Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Um Retrato – Não Tão Jovem Assim….


04/03/2015

Foto: autor desconhecido.

Para as Mulheres Velhas. E as Jovens também


Se não foste feliz quando jovem, certamente que tens agora tempo para o ser.
(Simone de Beauvoir)

Há mais de 20 anos escrevendo sobre As Mulheres e seus assuntos, constato que, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, já não tenho mais tanto o que falar. Embora o tema seja inesgotável. Mas o que muda é o meu olhar, pois assim, de adolescente, virei jovem, mulher adulta e eis que agora posso dizer que começo uma nova década. A dos 60. E desse lugar, penso e reflito sobre o que é ser uma velha-jovem, ou uma jovem-velha!

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Sempre que leio esse poema de Cecília Meireles sinto um soco no estômago. E , assim como ela, também me pergunto por esse espelho mágico em que se perdeu a minha face. Com o passar dos anos, é difícil sim, se reconhecer nas dobras, nos encolhimentos, nos desbotados, ou arregalados espantos diante do tempo.

E foi pensando nesse rosto que não se rende ao instante que, esta semana, me pus em pose para umas fotos/portraits. Mas antes que a máquina disparasse, fiquei a me perguntar quem eu era, para que pudesse sair na foto, como um rosto que não tivesse se perdido nas nódoas do meu próprio acaso.

Em tempos de alta exposição e de pau de selfie, como juntar os pedaços de mim numa foto só? Que artifícios me fazem eu? Um olhar mais baixo, sisudo, um sorriso mais escancarado, um rímel, um batom vermelho, um lenço esvoaçante, um colar, um brinco, um gesto suave, ou mais brusco, uma rusga, uma sobrancelha mais arqueada? São tantos detalhes que nem que eu tirasse mil fotos, ainda assim conseguiria tirar o meu retrato. Inda mais hoje, quando uma parte de mim é só vertigem e uma outra estranheza e fundo sem fundo! E como traduzir a outra parte? Se me vejo permanente e delirante?

São tristezas e alegrias concomitantes. Como dizer esse paradoxo somente no click Blow Up? Como me apresentar ao distinto público? Me dou conta de que os anos passam/ram, e onde foi mesmo que perdi o meu rosto? Uma risada mais sem compromisso? Um olhar mais sensual? O canto da boca irônico? Uma expressão safada? Ou santa? Somos todas doidas e Santas, não é Martha Medeiros?

E com os cabelos vermelhos e afogueados, agora mais escuros e com mechas , vou pinçando uma ruga aqui, uma gordura acolá, uma limitação física, muitas emocionais, um corpo que cai – sem direito ao glamour do próprio filme. Dói o pé! E o acordar é sempre manso. E incrédulo. Nada de correria, pois nada é para já! E na verdade, queria que o sonho continuasse. Ouvindo John Lennon, se possível.

Difícil envelhecer? Óbvio. Perdemos não só a juventude, mas a importância no meio em que vivemos. Através da velhice da minha mãe, tenho vivido a minha própria. Uma vivência antecipada. E não gosto do que vejo. No ocidente, ficar velho já é uma morte anunciada. Ao contrário de outras culturas que, quanto mais velho, melhor! mais sábio e mais respeitados. Hoje então, quando a juventude e o efêmero, assumem proporções sem número, o que teria de dizer alguém de cabelos grisalhos?

Minha geração, está velha! Ou entrando na velhice. Sim, não gosto de outros termos no diminutivo. Mas quero o termo de que me é de direito, mas também associado à movimento, vida, à criatividade, e por que não ao amor, claro!

A velhice vai chegando sorrateiramente. Um cabelo fora de ordem se constata! aquela saia curta que já não pega bem; aquele olhar mas em névoa; uma certa irritação ao ver a irreverência jovial; uma comida que já não dá para exagerar; um copo a mais, as olheiras, uma impaciência tardia, algumas certezas e muitas dúvidas. Mas não mais tantas dúvidas em relação à vida – é chegada a hora em que a finitude começa a bater à porta.

