Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Brasil & Mundo

Sampa


16/06/2022

Avenida Paulista, um dos cartões-postais de São Paulo - FOTO: Divulgação

“Alguma coisa acontece no meu coração….” Caetano Veloso

Dessa vez nem cruzei a Avenida São João…

Depois de quatro anos sem sair de casa, viajei para São Paulo. Levei uma lista de coisas pra ver/visitar como: restaurantes, bares, mercados, praças, exposições, mas, o corpo e o bolso ditaram meus dias mais lentos. A ideia era curtir momentos com meu filho, Daniel e a sua namorada, Bruna. Ficar ao léu em casa, ir na feira de rua da esquina na Vila Mariana, comer pastel de escarola e comprar agrião da folha graúda, cogumelos e figos frescos; almoçar no Sesc comida boa e balanceada; tomar vinho naquele frio de 7 graus, com massa que cozinhávamos aquietados.

Mas, nos intervalos fui dar umas voltas/bordejos por ali. Muito me entristeceu ver a pobreza estampada na Avenida Paulista. Com a desarticulação da Cracolândia, víamos nas esquinas, grupos de pessoas desarvoradas, carregando seus cobertores calçada abaixo. A miséria no frio é sempre pior e mais cruel. Também senti o peso da pandemia ao constatar que, a Livraria Cultura do Espaço Nacional já não é a mesma e o seu café fechado pra reforma; o Café Vienna, logo atrás, de portas serradas; a feira da Benedito Calixto aos sábados, com quase todas as galerias fechadas; e a Casa das Rosas em reforma. Segui constatando que aquele meu itinerário afetivo paulistano havia encerrado o ciclo.

Visito São Paulo desde os anos 70. Amigos, trabalho, família e lazer. Adoro essa cidade grande e cheia de coisas belas nas suas esquinas. Ademais, foi em Sampa que reencontrei Juca, meu companheiro, pela primeira vez em que ficamos juntos. E foi lá também que, me despedi dele há nove anos. Sofridamente. Então, alguns espaços paulistas são bem a cara dele e de alguma forma, a cada passo que eu dava, até no metrô, me lembrava dele. São Paulo parece Juca. São Paulo falta Juca. Foi quando avistei a Casa de Sucos Juca.

Algumas alegrias foram realmente as exposições. Dessa vez, as artes plásticas falaram mais alto: a exposição de Van Gogh então foi algo difícil de descrever. Como é imersiva, cada um mergulha com os seus êxtases particulares. Perdi-me nos girassóis, nos moinhos e nos campos da Provence. Ah! As estrelas da noite, as flores e os amarelos. Os dias e o cotidiano da natureza. A luz do entardecer.

No mesmo shopping da exposição, o Morumbi, uma grata surpresa – A Livraria da Vila e a minha loucura pelos livros ditos infantis. Eva Furnari, minha linda ilustradora. A exposição de Adriana Varejão, na Pinacoteca, me levou a outros espaços. Dos seus mares, azulejos azuis, e aquela imponência da arquitetura do lugar. A da Amazônia, de Sebastião Salgado, me embreei no mundo da floresta, dos ventos, dos rios, dos povos indígenas e de tantas tribos que sou ignorante em citar. Bispo do Rosário e Lia de Itamaracá, com cirandas e mantos sagrados. Os objetos re-significados – do lixo ao luxo dos sonhos e dos devaneios. Salve meu amigo José Palhano, que me apresentou ao trabalho de D. Nise da Silveira (que o presidente insiste em desqualificar) e a esses montes de objetos identificados. Também me emocionei com os camisolões do artista Leonilson.

Passear na Vila Madalena, Beco do Batman, almoçar em Bela Gil e o seu – Camélia Òdòdó, espaço de comida orgânica e toda a sua preocupação/conceito com a menstruação, placenta sem tabus. Comi “Ragu de Jaca”, Odara! Também tenho sangue árabe nas veias para gostar tanto de Homus (grão de bico), Mahamara (pimentões) e Babaganouche (beringela), do Kalili. O Centro é outra viagem. O Copan, o restaurante Orfeu, a Livraria em frente, o café Cuia, e o novo livro de Rosa Montero – .A Boa Sorte. E no domingo, teve dancinha na Paulista fechada para os pedestres. Um mar de gente a passear.

Mas em outro sábado fui ao Bixiga, na Feira do Jardim Secreto e por uma ruinha, todos os aromas possíveis. Na livraria especialista em escritoras mulheres, “Gato sem Rabo” (com meu cunhado Murilo), me perdi nas estantes, compre Annie Ernaux, por indicação de André Ricardo Aguiar. Comi chocolate de limão siciliano com Tapioca da Dengo e mais suco de umbu com capim santo e todos os dengos que o meu filho me trouxe.

O que a minha mala mudou? A necessaire de remédios. Se antes só carregava “Melhoral”, agora tenho uma muda para cada achaque. Dor de cabeça, de barriga, Vicky , e mais remédios que passei a tomar de uso contínuo. Mas não foi somente a minha mala que mudou. O mundo mudou! Os aeroportos automatizados. E eu mudei. Ressabiada….estou.

…E alguma coisa ainda acontece no meu coração! Obrigada Bruna e Daniel!

Ana Adelaide Peixoto – Junho de 2022


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