Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Para Juca, com Amor: Crônica de Um Amor Louco


10/07/2013

Foto: autor desconhecido.

Elegia aos nossos 25 anos de amor

É passado mais de um mês desde que você se foi. Para mim, já se vai mais tempo.Um tempo de duração. Estou perplexa. E o “resto é silêncio”, diante de tanta imponderabilidade. Justo agora que você tanto se cuidava, com uma pele…que me pedia todos os carinhos! Realizado, reconhecido, e admirado. E amado, muitíssimo. Por mim, pelos filhos, família, e toda uma cidade.

Muito se escreveu sobre você. Suas frases “pão pão queijo queijo”; sua trajetória de vida, capacidade de articulação política, sedução, inteligência, intelectualidade, carisma, generosidade. Um cabrito que berrava!! Como você mesmo tão bem disse sobre si. Os jornais estão todos ali, enfileirados, à espera que eu tenha forças para fazer a minha colcha de retalhos fúnebres.

Queria lhe homenagear, falando do que só eu sei. Você como homem na vida pessoal. Como o meu homem, com trilha sonora de Billy Holliday. O meu amor, por 25 anos, nesse dia 14 de Julho, dia da “Queda da Bastilha”, como você tanto gostava de comemorar – a nossa Revolução Francesa!

Conheci você ainda quando estudava no ginásio, nas Lourdinas. Mas não simpatizava com seu jeito rebelde e briguento de ser. Mas ao mesmo tempo, ficava curiosa com o seu perfil enfant terrible! E inatingível.E, como logo cedo me encantei por outro grande amor, e também me casei ainda adolescente, você ficou em banho maria…e fomos viver nossas vidas, com alguns encontros do destino…que a vida nos esfregava na cara. E, enquanto você não re-encontrava a mulher certa…, se distraía com as erradas….Eu também tive meus encontros e des-encontros amorosos, pois na década de 70/80, nada ficou sem se viver impunemente.

Aí nos encontramos em São Paulo, o selvagem da motocicleta, com sua jaqueta de couro e seu ar igualmente rebelde, só que agora, numa luta pelas grandes causas. Sampa, lugar que nos deu alegria, cerveja e boemia no Bartolo´s, Sujinho, Spaghetti aux Vongoli no Famiglia Mancini, paixão com cogumelos, beijos, desvarios, e deslumbramentos. Irônico que justamente na Sampa de Caetano, você adoeceu, se assustou e encantou-se. Entreguei os seus sapatos, na porta do Sírio Libanês, num caixote para agasalhos, para que, em pés alheios, nosso encontro continuasse, em outra pisada…e em outros tempos, mas sem tempos mortos! Como dizia Simone. De Beauvoir!

Re-encontrar você na vida, foi um vulcão alumiado. Um desejo longo e realizado. Um Bonde! Estava em estado sombrio numa noite suja de verão. Já tinha meu filho Lucas com quase quatro anos, tinha chegado do mestrado na Inglaterra, e estava separada, de novo…Convidei-o para celebrar minha defesa de dissertação, também ironicamente sobre “O silêncio Feminino”…. Nos agarramos no primeiro encontro, no Motor Car, na ponta de Cabo Branco, para nunca mais nos desgarrarmos. Você eufórico, me beijava loucamente. Ih! Falei! Como adoro beijo na boca! Os seus, serão inesquecíveis! E olha que nos beijamos muito muito muito. Sempre.

Tivemos uma vida amorosa difícil. Pois nem tudo foram flores, e, entre “tapas” muitas, e silêncios mortais, nem sempre soubemos valorizar os beijos, também mais e mais. Você, um ser político e partidário, sempre me afrontou com esse ser político de todas as horas, e eu, uma outsider vagante e etérea, em meio a tantos compromissos, inquietava-me! Queria o ócio criativo e enamorado. Confesso que ainda tinha vestígios do amor romântico, que mais tarde vim a estudar no Doutorado, e me des-entender melhor. Éramos muito diferentes! E por isso mesmo tão seduzidos um com o outro.

Como casal, enfrentamos de um tudo! Paixão avassaladora, amor imensurável, admiração, desavenças, banalidades, arranca rabos, tristezas profundas, mágoas, mil perdões, dias em silêncios, para depois, em arroubos intermináveis, fazer nossas pazes em noites de beijos lambuzados, “minha giganta!! Meu feitiço!!” E Noites de Cabíria na nossa cama imensa e de travesseiros povoados de erotismo, fantasias, carícias e suspiros intermináveis. Ai Juca quanta saudade! Leio os versos de Marina Colasanti para que a poesia com suas imagens possa concretizar minha sensação: “Eu maça feita// e prá lá de madura// ainda me desdobro em brancas flores /cada vez que sua faca/ me transpassa.”

Na hora do seu banho, quando não tínhamos nossas cachoeiras impublicáveis, tínhamos a hora dos despachos cotidianos. Você a pensar enquanto se ensaboava, e eu botava meu banquinho, e por entre espumas e cheiros de lavanda, conversávamos sobre o dia. Minha Pauta! Você ria e dizia que eu devia ter um programa de rádio, lembra? E à noite, bebíamos cerveja às gargalhadas. Namorávamos até hoje! E nos distanciávamos também. Muito. Não conseguia imaginar-nos velhinhos como os casais mortais. Não éramos! E agora vejo o por quê! Planos interrompidos, malas desfeitas, contas fechadas, livros e mais livros encaixotados, e eu, com tudo isso para ver, para crer, e para dar um destino à sua memória e à minha vida. Isso não se faz Juca! E confesso que senti muita raiva também! Como pode a vida me pregar tamanha peça? Eu pronta, prontíssima, em prontidão, para me esbaldar em Chiantis em Milão, ou brindar nossas Bodas – de Prata, em San Geminiano? E você me priva, justo quando estávamos na famosa idade pós loba, da sabedoria e dos apaziguamentos. Porque você não me disse que iria tão cedo, para que eu não perdesse nem mais um minuto? Mas, como me tranquilizou o médico zen, ainda na UTI: “Não somos nós quem escolhemos as doenças. Elas nos escolhe…” Será?

