Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

RIO MOSTRA PARAÍBA: De Artesanatos e Dilúvios


13/04/2010

Foto: autor desconhecido.

Parabéns Verônica (Gestora Estadual de Artesanato do SEBRAE), pela garra em realizar o evento, mesmo diante das adversidades da natureza.

O SEBRAE/ Paraíba organizou o evento Rio mostra Paraíba, no Centro de Referencia do Artesanato Brasileiro, em data prevista para 6 a 10 de abril passado. E lá fui eu, aproveitando a Semana Santa prestigiar às bruxinhas de pano de Esperança, agora vestidas com as ondas do calçadão de Copacabana. Na minha mochila, uma peça de Gina Dantas; uma figura meio híbrida que segurava algum tesouro nas mãos, com todas as cores pastéis dos seus rosas esmaecidos.

E na Correia Dutra, Catete, viajei pela memória das viagens, pois uma vez, também me hospedei no apto de Hermano José, o artista, e almoçava frango à passarinho também nesse endereço. Meu tio Bilú morou no século passado numa casinha estreita, quase vizinho à minha pousada. E meu pai também tentou a vida nessa mesma ruinha do Catete. Pois eis que tive essa experiência de eterno retorno. De manhã cedo, adorava caminhar até à Banca de Jornal e ler as novidades dos cariocas. Um caqui aqui, um café acolá.

Primeiro fui ver o Pão de Açúcar, em plena sexta da Paixão, no pé do Pão, rodeada de turistas por todos os lados, almoçamos. Depois, celebrar o aniversário dos Beatles com o musical: Beatles no Céu de Diamantes. E como cantei Lucy in the Sky, She loves you, Help, It´s been a hard day…, Pane Lane, Let it Be…

Domingo, dia de Feira Hippie. E a bolsa Chanel de correntinha invadiu às barracas! O almoço da Páscoa, guess where? Em pleno: C´est si bon…passear no Leblon, ao lado da Livraria Argumento (e lá estava um livrinho: Virginia Woolf em 90 minutos!) e do Studio da estilista Isabela Capeto, com seus vestidos belos de florzinha de chita. Brindes, bacalhau, cacau au lait! Diretamente da Bélgica. Passei pelo restaurante Celeiro, mas o meu pobre bolso chiou: 89,90 o kilo dos quitutes. Bem que vale à pena, o que a boca não come pequeno…..E no Shopping Leblon , enquanto tomava um café no Focaccia, lá que passa Maradona. Não, não era o jogador argentino que teve a boca abocanhada pelo seu cachorro. Era o Maradona de Búzios, da novela das 8 do Leblon. Quase chamei: Dorita!

O Corcovado estava vestido. De guindastes e reformas. Mesmo assim, deixei o Cristo de lado e fui ver filmes na Estação Botafogo: O Segredo dos Seus Olhos: um trem que parte, um crime, 25 anos, um passado, e onde foi que ficou cravado o vazio da minha vida? Poderia ter feito tudo diferente?. Em outro dia fui ver Educação: e como também um dia nos deixamos seduzir pela cultura, pelo glamour de uma cidade grande, pela arte. A arte pela arte do movimento estético do modernismo Inglês? Lembrei de um outro filme: Educating Rita, com Michael Caine e sua postura Oxfordiana Yes Sir! Mas enfim, o que há para aprender quando se é jovem?. E depois mais uma estréia : Pecado da Carne: filme sobre Judeus ortodoxos, homossexualidade, rigidez, um açougue, e a carne! Mas, perdi O homem que engarrafava Nuvens, sobre a vida de Humberto Teixeira e O homem Sério, dos irmãos Coen. E a livraria dos cinemas Artplex, é um escândalo. Livraria de cinema e de arte. Um capuccino, folheando A Câmara Clara de Roland Barthes, e tanta coisa para formigar os meus pobres olhinhos cansados.

Perambular em Ipanema é o ouro. Uma visita à loja Inglesa Accessorize! O maior deleite. E me embriago de colares, brincos, e bolsas e vidrilhos e pedras lilases. Um batom rosa na M.A.C., outro colar na loja mais linda, Langak. E a vendedora me reconheceu! Estive lá ano passado, mas os meus olhos brilharam tanto diante de colares e brincos, assim como meus cabelos vermelhos, que ela não hesitou: É você! E ficamos amigas. Este é o espírito Gentileza Gera Gentileza (comprei a camiseta para meus filhos, para serem mais gentis). Na calçada, escutei duas mulheres falando de homens: “Mulher não gosta de homem liso! Mulher gosta de dinheiro!” Disse uma delas com toda a autoridade dos dias de chuva. Uma outra, enquanto olhava uma vitrine bradou corajosamente: “ Não agüento mais roupa estampada!” E eu a pensar nos meus vestidos floridos….. Ainda em Ipanema, uma moça com o hi-pod nos ouvidos, biquini cavadão, com suas havaianas, um coque ao léu, rebolando sem rebolation, lá vai ela imperiosa em direção à praia. Por isso que Vinicius cantou Garota de Ipanema. Aquela cena só acontece entre a Farme de Amoedo, a Garcia D´Ávila, ou imediações.

