Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Quando a ditadura explicitou a prática das torturas


25/08/2015

Foto: autor desconhecido.

 

Todo mundo tinha conhecimento de que a tortura era prática comum nos porões da ditadura. Mas isso era assunto proibido de ser tratado publicamente. A mídia sequer podia insinuar algo parecido. Tudo acontecia, logicamente, às escondidas. Só os familiares dos torturados sabiam detalhes dos sofrimentos a que os presos políticos eram submetidos naquele período sombrio da nossa história.

Até que no dia 27 de outubro de 1975, num ato falho, os ditadores resolveram publicar a foto de um preso, noticiando de que ele havia cometido suicídio na cela em que estava recolhido. Uma farsa tão grotesca que deixou explícita que a causa da morte não foi a informada por eles. O jornalista Vladimir Herzog não teria resistido às sessões de suplício a que teria sido obrigado a enfrentar. A partir desse acontecimento, a tortura passou a ser objeto de denúncia coletiva, porque já não havia mais como esconder essa triste realidade. A missa de sétimo dia, celebrada por Dom Paulo Evaristo Arms, arcebispo de São Paulo, levou mais de seis mil pessoas a comparecer àquele ato litúrgico, numa primeira demonstração corajosa de reação ante as atrocidades praticadas pelo regime militar instalado no país a partir de 1964.

Vladimir tornou-se então o símbolo de um jornalismo que não se intimidava quando necessários o combate e o questionamento das ações de governo que violam os direitos humanos. A partir do seu assassinato muitos passaram a lutar contra a impunidade que o silêncio e a intimidação impunham aos brasileiros. Os seus gritos de dor na cela, ouvidos ao lado por outros presos, ainda hoje ecoam nos ouvidos daqueles que defendem a liberdade e a democracia, encorajando-os a não permitirem que o Brasil volte um dia a viver situação igual a que a história registra durante os “anos de chumbo”.

Anos depois, concluído o processo que a família de Vladimir moveu contra o Estado, foi enfim revelada a verdade sobre a sua morte, e a União condenada pelas torturas e seu assassinato. Foi a primeira vitória processual envolvendo vítimas do regime militar. A máscara caiu.

Estava incluído entre os que não acreditaram na versão primeira dos ditadores. Era evidente que Vladimir havia sido torturado até a morte. Que Deus nos livre dos que fazem do poder um instrumento de opressão e tirania. Não há crise política ou econômica que justifique a supressão da liberdade e da democracia. E ainda há quem defenda a volta dos militares ao poder. No mínimo esses desconhecem a história.

• Integra a série de textos “INVENTÁRIO DO TEMPO II”.

 

 


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