Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Paraíba

Pobreza Menstrual


01/11/2021

Foto: autor desconhecido.

Moço, cuidado com ela!/Há de se ter cautela com essa gente que menstrua…./Imagina uma cachoeira às avessas: cada ato que faz, o corpo confessa./Cuidado moço… (Aviso da Lua que Menstrua, Elisa Lucinda).

Nos últimos dias temos acompanhado o veto do presidente da república à essa questão- a da pobreza menstrual. A Damares, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, justo quem deveria pensar e defender as causas das mulheres, veio a público  dizer que é vacina ou absorvente! E por aí vamos com essa pobreza invisível, mas nem tanto assim, porque tem cor de sangue. Sangue Carmim!

Nunca me havia dado conta dessa pobreza. Inadmissível. Nós mulheres que menstruamos aos 11/12/13 anos, e, desde então vivemos dias de sangue de mênstruo, de cólicas, indisposições, e incômodos por entre as pernas. Aprendemos que à uma certa altura do mês, tínhamos que andar com calcinhas e absorventes na bolsa, e mesmo assim, quem nunca se viu com uma mancha vermelha no vestido, e todo o constrangimento que isso significa? Uma vergonha se instala, como se estivéssemos doente. Pois por toda a vida, os “assuntos de mulher”, ainda continuam assuntos por trás dos panos, literalmente.

Sou de uma casa feminina, e passei a vida ouvindo meu pai dizer de como o olhavam no supermercado, com o carrinho cheinho de caixas de Moddess! Era um batalhão para tantas meninas menstruando todo mês. E mamãe!

Na família não se falava do assunto. No colégio não se falava do assunto. Só entre as amigas; as meninas se orgulhavam quando viravam moça, viravam mulher. Fulana foi Moça! E aí, aquela menina se sentia num pedestal acima das outras pobres mortais, ainda na bela infância….e que, olhavam com inveja aquele certificado de adulta. Lembro tanto de quando aconteceu comigo! Da alegria que senti. Seguida de uma fraqueza nas pernas, um cheiro forte, e um objeto estranho e novato a ser consumido, deixando-nos com o andar trôpego e desconfiado. Comuniquei à minha mãe orgulhosa. E ela, solidária, veio me socorrer.

Tudo isso deve sentir uma menina pobre. Mas com a pobreza e a fome, como ter dinheiro para os absorventes? E a vergonha? Li que são 45 dias anuais que as meninas faltam à escola para não passar pelo constrangimento de ir para as aulas desprevenidas. E claro, que ter conforto naqueles dias é principalmente uma questão de higiene, e de saúde Pública.

Antigamente, as mulheres usavam os tais paninhos. Outros tempos. E havia-se de ter os tais paninhos. Muitos. E sabão para alveja-los. As meninas pobres usam de um tudo: roupa velha, algodão, sacola plástica, casca de árvore, jornal, miolo de pão. Que tragédia!

Os dados mostram que 28% das mulheres de baixa renda são afetadas diretamente pela pobreza menstrual (cerca de 11,3 milhões de brasileiras) e 30% conhecem alguém que é afetado pelo problema. … 4 em cada 10 mulheres convivem com o tema pobreza menstrual, pois ou são afetadas ou têm algum conhecido afetado. Com a medida, o conselho quer assegurar a mulheres, meninas, homens trans e demais pessoas com útero o acesso a itens como absorventes femininos, tampões íntimos e coletores menstruais. O documento sugere ainda que sejam priorizados produtos com menor impacto ambiental. (fonte: Agencia Senado). Aqui na Paraíba, a deputada Estela Bezerra apresentou o projeto “Menstruação sem Tabu”. Foi aprovada por unanimidade na Assembleia, mas o governador vetou o projeto.

A fome tem pressa! E nessa pandemia o retrato da Fome no Brasil, explodiu. Mas junto, outras fomes acompanharam o direito mais universal de todos – o direito a comer 4 refeições por dia. A insegurança alimentar mostrou a tragédia deste país. As pessoas que não sabem o que vão comer hoje. E todas as consequências que essa falta detona no indivíduo. O mesmo acontece com a pobreza menstrual. Evasão escolar, autoestima (por conta do bullying na escola justamente quando a criança começa a idade da socialização na adolescência) e tantos outros danos que, por vez acompanham a vida toda.

Que as meninas tenham direito a viver essa fase tão importante da vida das mulheres, com saúde e dignidade.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 09 de Outubro, 2021


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