Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Entretenimento

Um Closet Todo Meu


03/12/2020

Uma cômoda com quase trinta anos. Guarda Roupas baratos igualmente balzaquianos. Estantes de ferro que abrigaram tantas coisas. Tudo pronto pra festa da Garagem! Resolvi fazer armários finalmente. O chão coalhado de malas, caixotes ainda da mudança. A pandemia me literalmente colocou contra a parede!

Planeja, escolhe, arquiteta, contrata, Pinterest, espaços, aproveitamentos, ombreiras, gavetas, sacos de tecidos, fantasias antigas, chapéus, bolsas tantas!  Echarpes de quem mora no hemisfério norte – pra onde eu vou?

Marceneiro. Materiais e nomes de brancos (Antígua, Cotton), beges e outros tons de cinza. Gosto de cor. Mas, um guarda roupa rosa choque? Ou azul profundo? Não dá. Muito Rita Lee para o meu rock and roll. O galpão do marceneiro fica perto do crematório. A cada ida lá, um olhar triste para aquelas salas. A mata ao lado. Uma atmosfera triste. E eu, a pensar em closet. Em madeira de nó. De cupim não rói. Haja saudades dos tempos das minhas estantes simples e roupas de um casal que dividia as gavetas.

A cama? Gostaria de um encosto de cor roxa. Kitsch como pede meu sono. Mas tem ácaro. Desisto. Que gosto mais esquisito o seu!

Esvazia o quarto. Novamente de mudança. Ai ai! Deprimo. Como posso ter tanta aversão às mudanças? Logo eu que gosto de viajar e perambular pelo mundo. Mas minha casa, minha vida. Meu canto. Sagrado. Passei horas assistindo é de casa e os programas do GNT. A casa da artista plástica Pink Wainer. Amo suas aquarelas. Queria tanto aprender. Ela disse que o importante é a mancha! Isso! A mancha com aquelas cores borradas e desbotadas, a se mesclarem na branquitude do papel. Como a vida. Depois a casa da sua filha , Rita, também artista. A dizer que não tem casa. Que sua casa está dentro de si. Pensei sobre isso. No caracol. No jaboti. Que carregam as suas casas na cabeça. Rita, foi morar no Rio (é de São Paulo), por que queria morar perto do mar. Eu também. Há 36 anos vim para o Bessa. Mar e Caju. Melão maduro sapoti joá! Wide Sargasso Sea.

Voltamos ao Guarda Roupa. Minha sobrinha, Marieta, me diz que é para eu jogar tudo fora! Mas esse monte de cabides de madeira? Não . Compre de silicone tudo igualzinho. Organiza melhor. E quem disse que me organizo assim?  E as minhas roupas enxovalhadas? para onde vão agora? Tinha uma cadeira no meio do caminho…que eu ia jogando as roupas usadas. Mas em pandemia, uso as mesmas. E as mesmas enjoei. Vou botar no site – sabe aquele casaco que comprei na Islândia? Que nunca vou usar em Araxá? Enjoei. Já eu me pergunto: e aquela sacola de meias calças coloridas, arrastão, de listas, verde musgo, de bolinhas, compradas em Camdem, em Carnaby, em Covent…ou em San Telmo. Pensando em viajar muito, minha filha?

Agora, o marceneiro está ali num baticum, esfoliando as portas, as gavetas, e eu, sem lugar. O sofá da sala? Meu filho cochila após o almoço. O escritório? Entupido dos entulhos do quarto. E eu, encurralada aqui nesse cantinho do computador a escrever essa crônica.

Ah! Os guardados! Como se pode ter tantas coisas. Queria ter duas roupas. Dois brincos. Duas sandálias e um pijama de bolinha, Um robe de cetim bastava. Um legging para caminhar. Um short jeans. Um soutien da Lupo. Uma túnica solta. Um colar de missangas. Uma canga salgada. Um maiô composto para o novo corpo. Uma saia rodada. Pronto. Mas, qual o quê? Só Carolina não viu!

Nas eleições, de domingo, votei cedo pra longe dos bolsomínios, vou arrumar tudo de volta. Agora com brancos e amadeirados, revestimentos e uma sapateira toda minha. Imelda vai ter inveja. Vou fazer um rapa em tudo, mas com certeza, o meu baú de tecidos , de panos das lojas Nações Unidas que não é a ONU, do Armazém do Norte e da Xepinha, esses ficarão. E eu passarinho! Um dia, quem sabe, viro costureira, copio de Ronaldo Fraga, bordo que nem Inger Mara e invento cortinas, cantinhos e planilhas que nem Lu Damasceno.

Quem sabe? Um dia!

Ana Adelaide Peixoto 


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