Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Justiça

Um julgamento histórico


17/06/2025

Ex-presidente Jair Bolsonaro, réu na Ação Penal (AP) 2668, acompanha a sessão de interrogatórios no STF. (Foto: Gustavo Moreno/STF)

O Brasil está assistindo, com especial interesse, ao julgamento histórico que analisa a trama golpista iniciada no governo passado. O Supremo Tribunal Federal, tendo como relator do processo o ministro Alexandre de Moraes, colocou no banco dos réus, além de um ex-presidente da República, sete integrantes da cúpula do governo, dentre eles cinco militares das Forças Armadas. É algo inédito na nossa história.

Na semana que se findou, por transmissão direta pela TV, o país teve a oportunidade de acompanhar a fase de depoimentos dos réus. Ficou muito claro que as acusações contidas no relatório apresentado pela Polícia Federal — um calhamaço de 884 páginas — resultaram na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, aceita pelo STF, demonstrando o roteiro completo da frustrada tentativa de golpe de Estado.

A decisão do ex-presidente de enfrentar o Poder Judiciário revela-se desde a sua posse, há sete anos, por intermédio de um dos seus filhos políticos, o deputado Eduardo Bolsonaro, quando declarou que, para fechar o STF, “bastava um jipe com um cabo e um soldado” — uma espécie de sinalização do que estaria por vir. Assim se iniciava o roteiro para desmoralizar a democracia. A partir de então, ocorreram sucessivas declarações agressivas e desrespeitosas do presidente e de seus filhos contra as instituições, com acusações sem provas e ameaças de ruptura do Estado Democrático de Direito. Mas não podemos dizer que foi praticado um estelionato eleitoral. O presidente eleito em 2018, durante sua trajetória política, sempre se mostrou um radical de direita e um ex-militar que expressava nostalgia da ditadura que o país viveu no passado. O que quer dizer que ele não enganou ninguém.

O discurso de ódio tornou-se a retórica dominante nas manifestações públicas promovidas, criando um clima permanente de tensão e apostando num cenário de caos para tentar justificar a aplicação de um ato de exceção. A violência era exibida em ações e palavras, de forma irresponsável e inconsequente, num explícito flerte com a forma autoritária de governar. Relembravam, com entusiasmo, os tempos em que o país viveu uma ditadura militar. Durante os quatro anos de seu governo, a institucionalidade esteve permanentemente ameaçada.

Em 2022, já antevendo uma derrota nas eleições para a Presidência da República, tomado pelo desespero, apressou as ações de planejamento do golpe. As investigações efetivadas pela Polícia Federal, o relatório detalhado da Procuradoria-Geral da República e os depoimentos prestados pelos réus na semana que passou mostraram que o 8 de janeiro não foi um ato isolado. Fotografias, vídeos e troca de mensagens em grupos de extremistas revelam que tudo aquilo foi premeditado e organizado. Portanto, não foi nada espontâneo. Foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens que revelam a marcha da ruptura democrática. O 8 de janeiro foi a culminância de todo um processo que objetivava colapsar o sistema e tomar o poder de assalto. E aqueles vândalos acreditavam piamente que isso pudesse acontecer. Perceberam que não dava mais para esperar as prometidas 72 horas para a deflagração do golpe. Partiram para o tudo ou nada. Na verdade, foram estimulados a isso. A última cartada.

O julgamento em curso é, sem dúvidas, de grande importância histórica. Os oito réus do chamado “núcleo 1” da trama golpista, em nenhum momento contestaram as verdades apuradas nas investigações. Nem tinha como, as evidências eram muito fortes. Limitaram-se, alguns deles, a afirmar que não participaram dos episódios denunciados. Houve até quem pedisse desculpas por declarações proferidas contra o ministro relator, incluindo aí o líder do grupo, o ex-presidente Bolsonaro. Numa postura que surpreendeu, ele se manteve, o tempo todo, tratando o ministro Alexandre de Moraes com deferência, bem diferente dos ataques perpetrados anteriormente em manifestações públicas diante de seus seguidores. Chegou a classificar esses seus fiéis admiradores de “gente maluca”, por terem reivindicado, nos acampamentos em frente aos quartéis, a reedição do AI-5 e a intervenção militar. O leão deixou de urrar e passou a miar, mansinho, para desgosto dos que vivem na sua bolha ideológica.

Essa foi uma fase importante do processo, que está próximo do fim. O interrogatório não trouxe nada de novo que pudesse alterar a percepção dos crimes cometidos contra a democracia brasileira. O Brasil agora espera que a sentença seja prolatada, o que deverá ocorrer entre os meses de setembro e outubro deste ano. O devido processo legal esta sendo respeitado. A democracia está vencendo.

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