Simone de Beauvoir, escreveu sobre A Velhice: “A velhice não é um fato estático; é o resultado e o prolongamento de um processo. Em que consiste este processo? Em outras palavras, o que é envelhecer? Esta ideia está ligada à ideia de mudança. Mas a vida do embrião, do recém-nascido, da criança, é uma mudança contínua. Caberia concluir daí,como fizeram alguns,que nossa existência é uma morte lenta? É evidente que não. Semelhante paradoxo desconhece a verdade essencial da vida: ela é um sistema instável no qual se perde e se reconquista o equilíbrio a cada instante; a inércia é que é o sinônimo de morte. A lei da vida é mudar.” Mudemos pois, cotidianamente! Ou não. Sou acomodada no cotidiano da vida. E não tenho a urgência de fazer muito. Sei que o meu ritmo não é apressado. E há essas alturas não me venham me apressar.

Para as mais bonitas, tudo é mais difícil. Estão aí as divas do cinema, as musas, as belas de todas as tardes. Entendo hoje o comportamento de Greta Garbo que nos seus Cinquenta tons de várias cores, se refugiou no anonimato de Nova York, e lá viveu seus dias de off Glória, e de cotidiano das pessoas comuns. Uma forma de sobrevivência , com certeza!

Outras se refugiam no em busca do corpo perdido. E vamos a La Playa! E vamos ao esteticista, academia, ortomolecular, tudo muito além de uma simples busca pela saúde, mas uma busca do poder que o corpo dá. Uma busca não mais pela beleza transformada, mas pelo viço e vigor perdido. É uma fórmula sim. Como tantas outras. Muitas vão em busca do poder do intelecto, outras se encolhem nas vidas dos outros, dos filhos e dos netos. Essa escolha, eu particularmente não gosto muito, pois uma vida toda minha é soberana. Filhos e netos que venham. Mas para iluminar e complementar um percurso e não como uma única saída para o meu vazio existencial.

A antropóloga e escritora Miriam Goldenberg também se lançou nesse impulso quem sabe para falar da “nova velhice” em seu livro: A Bela Velhice: “a velhice não é um problema para quem não se preocupa apenas com beleza. para muitos, é a chance de se libertar das obrigações da vida adulta e dar início a projetos e atividades criativa.

E por fim, leio o texto da minha querida amiga, Sarita Vieira, “ A vida só começa com a memória”, em Impermanência (Org. por Regina Carrancho, 2014), e me vejo literalmente nas memórias de Selma, (a protagonista/narradora-talvez uma persona da própria Sarita), desse passeio pelas memórias de alguém que se encontra ímpar que não tem com quem jogar frescobol na praia. Selma se pergunta sobre o que é envelhecer. Estar só por opção, ler três livros simultaneamente, constatar sua casa silenciosa, dar fé do sumiço das suas músicas preferidas, não ter para quem cozinhar, achar que as mulheres escutam mais que os homens, concluir que as pessoas brigam muito, se orgulhar de que foi alguém pelo trabalho, sentir saudades do bar carioca Amarelinho, do viver em grupo e o amor romântico, colecionar livros, e receitas de Nina Hora.! E devagarzinho se dá conta de que mantém a chama da vida. Compra flores. Arruma as frutas na mesa. E ouve Nina Simone. Antes dos 50 tons de cinza. Eu também Selma: I put a spell on you! Sua vida estava ali e pronto!

E assim como Selma e Sarita, me basto com o que de simples me acontece. Já não preciso de aventuras. Aventura não é escalar montanha! Disse M. Medeiros em seus poemas. Aventura pode sim ser esse percurso de conhecimento e uma certa quietude diante dos dias.

E  não mais de insustentáveis levezas, mas de rostos, retratos, vincos, sabedorias, pequenos êxtases, cantos, movimentos, impermanênias, solidão, comportamentos inesperados, alguns arroubos, e ainda, uns poucos ímpetos apaixonados, vou descobrindo caminhos e pedregulhos da minha bela velhice of my own!

Ana Adelaide Peixoto Tavares – João Pessoa 02/03/2015


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