Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Tio Celso: O Menino & O Farol


28/09/2010

Foto: autor desconhecido.

 Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse o quanto dói a vida
Essa dor tão doída, não doía assim

(Cantada por Nelson Gonçalves)

Era uma vez um menino levado, que de quando em vez sumia, e quando isso acontecia, ele nadava até o Farol de Praia Formosa, dava uma voltinha e sabe-se lá o que fazia naquela imensidão de céu e mar azul…Sua mãe, a minha avó Adete, ficava na praia acenando, como se o Farol fosse logo ali.

Era assim que eu fantasiava essa cena, quando o meu pai me contava essa estória, dentre tantas outras lindas estórias que ouvi ao longo da vida. E como é bom uma vida com estórias!

Anos mais tardes, esse menino cresceu e na falta de um Farol, ele arrumou outros recantos e refúgios, para suas buscas íntimas, que ninguém nunca entendeu muito. “Tio Celso desapareceu! Tomou o avião e se escafedeu!” Mas ninguém nunca achava que era desgraça. Fazia parte do seu caráter misterioso e idiossincrático…

Morava em Fortaleza e trabalhava com a Maizena, farinha de papinhas, quem sabe para lhe alimentar a alma de menino, que ficou órfão daquela mãe ansiosa por notícias do oceano longínquo, mas ela, foi quem partiu tão cedo, com a doença dos poetas, deixando 7 crianças sem norte. Talvez por isso Tio Celso gostasse tanto de rodear o farol, já premonizando todas as luzes e orientações que na vida lhe faltariam.

Já adulto, fugia para o Hotel Globo aqui em João Pessoa, cujo dono era seu amigo e o acolhia sem perguntas. Eu, nos meus radicalismos e julgamentos ainda inocentes da vida, fazia as perguntas sim, mas meu Tio Chiquinho, outro sábio que buscava acolhimento nos livros e não nos faróis, me dizia há pouco, não explicando nada, apenas filosofando: “Ana, Celso foi criado pelo mundo!”. Achei tão forte e reveladora essa constatação; atribuir ao mundo à função da maternidade, só que uma maternidade solta e cambaleante, nesse vasto vasto mundo, gerador de calafrios solitários quem sabe, que se acomodou na sua índole, arrebatando não mais as ondas de Praia Formosa, mas agora ondas de agonia e depressão, para não mais lhe deixar sentir a brisa acolhedora do Farol, nas suas bochechas rosadas.

Virginia Woolf também escreveu sobre um Farol – Rumo ao Farol (To The Lighthouse).Uma estória autobiográfica, que só depois de publicá-la conseguiu amenizar sua dor pela perda da mãe, quando só tinha treze anos, um ano mais que o meu tio Celso. Estória de pai, mãe e criança no jardim; estória sobre navegar até o farol; estória sobre morte. O livro se divide em três partes: A janela; O Tempo Passa, e A Viagem. A família Ramsay, tempo de férias, uma ilha, a guerra, uma casa, o dia , a noite, as estações do ano, e o tempo em si.Um quadro é pintado pela personagem de Lily, enquanto anos depois alguns membros finalmente vão ao Farol. E as ações do passado e do presente se integram, trazendo todos os níveis do romance à uma conclusão satisfatória. Vida e Arte novamente em estado de simbiose e encantamento.

Já disse Guimarães Rosa que, “a gente não morre, fica encantado. Tenho certeza de que Tio Celso se encantou. E se encantou no mar. Para isso, levaremos suas cinzas para jogá-las em Praia Formosa, lugar dos seus veraneios, e se não ouvia gaivotas como Virginia em St. Ives, com certeza levou consigo o cheiro de maresia desse lugar tão íntimo para nós da família, que anos depois, pela casa de Tia Margarida, Tia Lila, ou a minha própria, também pintamos nossos passados, presentes, e com certeza futuro para novas turmas de primos-primas.

E logo eu que não acredito em Bruxas, mas sei que elas existem….tenho certeza de que o céu está em ritmo de Tertúlia, iguaiszinhas às do Clube Náutico, que eu, tive o privilégio de dançar, quando das minhas visitas à minha terra natal de Iracema, e que já cantei em crônica (ver De Tertúlias e Pata Pata, publicada no wscom de novembro de 2009), com cachaça com caju, e Nelson Gonçalves entoando a sua preferida : “Naquela mesa está faltando ele….”. Nessa festa, também terá um Farol iluminando todos queridos que já viraram estrelas: meu pai Romero, Tio Abílio, Tia Lila, Beto Peixoto e Raquel, Tio Múcio, Mucinho e Marcos, e os mais velhos: Tio Bilú, Vovó Sinhá, Tia Line, Vovó Adete, e tantos outros que de tão queridos/as também vivem no encantamento.

Assim como no romance de Woolf, também faremos a nossa viagem ao Farol. Não teremos Lily para pintar uma casa, mas pintaremos nós todos, a nossa saudade de Praia Formosa, e de Tio Celso.

E como a vida e a morte andam de mãos dadas, amanhã, 29 de setembro, 19 beijos especiais para meu caçula Daniel – Parabéns Prá você!

Ana Adelaide Peixoto , João Pessoa, 17 de setembro de 2010


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