Brasil

Senhor, Idoso, Velho, e sem prazo de validade – Que mal há nisso?


01/10/2021

*Para Walter Santos, Alberto Arcela, Wilson Souto Jr., Chico de Igarassu e Carlos Aranha.

Sabe aquela velha imagem de velhos que ameaçava pessoas com mais de 50anos, até início dos anos 60, do século passado? Corcundas, andando devagar, sempre dentro de casa sem sair, sem enxergar nem reconhecer quase ninguém, sem poder levantar da cadeira ou da cama para pegar um copo d’água. Um velho cocó, meio sem higiene, ranzinza, chato, caduco? Pois bem, essa imagem acabou, morreu com o tempo.

A partir dos anos 60, com a revolução jovem, a chegada dos Beatles, do uso das calças jeans e macacões, o fio dental, o sexo explícito nas telas dos cinemas, as drogas, a aceleração das músicas e do trânsito, e de das relações, as pílulas anticoncepcionais, o evento da mulher no mercado de trabalho, o avanço das tecnologias, enfim, toda uma repaginação da história mundial. Esse seria o grande choque do futuro, e a chegada da terceira onda, de que tanto nos falava o futurista Alvin Toffler.

Pois bem, esse tempo chegou, trazendo a figura do vovô moderno, garotão, usando camisetas descoladas com ilustrações de rock n´ roll e praias, bermudão e sapatos tênis, vestindo igual a seus filhos e netos. Estamos sim, muito felizes, apesar de nos classificarem como Senhores, idosos e velhos, como que se não nos houvessem mais forças e disposição para renovar até o último momento de nossas vidas.

Nesse artigo, no dia do idoso, coletei alguns trechos do livro Perdas e Ganhos, da escritora Lya Luft, que muito bem nos dá aulas de como sobreviver ás ameaças de colocação á margem social do pensamento da maioria careta. Estamos envelhecendo e sem prazo de validade, pois que ainda muito ativos como os artistas Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alceu Valença e outros. E mais, junto aos meus filhos de 11, 17 e 21 anos, quero ainda aceitar muitos convites para brincar o Carnaval do Recife após pandemia. Depois disso a gente conversa mais. Por enquanto desfrutem o que abaixo nos escreve Lya Luft.

O QUE PODE HAVER DE POSITIVO EM FICAR VELHO…

“Mas o que pode haver de positivo em ficar velho?”, perguntaram-me um dia. “Diga uma coisa só, e vou acreditar.”

As qualidades interiores vão sobressaindo, afirmando-se sobre as físicas. Ao contrário da pele, cabelos, brilho de olhar e firmeza de carnes, elas tendem a se aprimorar: inteligência, bondade, dignidade, escutar o outro. Capacidade de compreender.

Mas é preciso que exista algo interior para sobressair: o desgaste físico será compensado pelo brilho de dentro. Não será preciso nem mutilar-se com cirurgias além do razoável, maquilagem exagerada, roupas extravagantes… nem ocultar-se porque estamos maduros, ou já estamos velhos.

Se a transformação que se efetua em nosso corpo é inexorável, sua velocidade e características dependem de genética, cuidados, saúde, vitalidade interior também. Com o inexorável só há uma saída, e não será fugir: é vivenciá-lo do melhor modo que posso. A questão não é que a vida fique suspensa, mas que a gente viaje com ela, em lugar de paralisar-se e ficar atrás.

Se não formos demasiado tolos, gostaremos de nossa aparência em todos os estágios. Olhar-se no espelho e dizer: “Bom, essa sou eu”. Nem extraordinariamente conservada nem excessivamente destruída. Estou como se está nesta fase. E se eu sou assim, gosto de mim.
Sou a minha história.

Pois não somos só nossa aparência; mas somos também nossa aparência.

Negá-la é negar o que, afinal, nos tornamos. Por isso, se é melancólico negligenciar a aparência, é patético querermos parecer ter 20 anos aos 40, ou 40 aos 70. Deveríamos querer ser belas, dignas, elegantes e vitais pessoas – de 60 ou 80 anos.