Sábado, dia de panfletar o evento do SEBRAE na Feira de Antiques da Rua do Lavradio, Lapa. Que festa! Gente, chorinho, chopp e samba no meio da rua. Restaurante Santo alguma coisa, ao lado do Rio Scenarium, um bacalhau dos deuses, e Isabela dos Patins de public relations. E entre um choro e um samba , um panfleto , uma boneca, um olá, um olhar, a Lapa, os Arcos, Cariocando….

E começa a chover. Um guarda chuva na saída do metrô e rumo ao hotel. Adoro andar de metrô. Estou sempre idealizando uma cena cinematográfica. Imagino. Imagino Nova York. Imagino Londres, imagino Tokyo Lost in Translation, sem ser Sophia Coppola…E me encontro e me desencontro. À noite, a Rua do Catete havia virado mar. E mais chuva. Dia seguinte, acordo com os plantões na TV. A maior catástrofe dos últimos 60 anos, deslizamentos e morte. A Praça da Bandeira, a Lagoa e os pedalinhos nadando na Epitácio Pessoa; o aterro do Flamengo debaixo d´água, Jardim Botânico com suas palmeiras imperiais. Plantão. Chuva. Dilúvio. Os barrancos que vêm abaixo. Tragédia.

O Evento do SEBRAE cancelado, o marido não vem mais, e eu atônita, diante da TV, sozinha, ilhada, com o controle remoto na mão, e sem controle algum. Poderia ter me desesperado, mas não. E naquela solidão indesejada e sem saída, pensei no que fazer naqueles arredores de água. E na mais profunda impotência, só me restava Galocha e banca de jornal . Um vinho no bar da esquina, Catete Grill! avistei o ator José Dumont numa mesa jantando, e passou o filme do Homem que virou suco. Clarice e A Hora da Estrela. Jantei peixe de nome namorado?! E tome chuva e tragédia. Todos os hóspedes no saguão do hotel, se entreolhando, impávidos. E coisas simples como um taxi, um jornal, uma providência, não aconteciam. Ruas desertas. Lojas fechadas. E nós, estrangeiros mudos, diante da nossa frágil e inutilidade.

Eis-me aqui diante do dilúvio. Serei uma das eleitas de Noé? Trancafiada dentro do quarto. E fiquei a burilar as idéias de Dóris Lessing em “To Room Nineteen”. Lá estava eu em um quarto, sozinha, dona do meu tempo e do meu espaço. Claro que havia uma enchente lá fora, mas, por momentos, eu fantasiava e me via lá, hospedada, refletindo sobre a vida. E, nesse intermezzo , leio a crônica dominical de Martha Medeiros “Mind the Gap”. Muito apropriada suas palavras. Sobre a vida que se quer e a vida que se pode. O segredo dos meus olhos já haviam sussurrado: Pule! E eu pulei! Gracias a la vida.

E depois que a chuva melhorou, enquanto os aterros sanitários despencavam em Niterói, o evento do Rio Mostra Paraíba finalmente acontecia, se não mais com o esplendor desejado, mas com a competência merecida. Claro que sob um sentimento esquisito, pois o Rio se acinzentava, mas mesmo assim, o Forró tocou para a exposição de rendas renascenças e bonecas de barro, de pano, aguardente, tapioca, banana cozida, santos de Bento, e tanta coisa. Jessier Quirino deu seu show. Clã Brasil também.

Na minha despedida, fazia um sol frio. Pensei que a chuva havia dado trégua. E, fui me desanuviar do Rio na Livraria da Travessa em Ipanema. Uma vitrine linda, toda destinada à Alice. Do País das Maravilhas. Relógios, coelhos e espelhos. Comprei um re-escrito por Rui Castro, para crianças. Hanna no País das Maravilhas! Quis comprar os contos mínimos de Heloisa Seixas, o de Rosiska, Chão de Terra, já comprei. Botei na conta também os cartões de Klimt, stickers de Picasso, e o almoço: Uma sopa de tomate com Gruyére, e um escondidinho de mandioquinha com legumes/ervas grelhado. Sobremesa? Cheese cake e um café. Não sabia eu que tanta celebração ainda estava a vir por água abaixo. O morro do Bumba em Niterói ainda estava por desabar.

E, enquanto eu me aquietava rumo ao aeroporto, sozinha no taxi e debaixo de chuva fina pela Av. Brasil, fiquei com nó na garganta diante daqueles que perderam a vida; mas confesso que, com uns dias de solidão e jogo de cintura diante da imponderabilidade dos dias, voltei para casa, agora com mais medo que o de ladrão. Também um medo esquisito das chuvas cariocas, tão diferentes e distantes da beleza e sonoridade de Tom Jobim e as suas Águas de Março. É pau! É pedra!


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //