Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Ponto de equilíbrio


28/10/2023

Alguns dos melhores shows que aconteceram em João Pessoa, muitos deles no Forrock, alguns outros no Espaço Cultural, outros ainda na Domus Hall e até mesmo ao ar livre, tiveram a assinatura de Grigório Neto, entre eles a antológica apresentação de Cazuza na praia de Manaíra.

Amigo de fé, irmão e camarada e respeitado entre os profissionais do setor, ele escreveu seu nome em muitos eventos de sucesso que aconteceram por aqui, na sua grande maioria sem maiores incidentes. A exceção, que eu lembro, foi o show de Beto Barbosa, no Espaço Cultural, que viu naquela noite o maior público de sua história.

No mais, até mesmo o maior público do Forrock, que lotou a casa no melhor apresentação do Skank, foi um show à parte de civilidade e respeito, cantando e dançando por mais de duas horas ao som de seus ídolos e seus maiores sucessos.

O que eu não sabia até então era que, por trás de toda aquela calmaria, havia uma conta simples que se transformava numa energia cósmica que favorecia, ela sim, o jogo do amor e da conquista.

Isso porque em todos aqueles eventos, havia mais mulheres do que homens, assim como elas são hoje a grande maioria do país, ocupando seus espaços a contento e semeando a paz num mundo de guerras.

O censo fala em seis milhões de mulheres a mais, muitas delas negras, – até mesmo quilombolas -, outras brancas, outras ainda indígenas ou originárias e um tanto quanto de descendentes de asiáticos e europeus.

São seis milhões de sonhos e de esperanças, de mães e de filhas, espalhadas por bairros nobres e favelas, cada uma com a sua luta e todas com a mesma história de superação.

E são elas, sempre elas que já naqueles shows do século passado, eram as donas do pedaço e não deixavam ninguém brigar. E que hoje estão em toda parte, valentes como a minha mãe e determinadas como a minha filha.

Mas, nem sempre foi assim. Lembro que nos anos setenta, as mulheres eram disputadas e pareciam se divertir com isso. Vivíamos então um período de transição, e as que podiam já investiam no lado profissional.

Havia ainda uma revolução a caminho, que foi determinante para a formação dessas novas mulheres, que hoje usam o seu espaço e voz para defender outras iguais a elas, e até mesmo para facilitar o acesso delas ao sucesso.

Mas, voltando ao novo censo demográfico, um outro indicador interessante, diz respeito às taxas de natalidade. A exemplo de outras grandes nações do planeta, as mulheres, sempre elas, estão optando, em sua grande maioria, por um único filho.

De um certo modo, essa tendência vai de encontro ao patriarcado, que descambou para o machismo que por aqui se instalou e reluta em sair de cena.

Por isso, chego a pensar que a luta mal começou. E torço para que ela se perpetue. Para que a ternura seja sempre maior que a dor. Até mesmo porque estão brincando de um jogo de matar e morrer. E ele é como um game que vai mudando de fase. E onde a vida, como a concebemos, não vale nada.

Talvez, por isso, não consiga lembrar de feminicídios na minha época. Acho que os homens de um modo geral gostavam mais de acarinhar do que ferir. A gente brigava mesmo era entre nós, querendo ganhar a cereja do bolo, mas até mesmo essa luta era um gesto de amor.

E isso bem longe da casa de show. Que era um lugar para tietar e ser feliz.


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