Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Cultura

Vestido de noiva


13/05/2023

 

 

A imagem de Rita Lee que marcou a minha adolescência, foi ela vestida de noiva num festival de música no final dos anos 60. A música era Dom Quixote, uma das melhores dos Mutantes e ela a mais completa tradução de Dulcinéia, a camponesa que se vestiu de nobreza aos olhos de Miguel de Cervantes, o seu criador.

Pela mesma época, a banda acompanhou Gilberto Gil em Domingo no Parque, uma obra prima do co-autor de Panis et Circenses, esse um hino do movimento tropicalista que renovou a música e a arte em geral no Brasil dos tempos de opressão.

Nessa época, eu frequentava a casa de Milton Fernando e seu irmão Marcus Vinicius, esse último um músico excepcional que mais tarde arranjaria o primeiro disco de Belchior com rara maestria.

O fato é que ali se respirava os ventos da renovação e da resistência à ditadura militar e, nesse contexto, os baianos e a menina da terra da garoa roubavam a cena, apresentando para o mundo uma mistura de sons e ritmos.

O tempo foi passando, e alguns anos depois me deparei, já na discoteca da rádio Arapuan, com uma outra Rita Lee, de José e Ovelha Negra, uma canção que traduzia a nova mulher, livre e libertária, em sintonia com o que estava acontecendo na Europa e no resto do mundo.

Ainda era uma ovelha entre lobos malvados e dirigentes vilões, mas, longe de ser um objeto de desejo, empunhava uma bandeira de luta que viria a influenciar o seu tempo e um futuro muito próximo.

Não era mais a Dulcinéia do cavaleiro da triste figura, porque transbordava de alegria, mas continuava sendo a musa e a inspiração da maioria e logo colocou todo mundo para dançar.

Datam dessa fase hits alucinantes como Chega Mais e Lança Perfume e baladas como Desculpe o Auê, Mania de Você e Caso Sério, uma canção feita sob medida para o amor e o prazer.

Fã incondicional dos Beatles, alguns anos depois ela homenagearia o grupo com uma interpretação toda sua dos maiores sucessos do quarteto inglês, show que tive o prazer de assistir na Praça do Povo do Espaço Cultural.

O espetáculo tinha mesas com ingressos mais caros, que ficavam na frente do palco, e individuais, a preços populares, para áreas por trás das mesas.

Um pouco demais para ela que, que ao final da terceira música, convidou os menos favorecidos a chegar mais perto e, bailar com ela, no ritmo das canções que marcou a minha geração.

Assim era a Rita Lee que eu aprendi a admirar com o tempo. Uma eterna mutante que nasceu para brilhar e agora, para minha tristeza, se fez estrela com uma luz que o tempo não vai apagar .


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