Felizes, ainda, aos oitenta anos”.

Velhice, Porque não?

“Se quisermos congelar o tempo e nos encerrarmos nesse casulo, estaremos liquidados antes mesmo que a juventude acabe”. Seremos a nossa ficção. A realidade continuará à nossa volta, e um dia vamos descobrir que estamos fora dela.

Para alguns essa será a crise salvadora. Acabou a invenção de um “nós” fantasma!.

Se ainda quisermos viver, não vegetar na prateleira da nossa fantasia, teremos de encontrar nessa aflição o que restou de nossa personalidade. Pois ela é quem vai nos dar consistência e capacidade de crescer até o último raio de lucidez.

Assim se pode ter controle, não sobre o tempo, mas sobre o quanto ele vai nos favorecer ou aniquilar.

Para entender que maturidade e velhice não são decadência, mas transformação, temos de ser preparados para isso. Dispostos a encarar a existência como um todo, com diversos estágios, variadas formas de beleza e até de felicidade. Acreditar que com cuidado e sorte poderemos ser atuantes mesmo décadas depois: isso tem de ser conquistado palmo a palmo.

Porém já na infância nos preveniam de que logo adiante algo de mal nos esperava:

“Quando tiver a minha idade, você vai ver”, diziam mães, tias, avós.

“Aproveite agora que é criança, quando crescer acaba a festa!”, aconselhavam com laivos de despeito.

“Estou muito velha pra essas coisas”, protestavam na hora de se divertir ou alegrar.

Existir no tempo nos foi mostrado como uma corrida infausta: cada dia uma perda, cada ano um atraso. Quem não teve seus momentos de querer nunca crescer para não enfrentar aquelas vagas ameaças?

Sendo contraditórios – por isso interessantes -, não é estranho que na época em que mais vivemos se fuja tanto disso que se convencionou chamar velhice. E por imaginarmos que nossas últimas décadas são apenas decadência, reforçamos o tabu que reveste essa palavra.

Palavras significam emoções e conceitos, portanto preconceitos. Por isso quero falar de minha implicância com a implicância que temos com os vocábulos – e a realidade – velho, velhice”.

“Quando não pudermos mais realizar negócios, viajar a países distantes ou dar caminhadas, poderemos ainda ler, ouvir música, olhar a natureza; exercer afetos, agregar pessoas, observar a humanidade que nos cerca, eventualmente lhe dar abrigo e colo”.

Para isso não é necessário ser jovem, belo (significando carnes firmes e pele de seda…) ou ágil, mas ainda lúcido. Ter adquirido uma relativa sabedoria e um sensato otimismo coisas que podem melhorar com o correr dos anos.

Mas predomina a ideia de que a velhice é uma sentença da qual se deve fugir a qualquer custo – até mesmo nos mutilando ou escondendo. No espírito de manada que nos caracteriza, adotamos essa hipótese sem muita discussão, ainda que seja em nosso desfavor. Isso se manifesta até na pressa com que acrescentamos como desculpa: “Sim, você está, eu estou, velho aos 80 anos, mas… jovem de espírito”.

Por que ser jovem de espírito seria melhor do que ter um espírito maduro ou velho?

Ter mais sabedoria, mais serenidade, mais elegância diante de fatos que na juventude nos fariam arrancar os cabelos de aflição, não me parece totalmente indesejável. Vou detestar se, ficando velha, alguém quiser me elogiar dizendo que tenho espírito jovem.

Acho o espírito maduro bem mais interessante do que o jovem. Mais sereno, mais misterioso, mais sedutor”.

– Ah! Aproveitem para mandar para bem longe o espantalho, o monstro misterioso da dificuldade que ameaça e enche de medo e que tanto nos faz sofrer durante a vida. Usem as reservas de forças e vida para seguir em frente até o último instante de vida. Sério. Viva com amor e seja feliz!


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