Paraíba
Velhos amigos
22/06/2024
O amigo mais velho que eu tenho é um contador de histórias. Na verdade, um cronista que parece se eternizar no alto dos noventa e um anos que acaba de completar, desafiando o tempo e as armadilhas da vida, que não são poucas.
Tive a imensa satisfação de ouvir as suas memórias, e com ele revi o sítio onde nasceu e aprendeu as primeiras letras num ambiente bucólico e de rara beleza.
Já não ouvia bem por essa época e hoje deve estar com a audição ainda pior, mas isso não impede que veja mais que a grande maioria e que consiga traduzir nas letras escutando tão somente a voz que vem do coração.
A verdade é que com ele, aprendi a dar mais valor as pequenas coisas e a respeitar os limites que a vida impõe, coisas que só a maturidade ensina.
Já não caminha a passos largos, é bem verdade, mas de que vale a pressa para quem já andou tanto e a tudo viu nesse quase um século de existência, o que não é pouco para um homem comum.
Sempre foi a minha inspiração e o meu herói, símbolo da resistência e arauto da liberdade, e apesar de ser um nonagenário, para mim continua exalando jovialidade e servindo de exemplo para as novas gerações.
Nunca lhe disse, mas sempre que enfrento desafios ou tento superar problemas, me valho das suas crônicas para tomar as melhores decisões e fazer o que é certo no cotidiano da vida.
Nessas horas, faço minhas as suas histórias e tomo emprestado as suas lembranças, para amenizar as dores e para tentar recomeçar o que deixei pela metade ou incompleto em qualquer situação.
Assim tem sido em tudo e até mesmo no amor. Me vejo nos seus personagens e sofro com as desilusões que não são poucas, e que também são fontes de inspiração. São deles, ou melhor, de suas páginas, as lágrimas que me escorrem das faces.
Porque é na sua ficção, que vejo a verdade em sua plenitude. Na sua visão que enxergo os males do mundo, as distorções da realidade e desenho os planos para a felicidade plena.
No passado, tomei emprestado esses valores de outros grandes escritores de nossa literatura. Nesse tempo ido, bebi na fonte de Drummond, Rubem Braga e Fernando Sabino e no ficcional de Rubem Fonseca e João Ubaldo Ribeiro.
Mas, hoje a proximidade me apresentou a um modesto cronista, que se agigantou no regionalismo de sua cidade e da sua gente e se transformou no grande personagem da minha incursão no áudiovisual.
Um velho, ateu, que se tornou o meu mais novo amigo e que é o mais imortal de todos os imortais de nossa academia de letras. Não apenas pela idade, mas também porque a sua obra transcende o tempo comum. E mais ainda porque superou males e adversidades que lhe fizeram viver muitas vidas em uma.
E também porque é mais que um simples amigo, porque é a própria essência da amizade.
E isso sem escutar uma única palavra que eu falo.
E nem precisa. São quase sempre palavras ao vento.
Obrigado pela sua amizade, Gonzaga Rodrigues.
Vida longa para o amigo.
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