Geral
“Resposta ao tempo”
19/11/2013
Foto: autor desconhecido.
Essa música foi tema de abertura da série “Hilda Furacão”, da TV Globo. Composição de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos, lançada em 1998, interpretada por Nana Caymmi. É uma inteligente letra que promove um diálogo do narrador com o tempo, com um profundo sentido filosófico.
“Batidas na porta da frente é o tempo/eu bebo um pouquinho pra ter argumento”. Há momentos em que é preciso, a gente, parar e ouvir “as batidas na porta da frente”, é o tempo querendo nos chamar a atenção para fazermos uma avaliação da nossa vida. “Eu bebo um pouquinho”, é uma forma de dizer que recordar, relembrar, puxar da memória tudo o que passou, tem um efeito embriagador; como estivesse bebendo um pouco para argumentar a favor ou contra o que vem na cabeça, diante das lembranças, de como o tempo tem construído a nossa história.
“Mas fico calado, sem jeito, ele ri/ele zomba do quanto eu chorei/porque sabe passar, eu não sei”. Nesse enfrentar o tempo, a gente encontra ironia, zombaria, risos, do que passamos, assim como se fossemos o avaliador do nosso comportamento. E, exatamente por isso, achamos graça até dos motivos que nos fizeram chorar. O tempo sabe passar e a gente, inversamente, pára. Paramos muitas vezes no curso da nossa história, algumas vezes para o pranto, outras vezes para a comemoração. Não sabemos o como precisamos entender que tudo é passageiro, efêmero, circunstancial.
“Um dia azul de verão, sinto o vento/há folhas no meu coração, é o tempo/recordo um amor que perdi, ele ri/diz que somos iguais, seu eu notei/pois não sabe ficar, eu também não sei”. O vento é sopro da natureza que nos faz sentir que estamos vivos. Mas ele, na memória, nos traz folhas que a gente queria esquecer. Ao recordar amores perdidos o tempo ri de nossa saudade. O que concluímos nesse diálogo com o tempo é que “ele sabe passar”, deixar para trás o que passou e nós não, ficamos “remoendo” dores do passado.
“E gira em volta de mim/sussurra que apaga os caminhos/que amores terminam, no escuro, sozinhos”. O tempo procura nos acordar para a realidade e comunica “sussurra que apaga os caminhos” dos amores desfeitos; mas em vão porque temos dificuldade em deixar lá, no pretérito e sozinho, “no escuro”, essas passagens da vida.
“Respondo que ele aprisiona, eu liberto/que ele adormece as paixões, eu desperto/e o tempo se rói com inveja de mim”. O debate com o tempo nos leva a culpá-lo pelas investidas com que ele busca nos aprisionar ao passado e a gente procura se libertar dessas ligações com a vivência de antes. Como ele é frio, insensível, trabalha para que as paixões sejam adormecidas, mas nossas emoções estão sempre tentando despertá-las. Nessa hora o tempo nos inveja. Não tem graça viver sem sentimentos, sem emoções.
“Me vigia querendo aprender/como eu morro de amor pra tentar reviver/no fundo é uma eterna criança que não soube amadurecer”. Parece que o tempo fica querendo nos vigiar, nos controlar. Somos assim, eternas crianças que, não obstante as experiências da vida, não sabemos fazer disso um aprendizado, e recaímos muitas vezes em erros cometidos outrora.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.
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