Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

“Pedaço de mim”


22/12/2013

Foto: autor desconhecido.

Esse poema-canção foi elaborado em 1978 para a peça “Ópera do malando”. Nele Chico Buarque chora a dor de uma separação e procura dar definições ao que seja saudade. “Pedaço de mim” traz na sua letra a intenção de dar ênfase à tortura sentida pela saudade de alguém que perdeu; usa alguns termos muito apropriados para a época em que foi composta, em plena ação opressora da ditadura militar no Brasil (exilar, arrancar, amputar, atormentar, etc.).

“Oh pedaço de mim/Oh, metade afastada de mim/Leva o teu olhar/Que a saudade é o pior tormento/É pior do que o esquecimento/É pior do que se entrevar”. O “eu lírico” pranteia a solidão que passa a viver com o afastamento da mulher amada. É como se metade dele não existisse mais. A lembrança do seu olhar lhe atormenta. Melhor seria que a tivesse esquecido. Menos mal seria que não pudesse mais movimentar-se, sentindo-se incapaz para viver intensamente esse amor no seu aspecto físico.

“Oh pedaço de mim/Oh, metade exilada de mim/Leva os teus sinais/Que a saudade dói como um barco/Que aos poucos descreve o arco/E evita atracar no cais”. Não quer que fiquem “os sinais” que produzem recordações, para que não nasça de forma ainda mais dolorosa a saudade. Esses sinais seriam como um barco que aponta no mar, mas dá meia volta e não atraca no cais, por decisão própria. Frustra expectativas, elimina esperanças construídas.

“Oh pedaço de mim/Oh, metade arrancada de mim/Leva o vulto teu/Que a saudade é o revés de um parto/A saudade é arrumar o quarto/Do filho que já morreu”. Procura afastar de si toda e qualquer imagem que possa trazer-lhe à memória o semblante da mulher amada. Nada mais penoso do que organizar um ambiente em que a ausência de um ente querido é sentida fortemente. O “revés de um parto” é o malogro de algo que estaria por nascer.

“Oh pedaço de mim/Oh, metade amputada de mim/Leva o que há de ti/Que a saudade dói latejada/É assim como uma fisgada/No membro que já perdi”. Continua no apelo para que ela leve da sua convivência tudo o que evoque a sua lembrança. Ele sabe que a privação da sua companhia vai doer de qualquer forma, como se fosse a “fisgada num membro que perdeu”.

“Oh pedaço de mim/Oh, metade adorada de mim/Lava os olhos meus/Que a saudade é o pior castigo/E eu não quero levar comigo/A mortalha do amor, adeus”. Enxuga as lágrimas, porque quer se livrar dessa saudade que lhe machuca como castigo. O amor não pode ser causa da sua morte, prefere dar adeus.

• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.

 


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