Ramalho Leite

Jornalista, escritor e historiador.

Geral

PARTIU A ULTIMA DATILÓGRAFA


10/08/2018

Foto: autor desconhecido.

Quando cheguei à Assembleia Legislativa do Estado, como servidor, já encontrei Lourdinha Luna e a sua fama de melhor datilógrafa do quadro legislativo. Redatora de anais, redatora de debates ou simplesmente, eximia datilógrafa, sua requisição era indispensável aos que desejavam apresentar um trabalho bem elaborado nos tipos de uma Remington ou de uma Olivetti – manuais, pois a máquina elétrica foi um avanço alcançado mais diante.

Na posse de um novo presidente, se a solenidade exigia um discurso escrito, tinham que chamar Lourdinha para os retoques finais e a versão derradeira. O Palácio da Redenção já descobrira sua perícia e o governador Pedro Gondim passou a lhe mandar alguns trabalhos para aprimorar. Advogados famosos, a exemplo do meu sogro, José Aragão, recorriam a Lourdinha na hora de datilografar um recurso dirigido aos tribunais superiores. Até que, o solitário de Tambaú tomou conhecimento da sua técnica e, acostumado a colocar no papel os garranchos que a miopia permitia, resolveu a apelar ao presidente Clovis Bezerra para socorre-lo na digitação de suas memórias.

A partir de então, Lourdinha Luna passou a ser a datilógrafa exclusiva do imortal José Américo de Almeida. Datilógrafa? Secretária formada na Fundação Getúlio Vargas, foi muito mais além e se revelou a companhia indispensável ao velho guerreiro. Fosse no Rio de Janeiro, para ficar mais próximo à Academia ou à livraria José Olímpio, no Casarão da beira mar, nas fazendas de Zé Rufino, onde o primo famoso recarregava as energias, ou no frio de Areia onde se deliciava com o movimento da bagaceira e o perfume adocicado do mel e da cachaça recém saída dos alambiques, lá estava a inseparável Lourdinha.

Essa companhia permitiria a Lourdinha ser testemunha ocular e auditiva de inúmeros fatos da cultura e da política paraibanas que, em determinado período da sua história, giravam em torno do ilustre filho de Areia. De testemunha da história, passou a ser a própria história e se tornou, com o desaparecimento do seu ídolo, a vigilante e destemida protetora da sua memória. Publicou livros, escreveu crônicas, narrou fatos e omitiu detalhes que não estava autorizada a passar adiante, provando, com essa atitude, ser merecedora da confiança do grande paraibano que o Brasil sempre respeitou.

Tentei levá-la a disputar uma cadeira no Instituto Histórico. Esquivou-se e revelou a modéstia das suas pretensões. Já era membro da Academia Feminina de Letras e Artes, da Academia de Letras de Areia e outras entidades que ajudou a fundar, participando, efetivamente, das suas atividades. Mais recentemente, tornou-se uma ativista das redes sociais. Opinava sobre os assuntos que dominava e enriquecia as postagens com informações preciosas colhidas ao longo de sua existência. De repente, fui surpreendido com seu anuncio de uma ausência provisória do face book. Iria submeter-se a uma intervenção cirúrgica. A operação foi bem sucedida mas, uma consequência imprevisível, levou-a a óbito, alguns dias depois. Perdemos, aos 92 anos, (sua alegria contagiante não passava dos 80) a escritora e historiadora Maria de Lourdes Lemos de Luna, a q uerida Lourdinha de todos nós – a última datilógrafa.


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