Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Quando a vaidade compromete a competência e os resultados


24/03/2016

Foto: autor desconhecido.

 

Nenhum brasileiro com o mínimo de bom senso pode deixar de reconhecer a importância da operação Lava Jato no processo de transformação da cultura política de nosso país. Já passa a hora da necessidade de promovermos uma faxina no sistema político nacional, passar o Brasil a limpo, como costumamos dizer. E a Lava Jato tem atuado de forma preponderante nesse despertar de consciência ética e moral, no combate a corrupção. Não tenho receio em afirmar que se trata de um divisor de tempo na nossa história, quando analisamos o aspecto revolucionário dos objetivos a que, originalmente, se propunha.

Todavia, os resultados seriam muito mais consistentes e válidos se alguns dos condutores dessa operação não tivessem sido contaminados pelo sentimento da vaidade, a incontida ansiedade de se tornarem celebridades nacionais, reconhecidos como heróis, reverenciados como os “salvadores da pátria”. Essa preocupação primeira em se tornarem protagonistas de espetáculos midiáticos que potencializam suas qualidades, tem feito com que adotem atitudes precipitadas, equivocadas e, algumas vezes, destoantes dos princípios que regem o exercício de suas atividades.

É nesse olhar crítico que, lamentavelmente, constatamos que a vaidade exacerbada compromete o desempenho da competência e fragiliza o conceito de equilíbrio que se exige de autoridades a quem se confiam missões de tão grande relevância.

Machado de Assis chegou a afirmar que “a vaidade é o princípio da corrupção”, ao tentar fazer compreender que esse sentimento transforma mentes brilhantes, conduzindo-as a agir em desacordo com os valores que sempre defenderam ou declaram defender. Os vaidosos são pessoas apaixonadas pela glória e por isso terminam por perder a virtude da nobreza na análise das coisas com isenção, quando percebem que prioritariamente deve prevalecer a decisão que lhe possa oferecer fama, renome, deferência.

Aí está, o grande risco dessa operação Lava Jato. Os verdadeiros objetivos tragados pela vaidade exagerada dos que querem se valer de suas estratégicas e circunstanciais posições, para se autoafirmarem, se projetarem, se vangloriarem, mesmo que a custo de procedimentos que atentem contra os mais elementares ordenamentos da ética e da legalidade. Os fins justificam os meios, haverão de argumentar em obediência a esse ensinamento de Maquiavel.

Necessitamos sim, de uma varredura na política nacional, de uma revolução cultural que nos faça ter orgulho da nossa cidadania, expurgando os corruptos, banindo de uma vez por todas do cenário político aqueles que encaram o exercício da atividade pública em favor próprio e em detrimento do coletivo. Mas que seja um processo todo ele orientado na estrita observância da legalidade, sem ferir os critérios de igualdade de tratamento, oferecendo de maneira isenta e equilibrada o julgamento relativo às ilicitudes descobertas.

A justiça não pode ficar a reboque de vaidades doentias, prejudicando sua sublime função de praticar a equidade entre os homens, não favorecendo, nem lesando direitos, conforme as emoções do julgador. Queremos e precisamos de uma justiça apartidária, desapaixonada politicamente, cujas balanças nunca se inclinem só para um lado, colocando a espada sobre as cabeças de todos, indistintamente, que se portarem em contrário ao que se define como legal, moral e ético.

Não podemos perder a oportunidade de passar essa página nefasta de nossa história, onde impera a corrupção, a indecência e a desonestidade, por conta de posturas inaceitáveis de quem coloca a vaidade acima dos interesses maiores da nação. Esperemos que a Lava Jato seja, no futuro, registrada pelos historiadores como um marco importante na reconstrução da nossa cultura política, sem anotações de desvios de conduta que possam maculá-la.
 


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