Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Usain Bolt Sou Eu!


03/08/2016

Foto: autor desconhecido.

Já tenho tempo de vida. E me dou conta disso cotidianamente. Seja pelos cabelos brancos, vincos na pele, limitações leves , menos sono, mais impaciência, compaixão, resiliência. Mas esse tempo vivido se elastece quando assisto à retrospectivas. E não foi diferente ontem ao assistir a um programa sobre as Olimpíadas, que começam no próximo dia 5 de agosto no Rio de Janeiro.

Assisti com os olhos molhados à tantas cenas belas de tantos jogos ao redor do mundo, na maior festa do esporte . E as festas de abertura? Mas recentemente a da China e a de Londres, com todas as referências e grandiosidades daqueles países. O papel, as grafias, muralhas e Paul McCartney cantando Hey Jude. De arrepiar! Mas também fui testemunha de tantas coisas: de Munique e as Olimpíadas do terror; Cassius Clay virar Muhammad Ali; a atleta que chegou aos tropeços sinalizando sua maior exaustão e que virou símbolo de resistência; o brasileiro que foi interrompido na sua maratona por um louco; João do Pulo; Joaquim Cruz; Guga; Djokovik, Guga, Emanuel, Nadia Comanece (ah! Como vibrei com aquela menina!); os rapazes da vela; o judô com aquela mocinha do Piauí; do choro de Cielo nas águas ; de Pelps e suas inúmeras medalhas; da russa pulando aos céus com sua vara de condão (para mim a modalidade mais bela e desafiadora – como que se consegue com uma vara se chegar aos céus??); a outra brasileira, Fabiana, que foi , mas suas varas se perderam em algum lugar não identificado, e ela ficou a ver só os céus, mas de longe! e choramos juntas; o rapazinho baixinho que se contorce nas argolas e já deu ouro ao Brasil; os rapazes e as meninas do Vôlei; a tocha olímpica, o urso Panda; e agora o samba na Vila Brasileira. Com todos os canos quebrados e as sujeiras da Baía da Guanabara , torço para que dê certo e que aquele monte de jovens especialistas em arco, flecha, dardos, corridas, ginástica artística, a do cavalo!, nado sincronizado (palmas para Maria Bruno, da seleção brasileira), tênis e tantos outros, consigam chegar ao pódio. Vou torcer por Bolt – e todas as suas pernas e gingados.

Eu devo de ter algum problema com o esporte. Em ocasiões como essas das Olimpíadas, fico à flor da pele. Choro com os atletas! Mas não é um chorinho bobo com meu coração. É um soluço sentido mesmo. Como se eu própria estivesse ali com o olhar fixo no cronômetro/vara/marca de chegada. Meu corpo treme de tensão, como se aquele limite fosse o meu. Cada medalha, cada superação, cada fracasso, eu sofro, grito, torço e me arrepio. No atletismo então! As modalidades individuais, onde o sacrifício for a palavra, eu choro de soluçar como que vestisse aquele corpo que não é meu. Tenho consciência de que não é uma torcida ordinária qualquer. Mas uma transferência sim de sentir aquele sentimento que, só quem se atreve a competir nos esportes ou quaisquer outra prova desafiadora, sente. E como sou quieta e avessa à vertigens literais (as simbólicas eu encaro!), faço uso inconsciente talvez, do momento do outro, para viver os meus próprios medos e limitações inacessíveis. E eu nunca gostei de Educação Física, nem de praticar esporte algum. Vai ver que é isso! Freud explica!

Mas ao assistir à retrospectiva das Olimpíadas, outros tempos invadiram à minha linha de chegada. O Record da vida! Dou-me conta de que já tenho um século de vida. Eu juro! Fiquei pensativa a lembrar do tanto de coisas que já presenciei. E nem falo da minha vida pessoal – onde já aconteceu um tanto também. Falo do mundo. Já assisti o homem ir à Lua! Vivi – de longe e pela TV, graças a Deus, à tantas guerras – Vietnã e todas as outras; já vi tanta gente querida morrer de velho ou no auge da juventude; vivi no mundo das cartas e telegramas – ir ao Correio; assisti ao surgimento do mundo/vida virtual – internet – computador e celulares; vi surgir a pílula anticoncepcional e as mulheres terem direito ao prazer e à uma vida sexual mais livre; a homossexualidade deixar de ser crime, desvio, para ser uma orientação; tantos avanços tecnológicos, tantas doenças novas, e tantas infelicidades da alma e todos os seus tocs e bipolaridades literais e subjetivas.

Portanto, quando alguém questiona a minha idade, ou quando vem um leve impulso de remoçar alguma coisa, ou até mesmo aquele famoso elogio – tantos anos? Nem parece! Parece menos! Fico a me perguntar – como menos? Quase um século de vida! E todos esses acontecimentos não podem caber em menos! Sou um poço de anos e de coisas. Nos meus olhos passam filmes – tantos e de tanta beleza. E tristeza também. Vejo gente morta! Como dizia aquele menininho do filme – O sexto sentido, uma infinidade de saudades das partidas. E chegadas! Eu que me vejo uma menina lá atrás comendo jambo e observando o mundo, viajei tanto, casei três vezes, tive dois filhos, me separei duas, fiquei viúva, me sinto só, rodeada de gente, vivendo a vida vibrante e misteriosa, e tentando acompanhar a velocidade do mundo. Alguém consegue? Já sei dos meus limites. Já faço parte de uma outra geração. Minha língua já é outra. O meu sentir já vai longe….e nem o Usain Bolt me pega.

E por entre dardos, pulos, gols, cortes, arremessos, nados, vexames, glórias e fracassos, e nas minhas graciosidades da minha ginástica solo, sigo. Acompanhando os dias, as minhas horas, e as Olimpíadas.

Torcendo!

Ana Adelaide Peixoto – 1 de agosto ,2016
 


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