Política

Como as anistias da Ditadura Militar ensina sobre as atuais


03/06/2025

Ato pela anistia na Praça da Sé, em São Paulo (foto: Ennco Beanns/Arquivo Público do Estado de São Paulo) Fonte: Agência Senado

Paulo Nascimento

Do Império até os tempos atuais, a anistia é um recurso jurídico que vem tendo uso político por governantes para garantir a estabilidade nacional e suprimir movimentos políticos contrários. O Portal WSCOM vem produzindo uma série de reportagens sobre a anistia ao longo da história do Brasil e as várias formas em que o recurso jurídico foi usado. Esta é a quarta reportagem desta série e recorda a anistia garantida ao fim da Ditadura Militar. Em conversas com historiadores e analistas, nossa reportagem refletiu sobre o momento político culminando na Lei da Anistia de 1979 e os seus frutos. 

Há quarenta e seis anos o Congresso discutiu novas propostas para conceder o perdão para os militares acusados de tortura na Ditadura Militar. Uma estratégia que já foi esclarecida ao longo dessa série de matérias sobre como as anistias se tornaram uma ferramenta importante para a paz prevalecer na nação.

No Congresso Nacional estão sendo discutidos projetos de Lei, como exemplo o PL 2.706/2024, cujo tem o propósito de anistiar todos os investigados de invadir as sedes dos Três Poderes em Brasília. Os apoiadores dessas pautas, muitos desses eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro, argumentam que muitos dos presos eram manifestantes pacíficos e estavam usando a liberdade da democracia para manifestar as suas vontades sobre as eleições de 2022. Entre esses defensores estão senadores como Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Marcio Bittar (União Brasil-AC) e Rosana Martinelli (PL-MT).

“É inadmissível comparar manifestações com a tentativa de subversão da ordem democrática e destruição dos poderes da República”, argumenta o senador Humberto Costa (PT-PE). Já Otto Alencar (PSD-BA) ressalta: “Aqueles que invadiram os prédios públicos não estavam protestando, estavam tentando impor, pela força, a vontade de uma minoria sobre as instituições legitimamente constituídas.” 

Uma pesquisa do Instituto Datafolha realizada em abril deste ano mostrou que 62% da população brasileira é contrária à anistia para os participantes do 8 de janeiro.

Um reflexo do passado?

A reflexão deste assunto, veio o debate de comparação com as anistias dada pelo então presidente militar João Figueiredo na redemocratização da história do Brasil. Na época as anistias foram concedidas por pressões crescentes da sociedade civil lideradas pelo Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA),  em meio ao processo de “abertura lenta, gradual e segura” iniciado por Ernesto Geisel. Com isso, foram liberados vários políticos e permitiu o retorno deles na política, como também concedeu o perdão para os agentes do Estado responsáveis pelas torturas. 

“A anistia de 1979 foi, na verdade, uma anistia recíproca apenas na aparência. Foi elaborada de cima para baixo, e incluía os algozes sob o mesmo manto do perdão destinado às vítimas”, comentou o historiador e cientista político Flávio Lúcio Vieira, “Ela serviu como alicerce para o pacto de conciliação que viabilizou a redemocratização, mas ao custo da impunidade dos torturadores.”

A anistia de 2025: um novo pacto ou um retrocesso?

As comparações das anistias desses dois períodos mencionados levantam análises importantes como se é válido o perdão para aqueles que colocaram a democracia do País em risco e se as anistias atual poderia se repetir em 1979, os militares criaram um ciclo de impunidades para manifestantes que atacassem o regime militar? 

Para os críticos da proposta de 2025 a resposta do perdão atual levaria a mais licença para o Estado perdoar caso houvesse uma segunda vez. “Perdoar os golpistas de janeiro é dar carta branca para que novas tentativas de ruptura institucional ocorram. É sinal de que a democracia brasileira é vulnerável”, argumenta a jurista e ex-ministra do TSE Luciana Lóssio. “Ao contrário da ditadura, hoje temos eleições livres, imprensa independente e instituições sólidas. Não há espaço para concessões dessa natureza.”

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A constituição Federal de 1988 não veda as anistias, mas ela respeita os princípios fundamentais do Estado Direita e a separação dos Poderes que protegem a democracia do Brasil.  A Procuradoria-Geral da República já se manifestou contra os projetos de anistia em tramitação, eles alegaram que muitos dos crimes praticados no 8 de janeiro como tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado, são inafiançáveis e imprescritíveis, e por isso não poderiam ser objeto de perdão.

A justiça e o esquecimento no Brasil

O debate dessas anistias durante essas séries de reportagens e ligando com a de 2025 expõe mais do que divergências políticas ou jurídicas, Ele espelha uma argumentação mais profunda: o da memórias coletiva do esquecimento institucional, o da memória das vítimas e dos bens que foram destruídos e ameaçados com ações antidemocráticas. Em 1979, a sociedade brasileira optou por não rever o passado da ditadura. Em 2025, resta saber se o país fará o mesmo em relação a um episódio recente e amplamente documentado de ataque à democracia.

“O Brasil nunca lidou bem com sua história política. Perdemos a chance de punir os crimes da ditadura, e isso deixou marcas profundas”, afirma Flávio Lúcio. “Agora, temos uma nova oportunidade de demonstrar que a democracia tem mecanismos de defesa e que tentativas de golpe terão consequências.”



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