Se pudesse escolher uma coisa, um momento para congelar no tempo, seria o momento dos nossos beijos, após você fazer a barba, e, com cheiro de loção …e uma pele…de cetim, me amava e me amava. Senti isso a vida toda! Todos os anos em que você se arvorava que tinha “lambido muito o asfalto à minha espera”, querido. Faria um sorvete também da sua barba por fazer, das suas mãos gentis e da sua ternura rarefeita de quando te conheci. Jamais esquecerei aquelas rosas chás, jogadas abruptamente nos canteiros da Epitácio Pessoa, igualzinha à cena de filme romântico, quando viajei sem você logo após essa orgia de beijos.

O que fica de um casal? De nós? Uma vida, um compartilhar durante 25 anos; um filho lindo e bem amado- Daniel; um outro igualmente amado, Lucas; muitos aprendizados, admirações, diferenças muitas; um beijo no cangote; um arrepio interminável; sexo selvagem, delicado, meigo, escuro, claro, toques inconfessáveis, gemidos, falas, silêncios, conchinhas, entre quatro paredes, vale tudo! E a cumplicidade de anos diante da vida tão louca e indecifrável. Sim! E a saudade das minhas listinhas para a Livraria Cultura, que você sempre tinha tanto prazer em me acatar. Tantos livros e CDs amorosamente embrulhados. O último, Toda Poesia, de Leminski – ideolágrimas! Que já recebi no hospital. Mas fica principalmente a saudade de uma intimidade e confiança, difícil demais de se repetir.

Como mulher, me senti muito amada e livre ao seu lado. Tinha a liberdade que construí há vida inteira. Até demais. Vivíamos vidas independentes, e hoje agradeço por isso, mas sabia que a um toque, fosse no celular, ou no corpo, tudo se acendia em fogaréu! Tínhamos dificuldades em comprar uma geladeira, é vero! E quanto tempo perdi, ó Céus!! Mas nossos corpos não mentiam. Desejava-nos ardentemente até hoje. Na cama e na vida. Você sempre me empurrava nos abismos. E eu, assustadíssima, porque não tinha a sua bravura indômita, caia nos ocos da vida, para depois agradecer. E assim, ia adiante, aos sopapos, cambaleante, esbravejando contra tudo e todos…nos meus protestos privados.

Ai Ai! Que essa vida é muito louca. Louquíssima! Mas na minha loucura e tristeza em me despedir, tenho certeza do seu amor. E do meu. Ter vivido isso, por tanto tempo, me acalma e me apazigua. Embala meu pranto. Sei que faltou tanto…no entanto! Vejo você rondando a casa nos espaços sutis: Seus suspensórios, óculos, seu sorriso sem-vergonha; seus beliscões mal intencionados, seu olhar doce e matreiro; sua impaciência; sua obstinação e coragem diante de tudo na vida; sua personalidade Fenix, a se renascer das cinzas tododiatodo; seu jeito ensimesmado (me disse já na primeira noite que, para viver, só precisava de pouco dinheiro, cigarros e um jornal diário..), e até seu egoísmo tão característico dos homens, sinto os seus ventos uivantes nas paredes e nos vestígios. Você era um homem cético, pragmático, ateu. Logo comigo, que creio em las brujas, no amor de uma mulher “densa, tensa e intensa” como você dizia! Ai Ai!

Fico com a lembrança de você na caminhada trôpega pelo corredor do hospital, e com o olhar perdido, através da janela embaçada na garoa, a confessar para o enfermeiro que completaríamos 25 anos de amor, brevemente. Ou quando, na véspera em que você se foi, enquanto eu teclava no computador, você em lágrimas e com o olhar apaixonado, e inesperadamente, me disse de alto e bom tom: “amor da minha vida!” E eu, surpresa diante do inusitado do hospital, sorri de volta, timidamente, e você já distante desse mundo, fez um ar de quem já não se prendia à mais nada. Larguei as teclas e as lágrimas, e nos abraçamos longamente. Jamais esquecerei desse abraço, que ficou no meu corpo feito tatuagem. Prá sempre.

Agora, me despedirei de você em prantos, em cinzas, nas ondas do mar. No mar do Atlântico do Bessa, em frente ao nosso ninho na Oceano Pacífico. Um mar tão grande de peixinhos e de estranhezas. E que você vire etéreo nas profundezas do mar sem fim! E que, a cada mergulho meu em dias lindos e ensolarados, quem sabe possamos dar os beijinhos e mais beijinhos… Pois há menos peixinhos a nadar no mar do que os beijinhos que eu darei na sua boca. Chega de Saudade!

Navegar é preciso e viver também, Juca!

A luta continua! E De tudo ao meu amor serei atento. E sempre. E mais.

E daqui, do nosso recanto, por entre coqueiros e lua cheia, te faço uma serenata, para que você de onde estiver, continue me beijando ao contrário….se puder, como no quadro do mestre Chagall:

O Meu Amor

Chico Buarque
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh’alma se sentir beijada
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes
Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa
Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

Com amor,

Ana


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.