Paraíba

Colunista reflete sobre relação do homem civilizado com indígenas no Brasil

DIA DO ÍNDIO


19/04/2017



A colunista de meio ambiente do WSCOM, a bióloga Andréa Cavalcanti, refletiu nesta quarta-feira (19), Dia do Índio, sobre a relação do homem civilizado com a natureza e a sua convivência com as populações indígenas no Brasil.

Confira o texto na íntegra:

O homem civilizado se desgarrou da natureza, esqueceu de onde veio, de onde vem o oxigênio e o mantimento para sua vida. Ele menospreza sua ancestralidade, atribui sua existência a um Deus invisível, idolatra um antepassado cujo principal preceito foi o amor, acredita que um modo de vida predatório dignifica o homem e que quem não o pratica é preguiçoso e indolente. O mesmo homem submete outros homens e outras espécies para seu usufruto, produz extinções, extermínios, chacinas, constrói templos, estabelece férias para um encontro anual consigo mesmo, já nem lembra qual era mesmo o preceito, não sabe para onde vai, padece de câncer e depressão.

Entramos na era do conhecimento, que nos convida a refletir sobre nossas crenças, ações e conseqüências de um mundo padronizado. Os novos tempos faz uma chamada para o cuidado e o respeito com a natureza.

As terras do Brasil foram, durante milhares de anos, completamente indígenas. São aquelas terras "tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições", segundo a Constituição de 1988. Este direito destituía a perspectiva assimilacionista, que entendia os índios como categoria social transitória.

O direito dos índios sobre suas terras é classificado como direito originário, anterior à criação do próprio Estado, atestado independentemente de qualquer reconhecimento oficial. O ato declaratório da demarcação objetiva simplesmente especificar a extensão da posse. Cabe à União a garantia dos direitos constitucionais e a demarcação, cujo prazo seria até 1992 e continua pendente, na iminência de ser prejudicado irreversivelmente pelo projeto político de privatização integral das áreas públicas brasileiras. Estas áreas são alvos da privatização pela alta concentração de recursos naturais e biodiversidade que detêm.

O modelo econômico neoliberal, em tempos de crise, de modo ostensivo, tende a se expandir para cima de áreas públicas, com intuito explorar os estoques naturais remanescentes. Estamos prestes a sermos, todo o território brasileiro, propriedade de alguém. O Estado se ocupa em criar um ambiente de negócio para investimento, realiza parceria e concede terras públicas para a exploração intensiva. O atual ministro da Justiça, Omar Serraglio declarou que "terra não enche barriga de ninguém" e o presidente da Funai, que "os índios estão presos ao passado", ambos defendem o esvaziamento da terra para agricultura.

Uma sociedade meritocrática somente teria justiça social se todos partissem de condições de vida similares e não houvesse crescimento com base na exploração e no roubo de direitos. As terras indígenas brasileiras foram desapropriadas, apropriadas ilegalmente (e imoralmente) no passado e seus atuais proprietários não são os donos do mérito sobre o lucro que elas trarão no futuro.

A ideia de assimilação do índio e melhorando do sangue é herança de D. Pedro II e visa a ascensão do homem branco como categoria monocromática, política, ideológica e cultural. O Projeto de “branquiar” o Brasil é um plano etnocida antigo que agora está sendo escancarado como uma tentativa de reverter as conquistas sociais para a ampliação da produção de mercadoria e do espaço para o boi.

Áreas indígenas, assim como Unidades de Conservação, são patrimônio público, inalienável. Nos últimos anos, houve grande aumento no índice de desmatamento nessas áreas. A subtração da vegetação florestal decai na perda da qualidade da água, da biodiversidade e prestação de importantes serviços ambientais, como a captação de carbono, retenção de enchentes, formação de chuvas. Negocia-se milhares de anos de produção e diversidade biológica pelo lucro intensivo de poucas décadas. Se hoje temos uma agricultura fértil, dá-se porque o Brasil ainda tem o privilégio de ter qualidade em água, solo e incidência solar. Não por coincidência, muitas reservas indígenas estão localizadas em áreas de reservas florestais, ricas em minérios e biodiversidade, conhecidas como Hotspots, de elevado valor ecológico, preservavas por eles como modo de sobrevivência e que garantem a reposição dos estoques naturais planetários. O ser indígena tem a condição para a manutenção do seu modo de vida de forma duradoura na Terra, e ainda promovem benefícios para outros povos do planeta.

Os índios possuem uma relação umbilical com a terra, de iminência, de inseparabilidade, têm a terra como extensão do corpo. Retirar o índio do habitat e colocar na cidade é tirar sua fonte de alimentação e sustento, amputar suas habilidades e extinguir sua permanência.



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