Geral
“Sonho de Ícaro”
28/01/2014
Foto: autor desconhecido.
Inspirados na mitologia grega, Piska e Cláudio Rabelo compuseram “Sonho de Ícaro”, que alcançou enorme sucesso em 1984, interpretada por Byafra. O personagem Ícaro voou com asas de penas coladas ao corpo com cera, construídas por seu pai Dédalo. Contrariando a recomendação paterna, Ícaro voou alto demais e o sol queimou a cera e ele não conseguiu mais voar, caindo no mar. Por isso se diz que quando alguém sonha demais, voando com a imaginação e o coração, são sonhos de Ícaro, termina por serem sonhos irrealizados.
“Voar, voar, subir, subir ir pra onde for/Descer até o céu cair ou mudar de cor/Anjos de gás, asas de ilusão/E um sonho audaz feito um balão…”. Conforme o personagem da estória grega, o “eu lírico”, na pessoa do compositor que passava por um momento difícil na sua carreira artística, queria sonhar alto, voar o máximo que pudesse, num desejo de subir rumo ao estrelato. Não importava o risco a correr, “ir para onde for”, nem que precisasse “mudar de cor”, se transformar, alterar sua forma de agir e de atuar. Faz comparações com os balões de gás, que funcionam no ar como anjos celestes construindo fantasias, muitas vezes audaciosas.
“No ar no ar eu sou assim brilho do farol/Além do mais amargo fim simplesmente sol…”. No alto do céu, o sonho não se intimida com o perigo de se tornar um malogro, não acredita que a cera das asas possa ser derretida pelo calor do sol. Enquanto plaina nas alturas, sente-se brilhando, sem se incomodar com a possibilidade de um “amargo fim”. Normalmente é assim quando construímos devaneios inconsistentes, mal elaborados, sem planejamento. Era como Ícaro se sentia.
“Rock do bom ou quem sabe jazz/Som sobre som bem mais bem mais”. Piska, o instrumentista, desejava sucesso no rock ou talvez no jazz, sem necessariamente definir o ritmo. Na verdade o que queria era a glória como artista.
“O que sai de mim vem do prazer/De querer sentir o que não posso ter”. Sua inspiração vem do coração, o entusiasmo de fazer o que gosta e, consequentemente, desejar sentir o gosto da fama ainda não experimentada. Chega a acreditar na consecução daquilo que antes imaginava impossível de alcançar.
“O que faz de mim ser o que sou/É gostar de ir por onde ninguém for”. Revela-se um aventureiro sem receio de correr riscos. Fazer o diferente, inovar e, por isso, se distinguir. Essa ambição motiva sua decisão de ir em frente na sua façanha.
“Viver, viver e não fingir esconder no olhar/Pedir não mais do que permitir”. Fazer tudo às claras, sem fingimentos, ser verdadeiro. Pode até esconder estratégias, evitar que o olhar demonstre táticas, projetos. Mas nada impede de pedir, desejar, querer mais do que aquilo que sempre lhe foi permitido.
“Jogos de azar/Fauno lunar, sombras no porão/E um show vulgar todo verão”. Começa a perceber o desastre da empreitada. Surgem as ameaças, as dificuldades de realizar o que quer. Com tristeza prevê que o êxito pode ser transformado num fracasso, um “show vulgar”, o sol derretendo a cera das asas e o voo da imaginação em queda. Lamenta que esse declínio seja visto por todos.
“Fugir meu bem pra ser feliz só no polo sul/Não vou mudar do meu país nem vestir azul”. Será que seria preciso fugir, desaparecer, ir para um lugar bem distante para não viver esse vexame? Decide não sair, continuar onde está e da forma que está, sem metamorfoses. Até porque isso não adiantaria de nada.
“Faça o sinal, cante uma canção/Sentimental, em qualquer tom”. O jeito é se adequar ao gosto comum, cantar aquilo que seja do agrado coletivo. Mexer com sentimentos, explorar o emocional, fazer pulsar mais forte os corações. Em qualquer compasso, seja em que cadência for.
“Repetir o amor já satisfaz/Dentro do bombom há um licor a mais/Ir até que um dia chegue enfim/Em que o sol derreta a cera até o fim”. Quem sabe dentro do bombom tem um licor a mais? Decide não desistir, pode surgir uma surpresa agradável e mudar o curso da história. Ir até onde possa, até que não haja mais nenhuma esperança, até que o sol tenha definitivamente derretido a cera que colava as asas que permitiam voar.
“Do alto do coração/mais alto o coração”. Tudo o que se faz com o coração tem prazer, regozijo, alegria. O “alto do coração” conduz os sonhos.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.
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