Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Setembro/1968: “Os Homens do Caranguejo”


31/05/2012

Foto: autor desconhecido.

 

Prestigiado por um grande público, Ipojuca Pontes lançou, na noite do dia vinte e cinco de setembro, no cine Municipal, o documentário “Os Homens do Caranguejo”. O filme narra o cotidiano dos homens que viviam no povoado de Livramento, município de Santa Rita, dedicando-se à captura de caranguejos, atividade da qual garantiam seu sustento.

Ipojuca Pontes, jornalista, escritor e cineasta paraibano, na estréia do filme, fez questão de dedica-lo a Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, por se identificar com ele nos “ideais do cristianismo ecumênico-humanista”. A renda do evento foi revertida em benefício das obras da Rede Feminina do Combate ao Câncer.

No roteiro do documentário contou com a colaboração de Marcus Odilon e Vladimir de Carvalho. Com duração de 18 minutos, o filme tem a narração de Paulo Pontes.

Na produção, feita na base do sacrifício, recebeu apoio financeiro de Marcus Odilon e a ajuda do jornalista João Manoel de Carvalho, que fornecia a feira semanal para alimentar a equipe que filmava em Livramento.

Na época do seu lançamento na capital paraibana, já representava o cinema brasileiro na IX Resenha do Filme Antropológico, que se realizava em Locarno, na Itália. Obteve nada menos que quinze prêmios no Brasil e no exterior. A crítica cinematográfica foi unânime no aplauso à temática e a produção do filme, destacando-o como um dos mais perfeitos documentários artísticos da realidade nordestina.

Carlos Aranha em artigo publicado no jornal O Norte assim se manifestou a respeito do filme: “Os Homens do Caranguejo consegue escapar das limitações que lhe foram impostas pelas exigências naturais. Ipojuca conseguiu transformar essas limitações na própria estrutura necessária ao curta-metragem, jogando no filme mais alguns dados necessários ao conhecimento da realidade brasileira numa de suas faixas mais postas à margem. Seu valor está justamente em sua denúncia, que não é fácil e discursiva, infelizmente isolada das grandes áreas da comunicação. Resta o que mais uma vez é o óbvio ululante: o filme de Ipojuca Pontes não é exceção à regra, mas a regra que o coloca entre os bons documentários brasileiros”.

Já Willys Leal publicava no Correio da Paraiba artigo do qual transcrevo alguns trechos: “O filme paraibano Os Homens do Caranguejo, de Ipojuca Pontes, é o documentário mais negro e aterrador já feito entre nós. Para a sua visualização, foi colhida uma realidade mundo-cão, a própria redução do homem ao reino animal, seu existir ao nível do cruel, do escabroso.
Mas o filme de Ipojuca não é apenas aterrador, é uma obra de denúncia. Vivendo do caranguejo, a comunidade retratada no filme, nada teria de diferente das demais comunidades do Nordeste do Brasil, de outros centros de pescadores, se não fosse o fato conotador em si mesmo de que a sua economia e a sua paisagem trazem características bastante particulares. Seus homens, suas crianças são de uma subnutrição aflageladora e numa das cenas mais envolventes do filme, vemos um ancião que se contorce, tentando subsistir numa vida que é quase morte, consumindo-se a cada dia que passa, em face da alimentação à base de caranguejo, noite e dia, hoje e amanhã, sempre.
O império da civilização da lama – há cinco quilômetros de João Pessoa –, tão próximo aos centros da técnica e culturalmente adiantados, torna o fato mais denunciador ainda, mais revelador, e o filme apresenta diversas variantes, obtendo um resultado extraordinário.
De um pessimismo imediato absoluto, Os Homens do Caranguejo se preocupa igualmente, e de modo convincente, em determinar os limites geográficos da comunidade, focando a ausência de uma melhoria, o fortalecimento da pesca, inferindo daí a inexistência por parte do grupo de tomada de qualquer posição de defesa”.
Ainda nas avaliações críticas do filme, Josué de Castro classificou: “um filme correto, como poucos ousam fazer no Brasil”. Virginius da Gama e Melo afirmou: “ a verdade precisa ser dita, ainda que encontrado o escândalo, trata-se do mais penoso, do mais dramático, do maior documentário brasileiro”.

Portanto, Ipojuca Pontes, que anos depois viria a ser Ministro da Cultura, no governo Collor de Melo, compartilhou com a efervescência da produção cultural da Paraíba no ano de 1968, com uma obra de grande valor sociológico, denunciando a penúria de um povo que, para sobreviver, passava seus dias atolado na lama, numa condição sub humana de viver.

• Esse texto faz parte da série COMO A PARAIBA VIVEU O ANO DE 1968
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