Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Um Amor Inesperado: De abismos e de intimidades


16/04/2019

Foto: autor desconhecido.

Para Juca (In memoriam), o meu amor longo e íntimo. E com abismos!


Sempre achei mais fácil fazer uma cena de guerra ou aventura do que filmar o cotidiano, o não dito, o silêncio das pausas.  Sou adepta de rotina e da intimidade. Acho duas coisas preciosas. O conhecer tanto o outro que não nos deixa mais ficar des-confortáveis frente às agruras do dia a dia. Mas, claro que, esse estado de intimidade não se pode tão pouco esquecer o fio da navalha que mantém o fogo da paixão aceso, Quase sempre. Uma pitada de mistério, de incertezas, faz bem a qualquer casamento duradouro.

 

Um amor inesperado – filme argentino, 2018, de Juan Vera, não traduz El amor menos pensado, título em espanhol! O título no original nos remete à um amor mais sentido/vivido e menos calculado. Que é justamente o que acontece com o casal protagonizado pelo festejado ator argentino, Ricardo Darín (Marcos) e Mercedes Morán (Ana) que, diante do ninho vazio, sentem falta do abismo da paixão que, depois de mais de 20 anos de casados, percebem-se não mais nesse estado de enamoramento. E é a partir dessa falta, uma ausência que não ousavam dizer o nome, que o casal se lança numa busca por acontecimentos (vertigem) no amor e na vida pessoal de cada um.

 

O filme  começa com um homem numa biblioteca lendo as primeiras linhas do romance Moby Dick, de Herman Melville. “Alguns anos atrás – não importa precisamente quantos –, tendo pouco ou nenhum dinheiro na bolsa, e nada que me interessasse particularmente em terra firme, decidi navegar um pouco por aí e ver a parte aquosa do mundo. É um jeito que tenho de espantar a melancolia e regular a circulação do sangue.” A parte do “nada que me interessasse particularmente em terra firme”, veremos a seguir,  o vácuo existencial que move os personagens dessa  nova comédia romântica que nos faz pensar sobre o amor de um casamento longo. Mas não só.

 

Os olhares, a gestualidade, os jogos de aproximação e distanciamento, os diálogos movidos à base do respeitoso tratamento, tudo isso seduz os espectadores…… A tentativa de novas relações com outros parceiros se mostra importante despertando para o necessário reaquecimento da sexualidade do casal, experiência sempre ameaçada pela enfadonha convencionalidade da instituição matrimonial… O filme é despretensioso, despojado, optando por flexionar a aproximação das fronteiras entre os pares, numa comédia de costumes, sem chegar a cansar o público. (Cláudio Paiva)

 

Em Um amor inesperado, somos levados a dar risadas frente às situações hilárias desse casal. Humor refinado (impagável a cena do Marcos,  quando encontra uma  mulher num bar, através do Tinder, e ao se ver ultrapassado na conquista, frente à uma mulher tentando a todo curto ser moderna, mas exagerada nas preliminares!). ou ainda a de Ana, quando toma absinto e se vê ridícula frente a um espelho, mas não resiste aquele encontro pra lá de exótico!

 

Trilha sonora inspirada, com direito à Wando e Meu ia ia , meu iô iô. O destempero dos homens de meia idade frente às novas conquistas. E a agressão às suas mulheres com fotos de outras histórias cotidianas. O cotidiano é o que realmente agride quando se trata de traição. E uma hora lá, a amiga de Ana se sente mortalmente ofendida com uma foto qualquer do seu marido numa situação banal. A banalidade pertence aos íntimos. E a “Felicidade é Pornográfica!” analisa seu amigo. Ninguém suporta ver o seu amor em cena corriqueira representando um casal de verdade e não mais um caso, ou pulo fora da cerca , como assim denomina a sociedade machista.

 

Diálogos incríveis; divertido; instigante. Ricardo Darin, como sempre um show de sutilezas e interpretação maravilhosa; Mercedes Morán (não conhecia); linda e com questões da mulher madura, e outros temas interessantes a um casamento de 25 longos anos. Apaixonados? nem sempre a paixão exasperadora dos primeiros anos de casados são tão cruciais assim ao longo dos anos. A intimidade é a questão!

 

História tão inteligente e tão bem contada dos encontros e des-encontros amorosos com o marido/mulher e fora deles também. Mudanças de estado civil; troca de parceiros, mas principalmente a dança, pode sim ser um caminho para se viver mais sensorialmente e menos cerebralmente. Como na cena da mãe de Ana, que com mais de 80 anos, encontra um namorado que, num momento de tristeza e desesperança de Ana, lhe tira pra dançar. E junto com sua noiva idosa, bailam. Celebram esse amor. Uma bela lição de que o amor acontece até o fim da vida. Viva a dança! e Viva o amor maduro!

O mais lindo mesmo, é assistir a esse casal dar a volta nas conquistas e atropelos e re-conhecerem que, conhecer o outro, ter uma vida calma e apaziguada de amor que ultrapassa os anos, um conforto amoroso, vale sim, muito. Tanto quanto acontecimentos mirabolantes daquelas paixões que sentimos quando o click da sedução nos arrebata.

 

“Não se afobe não que nada é pra já”. Já cantava Chico Buarque!

 

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 12 de abril, 2019

 


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