Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Opinião

Um julgamento sem o juridiquês


29/03/2025

A sessão do julgamento de admissibilidade da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, no processo que deve decidir sobre a participação de políticos e militares como idealizadores e promotores da intentona golpista, que culminou com os atos de barbárie do dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, ocorrida no Supremo Tribunal Federal, prendeu a atenção não só pela importância da pauta, mas também pela ausência do emprego do juridiquês.

Estávamos acostumados com o uso do palavreado técnico e rebuscado com que os profissionais do Direito atuam nas sessões de julgamento. Além de tornar-se enfadonha, monótona e chata, essa linguagem predominante deixa o público leigo com dificuldades para compreender o que está sendo exposto nas decisões judiciais. Isso faz com que a sociedade não tenha condições de receber uma comunicação jurídica de forma inteligível.

Os advogados e, principalmente, os ministros da Primeira Turma do STF inovaram nesse sentido durante todo o desenrolar da sessão de julgamento que aceitou a denúncia da PGR e colocou como réus figuras proeminentes do nosso mundo político e militar, os principais articuladores do plano frustrado de ruptura democrática em nosso país. As palavras desconhecidas e complicadas, normalmente utilizadas por advogados, promotores e magistrados, foram substituídas por expressões bem mais simples, numa linguagem coloquial. O julgamento prendeu a atenção de todos durante os dois dias porque não foi escolhido o tão irritante e indecifrável “juridiquês”, com termos exclusivos da linguagem técnico-jurídica.

Tudo aconteceu de forma clara, objetiva e expressa para ser cumprido, com conteúdo lógico e contextual, sem dificuldades de interpretação. Foi fácil entender todas as manifestações, tanto dos advogados de defesa quanto dos juízes. Não restaram dúvidas quanto à compreensão do que estava sendo decidido. O importante fato político não ficou perdido nas questões jurídicas. O atentado perpetrado contra as instituições democráticas, de que foram acusados os denunciados, foi explicado de maneira convincente e sem complicações. Por significar uma virada de página da nossa história política, era necessário que assim se portassem todos os atores desse evento jurídico.

O rompimento de uma cultura histórica de impunidade aos golpistas fez com que fosse mantido, entre nós, o sonho republicano de termos efetivamente uma democracia plena. Esse processo de mudança precisa ter continuidade. A ação penal agora aberta deve seguir o rito processual da mesma forma, garantindo direitos de defesa, mas sendo firme e objetiva na consequência do que se pretende, ou seja, a aplicação das sanções cabíveis a cada criminoso que passou a sentar-se no banco dos réus. O ineditismo da decisão prolatada é, sem dúvidas, uma demonstração da institucionalidade democrática em nosso país. Sigamos em frente. E sem anistia.


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