Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

VUVUZELAS


15/06/2010

Foto: autor desconhecido.

 Para Glauce Caldas, minha querida amiga de infância, que junto com a seleção brasileira, estréia nova idade.

Escolhi o nome da corneta barulhenta dos africanos, para começar minha crônica de hoje. Confesso que, ainda não estou no espírito da Copa, ao contrário de todas as outras que assisti. Não me empolguei com Dunga. Torci para o Ganso. E Kaká não me faz suspirar. Sou mais Robinho, e, me arrepiei de desgosto ao ouvir o jogador Felipe Melo, tão jovem, com olhos amarelados tão lindos, e tão estúpido, quando define a jalubani assim: “A bola é horrível. É difícil de acreditar que uma bola dessas será usada em uma Copa do Mundo. As outras bolas são iguais mulher de malandro, estão ali para ser chutadas. Essa não. Essa parece uma patricinha, que não quer ser chutada de jeito nenhum”. Se eu fosse o técnico tinha mandado ele de volta para casa, para aprender a respeitar uma bola e as mulheres. E fico a me perguntar se essa não seria uma das defesas das mulheres quando se irritam com o futebol dos homens! O futebol, sempre uma linha de falta e de impossibilidades de diálogo entre os homens e as mulheres. Um clube do bolinha; um passe marcado; uma falta com chute nas nossas canelas; um lugar até hoje de exclusão para o sexo feminino. Não importa quantas Marta tenhamos, e quantas torcedoras empolgadas em campo e fora dele. E se é para uma revanche no mesmo nível, adoro aquela propaganda da cerveja que fala no : maridão, cervejão, bolão, e uma delas rebate dizendo gostar mais de: liquidação e cartão, do maridão! Guerra é guerra! E heresia , heresia. Mas a dos Argentinos também são hilárias. E chega de confusão!
Mas gosto de ver as cores e o barulho da África. E hoje, como todo mundo , estarei à frente da telinha, torcendo e resmungando para Galvão Bueno. Não, não entendi até hoje o que seja impedimento. Mas reconheço pênalti, escanteio, e ao contrário de Danuza Leão em uma de suas últimas crônicas maravilhosas, me aflijo com os 11 homens correndo atrás de uma bola.

Mas gosto mais ainda, das reportagens offroad, produzidas pelos canais de TV. Os arredores das cidades; a longa preparação para o evento; Mandela: Sowetto; as estórias pitorescas; enfim, o que acontece à margem dessa grande festa mundial. Vibrei com Sakira soltando suas feras na festa de abertura. E Pata Pata!

Hoje , confesso que, devido à força dos afazeres cotidianos, não me animei ainda de comprar minha camisa verde e amarela, ou uma Vuvuzela para apitar aqui na sala sozinha. O companheiro? Em Brasília nas convenções partidárias. Os filhos? Todos enturmados. E eu, como gosto de rituais e de solidão na hora do gol, estarei aqui concentrada, sem promessas de ficar nua, claro. Deixarei essa idéia maluca, para Maradona e seu terno auspicioso.

Lendo a Revista Continente (junho), fiquei a ruminar o artigo “A crônica esportiva pode ser considerada literatura?”, debatida entre o jornalista Humberto Santos e o acadêmico Anco Márcio (Prof. UFPE, com quem infelizmente não tive o prazer de ser aluna). O primeiro cita Nelson Rodrigues, e defende que a crônica por si só, já é literatura. E segue falando em isenção, em profissionalismo, aconselhando aos jornalistas iniciantes a não se tornarem “idiotas da objetividade”, também citando Nelson Rodrigues. Já Anco, começa questionando o Tempo, como o fez Santo Agostinho. E define a literatura de acordo os três elementos: a intencionalidade (marcações históricas); o estatuto da ficcionalidade (fingere?fingimento/pacto ficcional), e o terceiro a linguagem carregada de significado (eficácia estética/potencial semântico/caráter trans-histórico). Anco também discute de como esses três elementos da literatura não acontecem na crônica esportiva: a crônica se refere a fatos da realidade; o pacto com o leitor é o da verdade; e a linguagem, sem metáforas e metonímias. E conclui , também citando Nelson Rodrigues, e até reconhecendo sua maior sacada sociológica, quando definiu a seleção de a “Pátria de Chuteiras”, mas reafirma que os outros estatutos da intencionalidade e ficcionalidade, Rodrigues reservou para suas peças , romances e contos. E é taxativo quando diz que a crônica: “seja esportiva ou não – é um gênero puramente jornalístico; o único da família que aspira à trans-historicidade”.

Deixo essa discussão no ar, para boas conversas após o jogo. Em tempos de resgates, memórias, hibridismos dos textos, novos conceitos do que seja literatura, dos blogs, twitters, grafitagens – arte ou não? Literatura ou não? Estudos culturais, moda, futebol, gastronomia, fazeres e a-fazeres, e também citando o próprio Nelson Rodrigues que afirmava que “toda unanimidade é burra”; assim também como Santo Agostinho, citado por Anco, quando dizia não saber explicar o tempo; assim também como é difícil explicar a literatura, tão pouco sei explicar, mas acho que a crônica pode sim, acontecer tanto como uma forma jornalística, como uma também flertar como uma forma de literatura. Que o diga Martha Medeiros, Heloisa Seixas, Adriana Falcão, Nina Horta, Lya Luft, Danuza Leão, Rosiska Darcy, Maria Rita Kehl,e tantas outras, só para citar algumas cronistas literárias contemporâneas.

E entre uma discussão e um gol; entre os beijos dos namorados; os desfiles do São Paulo Fashiow Week (em especial Osklen e Ronaldo Fraga); piccles de pepino, e muito sapoti e pinha (meus objetos de desejo do momento), vou ali comprar uma camisa amarela e sair por aí….

Ana Adelaide Peixoto – 15 de junho de 2010


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