Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Três estórias


08/06/2010

Foto: autor desconhecido.

COMPRAR UM CARRO – Ai , até parece uma delícia trocar um carro. Mas como nós mortais padecemos para comprar algo de valor! Primeiro sonhar. Depois, pesquisar. Ver as propagandas maravilhosas: Uni duni tê, salamê mingüê!!!!!!! Um sorvete colorê prá você! E o meu coração queria um sorvete desses. Mas e o bom senso! 3 homens grandes e eu espremida, não dá! Vai, faz test driver. Percorre o estacionamento: um montão de carros! Preto, cinza, vermelho. Adoro carro preto, mas o Palio preto…sei não, me pareceu fúnebre. Ou chapa fria. E aí chego num feirão às 9 da matina, num sábado. Quando vi, já eram 3 da tarde. Uma maratona! Um calor infernal. Uma fome. Uma solidão! Ninguém para me ajudar a resolver: financiamento, cor, prazo, seguro, película, som na caixa! Procura-se um acompanhante. Tenho uma amiga, que tem um amigo que faz tudo isso com ela: liga para a concessionária, pechincha, vai, bota no colo. Ai ai! Uma moça muito gentil, de nome Suellen me atendia. Muita paciência nessa hora. As mesas lotadas de gente como a gente. Aquele senhor gordo, meio se achando, com um olhar 33…; aquela senhora mal engembrada; aquela estudante primaveril – primeiro carro. Acho que os pulos talvez sejam maiores que os do primeiro amor!! E eu lá. Finalmente, às 3 da tarde, com um semblante pós guerra, pálida e desconsolada, os papéis se organizaram. Eis que, depois de ouvir 20 badaladas de um sino e uma sirene (ritual da loja para incentivar as vendas), me rendi ao barulho e quando dei por mim, estava feito criança, batendo o sino pequenino, sino de belém belém. Mas como sou lambujeira e desarrumada, não tinha os recibos, nem as chaves; a carteira havia vencido, e o carro precisava emplacar. Não, não me denunciem, pois estava no prazo. E dia seguinte estava numa fila no DETRAN: tem que fazer uma prova: primeiros socorros! Socorro! avistei dois colegas do passado, da lagoa, da cidade, do colégio. Por favor, o que faço? Tira ali uma foto. Que foto horrorosa! Toda uma denúncia do meu tempo mal-humorada, ou será da idade mesmo? Uma senha! 39, Senhora. Precisa pagar uma multa no multi-bank. Em cash! “Vá ali no Hiper, pegar o dinheiro”, dizia o homem do guichê, sem a menor dó. Volta: “Suas impressões digitais. Ih! Perdeu foi?” Tem que ir na delegacia, fazer um BO. Era uma sexta à tardinha. Estava deprimida. Violada. Desanimada. E tudo que me restou foi me enfurnar no meu quarto. Em silêncio. Quieta. Comprar um carro, e não ter a celebração merecida. Só um chá de bebê de última hora. Sem bebê e sem hora! Rendi-me às feras.

FAZER UM B.O- Há quanto tempo não ia à cidade à tarde. E chovia. Quando dei por mim, estava no centro, tudo engarrafado. Quanto carro! Também pudera, com aquele feirão! Com tantos sinos badalando. Suellen me disse que só no sábado de manhã foram 29 carrinhos vendidos: Uni Duni tê! Até que depois de rodear 3 vezes o quarteirão, achei uma vaga. Viva! Quando chego na delegacia, um homem mal humorado e a olhar no vazio, me disse: “Cadê o carro Dona? Tem que trazê-lo aqui na porta para fazer vistoria.” Tratou-me tão mal, e com tanto desprezo, que quase, quase fui embora. Mas, perplexa com o trânsito, andei mais uma hora atônita e voltei. Agora uma escrivã me perguntava coisas, e eu olhava para as teias de aranha, para uma máquina de escrever do século passado, e para aquele homem mal humoradíssimo. E mais homens mal-humoradíssimos entravam e saiam da delegacia para furtos e roubos. E eu, nessa roubada! Mas saí com meu B.O, como quem sai do cartório. Casada e pronta para a lua de mel! Mas não se esqueça, ainda falta a prova de primeiros socorros: Se alguém se acidentar você: socorre, larga de mão, ou sai correndo??, assim meu filho me treinava. Logo eu que, dirijo desde os 14 anos, ainda tenho que prestar exame. Mas vamos lá. Para ter outro carrão vermelho, vale qualquer sacrifício. Acho que continuo com um complexo de Eduardo Araújo: Meu carro é vermelho! Uni duni tê! E fui tomar sorvete! Salamê Minguê!

COMPRAR JANELA – E enquanto se compra carro, o tempo não para, e tem-se que, dentre outras coisas, comprar janelas. Depois que os ladrões entraram em casa, resolvi gradear o resto da casa, contra tudo e contra todos. Encaixotando Ana, eis a questão! Na hora de ficar aqui sozinha à noite, eu que o diga! Tome-lhe grades! E uma janela nova de um room with a view, tal qual a estória de E. M. Forster. Depois de percorrer os quatro cantos da cidade: De Mangabeira à Torre , por entre janelões, portas e janelas, madeireiras, com ou sem tabiques, achei uma janela que servia. Comprei à vista. Coisa que não se pode fazer. Mas a janela estava pronta, e alguém tinha que pagar. Ou ceder! O dono? Um sertanejo cabra macho; sua mulher, no caixa, cuidando do dinheiro. Uma loirinha bonitinha, mas já a vejo ordinária, e me contava que o marido era meio bronco. Uma foto linda no escritório, denunciava aquela família feliz. Confiei. “Entrego sua janela amanhã, Dona. Só vou passar um verniz, limpar bem direitinho e botar as ferragens.” E respondi: “Olha moço, quero os trincos daqueles escurecidas.” E lá se foi meu Room with a View; só no cinema! A janela não chegava nunca. Dei mil telefonemas e aquele homem besta sempre a dizer: “O caminhão tá indo; vou agorinha mesmo; já já; amanhã cedinho…”; e eu, com um pedreiro a esperar. E tome Pedro esperando o tranco!. Até hoje, nada de janela! E voltei para falar com Sr. Simão, era esse seu nome das Janelas Canaã! Uma terra prometida de araque! E este me garantiu que iria fazer tudo de novo. E não fez. E resolveu fazer outra janela, sem vista…. “E eu quero meu dinheiro de volta Sr. Simão!” “Pois não! Não me aperreio por coisa grande, vou me aperrear por uma janela?” ironizou do alto da sua rudeza. E até agora, nem Simão, nem Canaã, nem com vista nem sem vista. E encaixotada, só eu, uma madalena, para lá de arrependida.

Quem sabe se, com o carro novo, com B.O ou sem os primeiros socorros, e com a copa vindo por aí, eu consiga ter uma vista mais bonita do meu quarto. Se assim o Sr. Simão deixar. E me pagar. Se não. Pega o ladrão!

E entre uma estória e outra, chupo lima da Pérsia à noite, vendo as notícias da África do Sul, já que o meu programa favorito saiu do ar- Saia Justa. Continuo com um leve sabor amargo… de ladrão, de Simão; se pelo menos o Brasil for campeão…


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