à Paraíba, nesse aspecto, havia também Tupã.
A Cruviana encarna o vento frio, insuportável, que doía até nos ossos, assobiando pelas frestas das portas e janelas e às vezes abrindo passagem pelo telhado. As ameaças das mães, das tias, consistiam consequentemente em medo: “Vai dormir, menino, a Cruviana vem aí pra te pegar”. Assim criava-se tal assombração. Então, a meninada cobria-se, amedrontada, dos pés à cabeça, à espera dessa coisa apavorante, que de barulhenta ventania se metamorfoseava num fantasma maior do que o largo cobertor. Ela, verbalizada, sempre se associava ao trovão, ao vento e a uma fina neblina. João Saraiva então menino traquino, na Fazenda Malhada da Areia, hoje proprietário por lá de açudes cheios de tucunarés, experimentou esse temor para dormir, sem cantigas de ninar. Ele relata que tais histórias ainda vivem em São José do Brejo do Cruz e cercanias de Catolé do Rocha.
A lenda da Cruviana diz que ela encantava forasteiros com sua suave brisa, fazendo com que eles nunca mais deixassem a região, mesmo depois dos momentos cruéis de seca.
A Cruviana, também famosa por ser Mãe do Ar, Deusa dos Ventos ou Senhora das Ventanias, voava sem asas, percorria ruas e casas, como nevoeiro, durante a madrugada, para fiscalizar a meninada acordada ou dormindo, até casar-se com o amanhecer.
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