Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

“Somos quem podemos ser”


13/01/2014

Foto: autor desconhecido.

 

A música “Somos quem podemos ser” apesar de ser uma crítica ao contexto sociocultural dos anos oitenta, quando foi lançada pela banda “Engenheiros do Havaii”, tem uma mensagem bastante atualizada. Humberto Gessinger, autor da composição, em sua letra, revela a importância do acordar para a realidade, adquirir uma capacidade crítica das coisas, ser verdadeiramente um agente de mudanças.

“Um dia me disseram/Que as nuvens não eram de algodão/Um dia me disseram/Que os ventos às vezes erram a direção”. Tudo o que sabemos é fruto de um aprendizado que nos foi oferecido pelas informações que recebemos. De repente constatamos que nem sempre o que nos falaram ou nos ensinaram representava a verdade. Daí a necessidade de aprender sempre, ganhar novos conhecimentos, não esperar pelos outros e sermos agentes da própria mudança.

“E tudo ficou tão claro/Um intervalo na escuridão/Uma estrela de brilho raro/Um disparo para o coração”. Quando passamos a enxergar melhor o que vivemos, percebemos que estamos crescendo, amadurecendo. A “escuridão” é a ignorância do conhecimento, a medida em que recebemos novas informações “brilha a estrela” que nos permite ir descobrindo o mundo. Muitas vezes essa descoberta nos provoca um impacto emocional, faz “disparar o coração”, porque compreendemos o quanto estávamos enganados, iludidos ou manipulados.

“A vida imita o vídeo/Garotos inventam um novo inglês/Vivendo num país sedento/Num momento de embriaguez”. A posição colocada nessa estrofe demonstra o quanto somos, muitas vezes, influenciados por uma mídia que tem interesse em nos alienar. Somos vítimas de uma propaganda institucionalizada que prega a mentira e a enganação. Em geral não nos damos conta de que estamos sendo tragados pelo consumismo e pelo modismo, que interessam ao poder econômico. A juventude constrói sua identidade tomando como referência culturas importadas. Tudo isso acontecendo, ao tempo em que os problemas sociais se avolumam, a miséria se alastra, a corrupção desenfreada domina a prática política, e nós num estado de “embriaguez” coletiva nos omitimos de reagir ou entender melhor a realidade.

“Somos quem podemos ser/Sonhos que podemos ter”. As regras do jogo social condicionam nossas vidas. Por isso é preciso ter domínio da situação, e, isso só acontece com o conhecimento. Assim surgem os sonhos, tão necessários para avançarmos na vida. Quem não sonha está condenado a aceitar as coisas como elas são e viver na passividade.

“Um dia me disseram/Quem eram os donos da situação/Sem querer eles me deram/As chaves que abrem essa prisão”. Quem vive na ignorância é um aprisionado do sistema, seja pela força do poder político, seja pela força do poder econômico. Os poderosos de plantão fazem questão de se afirmarem “donos da situação”, como se assim pudessem definir nossos caminhos. A vontade de se libertar faz com que busquemos desvendar mistérios, conhecer verdades, que intencionalmente nos são ocultadas e aí encontramos a chave que nos resgatará da prisão a que estávamos colocados.

“E tudo ficou tão claro/O que era raro ficou comum/Como um dia depois do outro/Como um dia, um dia comum”. Na saída desse aprisionamento, a que somos submetidos, pelo desconhecimento, observamos que nada há de extraordinário, que o dia nasceu para todos e que não pode haver diferenças entre semelhantes. A desigualdade resulta de uma submissão imposta pela ignorância.

“Quem ocupa o trono tem culpa/Quem oculta o crime também/Quem duvida da vida tem culpa/Quem evita a dúvida também tem”. À procura de culpados ficamos querendo nos eximir de responsabilidades. Mas, claro, todos têm culpa. Quem está no “trono”, os mandatários do poder político, que se omitem na solução dos problemas e fazem uso da situação para oprimir os pobres e desamparados e disso tirarem proveito. Os que são cúmplices em manter segredos que interessam a uma minoria, porque sabem que a verdade revelada pode gerar reações. Os que têm medo de enfrentar a vida e ficam inertes, esperando que outros estabeleçam sua forma de viver, os acomodados, subservientes. Os que não questionam, “evitam a dúvida”, aceitam tudo o que lhe dizem como se fosse a verdade. Afinal de contas somos todos coniventes com um quadro que distingue cidadãos e escraviza setores da sociedade.

• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.

 


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