Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

“Toda forma de poder”


31/10/2013

Foto: autor desconhecido.

A banda de rock “Engenheiros do Hawaii” lançou em 1986 o álbum “Distante das capitais”, onde aparece uma música com forte crítica ao Estado. Na verdade, “Toda forma de poder”, cuja letra é de autoria de um dos integrantes do grupo, Humberto Gessinger, traz uma mensagem que tem um “que” de pregação do anarquismo. Prega o descrédito a toda forma de governo, e está muito atualizada com o pensamento coletivo de conceituar desfavoravelmente a classe política. Ao generalizar, radicaliza. A prevalecer os conceitos estabelecidos na música, melhor seria a ausência total de governos, o que contraria os princípios de democracia, cidadania e ordem pública. Tentemos interpretar o que quer dizer seu autor.

“Eu presto atenção no que eles dizem/mas eles não dizem nada./Fidel e Pinochet tiram sarro de você que não faz nada.” Começa por classificar como enganação todo discurso político. Não consegue captar nada de importante no que falam. E usa como exemplos duas lideranças que representam linhas ideológicas contrárias: o socialismo e o capitalismo. Ambos ditadores, e por terem exercido o poder de forma totalitária desprezavam a liberdade de opinião do seu povo, em função do interesse maior em garantirem a permanência como autoridade maior dos seus países e não admitiam contestações, críticas, oposições. “Tiravam sarro” do povo que, amedrontado, assumia uma postura de passividade, aceitação tácita de tudo o que eles faziam. Pela força faziam-se obedecidos.

“E eu começo achar normal que algum boçal atire bombas na embaixada”. O desencanto alcança um nível tão assustador que a violência passa a ser admitida para se contrapor aos ditames de quem está no poder. A embaixada, representando o poder político de um país, ao ser atingida por bombas arremessadas por um contestador se torna um fato normal aos olhos de quem chegou no limite de sua paciência e de sua tolerância com o sistema.

“Se tudo passa, talvez você passe por aqui/e me faça esquecer tudo o que vi”. Deseja esquecer as desgraças, o sofrimento, a opressão, que determinados governos impõem ao seu povo. Quando afirma “talvez você passe por aqui”, deixa a entender no “você” duas interpretações: a alienação e a ideologia. Ambas podem fazer esquecer o que viu. Na primeira hipótese pela total submissão às vontades do poder, sem qualquer preocupação em contesta-las. No segundo caso, pela luta consciente e politizada em favor da derrubada do governo. Ou se esquece, por admissão própria, convivendo com o indesejável, por medo e impotência. Ou se esquece, mudando o “status quo” e experimentando novas formas de governo.

“Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada/toda forma de conduta se transforma numa luta armada.” A ambição pelo poder faz com que sua luta seja algo que pode levar alguém até a morte na busca de sua conquista. Como na música há o desprezo pelo poder, se entende que não vale a pena morrer nessa luta. E adianta que não há necessidade de se munir de equipamento bélico, qualquer atitude pode ser considerada uma arma. Manifestações mesmo que pacíficas, palavras de ordem, discursos inflamados, são lutas armadas porque têm força de mobilização, de convencimento e de promover revoluções.

“A história se repete, mas a força dessa história mal contada…”. O poder mal administrado perante o povo é uma constância na história universal. Por mais que o condenemos eles se repetem. Nunca perdem a força mesmo sendo histórias mal contadas. Afinal de contas quem detém o poder, detém a informação, e quando o governo tem características ditatoriais, a única informação que chega ao povo é a que ele permite.

“E o fascismo é fascinante/deixa a gente ignorante e fascinada/É tão fácil ir adiante e se esquecer que a coisa tá errada/Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada”. O fascismo, de Mussolini, era um regime onde os interesses do estado prevaleciam em relação aos interesses individuais da população, um governo autocrático e centralizador. Mas enquanto fascinava aqueles que usufruíam do poder, transformava em ignorantes as pessoas do povo. Fácil mesmo é ir adiante, esquecendo que a coisa tá errada. Se abster, ficar fora das decisões políticas, se alienar. E finaliza como terminou, dizendo que por mais que preste atenção no que dizem, não consegue ver nada que lhe interesse.

• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.
 

 


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