Ramalho Leite

Jornalista, escritor e historiador.

Geral

UM DISCURSO DE SILVA MARIZ


24/08/2016

Foto: autor desconhecido.

A crise hídrica do nordeste tem os seus olhos voltados para a transposição de águas do Velho Chico destinadas aos estados que não possuem rios perenes. Entre nós, o volume de Boqueirão chegou ao seu nível histórico mais baixo. Há uma corrida em evidência para ver quem chega primeiro: o inverno ou as águas do São Francisco. E dá para Campina e seu entorno esperarem? Não sou técnico no assunto mas acompanho sua evolução. Causa admiração que esse problema secular não tenha ainda uma solução definitiva. Desde que o Brasil é Brasil, seca no nordeste virou tema cíclico de discursos inflamados e promessas n ão cumpridas. No Império ou na República, vários caminhos foram apontados para a convivência do nordestino com as secas. Persiste o problema. Que as águas do “rio da integração nacional” não sejam uma panacéia e, resolvam mesmo, nosso problema de abastecimento d’água.

Nos primórdios da República, a construção das estradas de ferro era apontada como medida eficiente de combate aos efeitos das secas. Assim pensava o deputado Silva Mariz, quando em discurso na Câmara Federal, em 02 de outubro de 1896, fez o seguinte pronunciamento falando sobre a Paraíba: “ A zona é estéril para a agricultura, mas é riquíssima para a creação pastoril.Apezar de não chover alli por muitos mezes, a creação produz muito bem, devido a especialidade do terreno que é coberto de muitos arbustos forrageiros, salientando-se a família dos cardos. De Batalhão (Taperoá) para o alto sertão teremos novas dificuldades a vencer na descida da Borborema, mas a florescentíssima Villa está ás portas da fertilíssima zona do alto sertão, onde, além da industria pastoril, se cultiva em grande escala o algodão, a canna de asssucar e todos os cereaes. Sei Sr. Presidente, que se procura eliminar a Central da Parahyba,(Linha férrea central) dando-se como ponto de parada Alagoa Grande. Mas o senhor ministro da Industria e Viação não pode se estribar na autorização que lhe deu o Congresso no §7º do art. 6º da lei nº 360 de 30 de dezembro do ano passado, porquanto essa mesma lei determinava o prolongamento de Mulungú a Campina Grande destinando verba de 400:000$ para a continuação da sua construção que já se achava feita até Alagoa Grande e que hoje j&a acute; se acha á mais de dous kilometros além daquelle ponto.E tanto é certo o que afirmo, é que o illustre ministro em suas tabellas pede verba para a continuação da construção além de Alagoa Grande”.

Aparteando, o deputado Lauro Muller lembra que o decreto do ministro marca Alagoa Grande como ponto de parada. “É exatamente o que estou combatendo” , frisou Silva Mariz. Não se dando por satisfeito, o paraibano verbera que o ministro não poderia determinar o final da linha férrea em Alagoa Grande, pois o Congresso determinara sua parada em Campina Grande, destinando recursos pára tal.

E conclui o deputado Silva Mariz:” Si o governo tivesse vistas largas, há muito teria estudado os meios prophyláticos de combater as calamidades provocadas pelas seccas periódicas que afligem os três infelizes estados do Norte- Ceará, Rio Grande do Norte e Parahyba e nunca se lembraria de fazer paradas, nem mesmo provisórias de suas linhas férreas”. Como se observa, naquele tempo se vinculava a construção de estradas de ferro às obras contra as secas, para gerar emprego, melhorar as comunicações e fomentar o desenvolvimento. A estrada Independência/Picuí, por exe mplo, que nunca foi concluída, pretendia ligar a área do brejo ao curimataú atingindo o semi-árido do vizinho Rio Grande do Norte.

Mas quem foi Silva Mariz, haverão de perguntar. Era médico nascido em Souza. Ingressou na política no período imperial, filiando-se ao Partido Liberal. Aderiu à República, elegeu-se deputado e participou da primeira constituinte estadual. Em 1894 foi ungido deputado federal, reeleito em 1987 e em 1900. Tomou assento na Câmara, no Rio de Janeiro, até 1902. Seu filho, José Marques da Silva Mariz, deputado estadual a partir de 1928, participou da revolução de trinta e foi interventor estadual. Voltou à Assembléia em 1951 e terminou seu mandato em 1953 quando veio a falecer. Silva Mar iz era avô do deputado federal, senador e governador da Paraíba, Antonio Marques da Silva Mariz e do conselheiro aposentado do TCE, José Marques da Silva Mariz.

Como médico, Silva Mariz era um cientista. Clinicou muitos anos no sertão e, em Souza, mantinha uma farmácia onde manipulava medicamentos aproveitando plantas medicinais da flora regional. Seu neto Antonio Mariz, quando perdeu a eleição para governador ficou com tempo disponível , e passava as tardes na Biblioteca Nacional, no Rio. Tentou o verbete Mariz, tentando encontrar Celso ou mesmo suas publicações parlamentares. Encontrou a “These” que seu avô defendeu ao se formar em medicina. Sua dissertação versava sobre os efeitos terapêuticos de alguns espécimes florais.Sil va Mariz é nome de uma rua no bairro de Cruz das Armas.( Nas transcrições mantive a grafia da época.Jornal A União, nº 936, ano de 1896)
 


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